As influências ocultas na Rússia:

Não só na Rússia, mas no mundo todo, o esoterismo desempenha um papel importante. Não só no campo da influência das eminências pardas em torno dos governantes (como astrólogos e magos dos imperadores bizantinos, sábios e sacerdotes da corte chinesa), mas também na própria essência do desenrolar sócio-político. Segundo o Professor Alexander Dugin, as guerras noológicas giram em torno dos logoi de Apolo, Dionísio e Cibele. O Logos de Cibele é o logos da Mãe Terra, gerador do materialismo e cientificismo, a era do pragmatismo epicurista, em oposição ao aristotelismo e ao platonismo – neste ponto, o único paradigma totalmente oposto ao Logos de Cibele é o platonismo. Desta forma, o que tomamos como “ocultismo” não está excluído da era do Logos de Cibele: pelo contrário, só recebe uma nova interpretação, completamente degenerada, mas ainda presente. Não é mais a era dos mistérios teomaquistas, viris e guerreiros, mas a era do esoterismo de pacotilha, a versão sentimental, da física quântica e do psiquismo. Portanto, olhar para o esoterismo ao longo da história russa é lembrar que:

1) O Czar Nicolau II, um cristão ortodoxo piedoso, restaurador da iconografia tradicional, dos livros espirituais, advogado da canonização de São Serafim de Sarov e patrocinador de mosteiros, também era um entusiasta e praticante do ocultismo. Sua ligação com Papus e a Ordem Martinista é conhecida. Por conta da propaganda comunista, as pessoas normalmente pensam na influência esotérica de Rasputin, que não era nem um pouco influente na corte russa[1], e acabam esquecendo da influência real e constante de Papus e dos irmãos Corvos Negros, dois irmãos que transitavam pela corte e inclusive trabalhavam para o Czar. A figura obscura dos Corvos Negros é pouco citada em livros, pois até hoje não se sabe muito sobre eles. Entretanto, sabemos que eram praticantes poderosos de necromancia.

2) O bolchevismo possuía sim uma raiz esotérica. Isso não legitima o discurso de conspirações esdrúxulas e bizarras como “Marx era satanista”, “bolcheviques mataram a família real em ritual satânico”, mas em diversos livros[2] notamos a influência de um pensamento esotérico e da formação de um esoterismo bolchevique. Segundo as fontes mencionadas na nota de rodapé 2: O Instituto de Engenharia Elétrica de Moscou, através de importantes membros da Cheka, foi um centro de estudos sobre telepatia, hipnose, necromancia e outros campos paranormais. Em 1923, Barchenko formou a “Irmandade Unificadora Trabalhista”[3], uma organização maçônica de orientação bolchevique que, mais tarde, inspirada nas obras de Saint-Yves d'Alveydre, buscou organizar uma grande expedição ao Tibet, em busca da mítica cidade de Shambala. Entretanto, a expedição foi abortada em 1937, por supostas ligações da fraternidade com Roerich e também pelo caso Gleb Bokki, durante o Grande Terror. Bokki também era entusiasta do ocultismo e responsável por pesquisas paranormais secretas da Cheka, que chegou a empregar 400 funcionários em pesquisas secretas, até mesmo para outros escalões da Cheka. Barchenko acabou fuzilado, junto de outros membros da fraternidade e a expedição foi abortada.

3) Yakov Grigoryevich Blumkin, agente da Cheka, foi uma importante figura da “Irmandade” e também colaborou com a luta tibetana contra o imperialismo britânico. De origem judaica, chegou a utilizar o disfarce de monge mendicante no Tibet, quando aodotou o nome Buryat, e presenteou o Dalai Lama com uma estátua de Buda, feita em ouro maciço. Blumkim também se interessava na busca pelos tesouros de Salomão e na magia utilizada pelo rei em sua construção do Templo judaico. Segundo a lenda buscada por Blumkim, Salomão fazia uso de um objeto do tamanho de uma semente que emitia raios. Além disso, ainda sob a direção de Gleb Bokki, a fraternidade fez uma busca na península de Kola, local de estranhos fenômenos mediúnicos e clarividentes entre os lapões. A pesquisa reuniu nomes de peso como Likhachov, Vinogradov, Nechayev e Florensky. Segundo a lenda local, Kola guardava um portal para uma terra misteriosa, chamada Hiperbórea. Aquele que conseguisse passar para a Hiperbórea, receberia a vida eterna, passando por uma “morte” primeiro. Isso gerou um forte desejo em procurar a fórmula para a vida eterna, tanto que, sob a liderança do místico e médico Alexander Bogdanov, foi criado o primeiro instituto de transfusão de sangue do mundo, que também buscava o elixir da juventude dos textos alquímicos.[4] De acordo com todas as tradições religiosas, o sangue é o portador da energia vital (conforme doutrinas da África, Ásia, Oriente Médio e Américas) e os arianos de Hiperbórea eram portadores de um sangue especial, um sangue portador de propriedades revolucionárias. A transfusão deste sangue da Hiperbórea transformaria o rumo da revolução mundial.

Além disso, é possível desenvolver a influência do ocultismo em diversos governos e guerras, como o de Crowley sobre Churchill, a teosofia e o Nacional-Socialismo, etc. Para a questão da Rússia, é possível dizer que a existência de ensinamentos ocultos, embora combatidos muitas vezes, como durante a época de Alexandre I, sempre foi algo de muita influência - até mesmo os diversos ramos dos “Velho-Ritualistas”, que buscavam uma fé ortodoxa pura, livre das reformas bizantinas depois de Florença e das reformas do Patriarca Nikon e Pedro, foram influenciados por diversas sociedades ocultistas e acabaram, com o tempo, dando origem às seitas de influência bogomila ou shamânica. Além disso, conforme comprovamos em arquivos da própria Checka, o novo paradigma cientificista e materialista do bolchevismo não foi capaz de sufocar totalmente o interesse e a prática ocultista – mas já sob uma nova influência, algumas vezes sob o Logos de Dionísio, outras vezes sob o Logos de Cibele.A razão disso é muito simples: o próprio cientificismo possui sua fonte em um pensamento mágico, ele mesmo é uma forma, ainda que degenerada, de metafísica – o atomismo não passa da metafísica dos desencantados e frustrados. 

[1] “Tsariu Nebesnomu i Zemnomu Vernij”, Tamara Groian, Moscou, Ed. Palomnik, 1996; “Fevral’skaia Revoliutsia”, G.M. Katkov, Paris, Ed. YMCA, 1984.

[2] La politica e i maghi. [Da Richelieu a Clinton], Giorgio Galli, Milão, Rizzoli, 1995. The Occult in Russian and Soviet Culture, Bernice Glatzer Rosenthal, Ithaca, Cornell University Press, 1997. Red Shambhala: Magic, Prophecy, and Geopolitics in the Heart of Asia; Andrei Znamenski , Ed. Quest Books, Aydar, 2011.

[3] O símbolo da fraternidade: uma rosa vermelha, cercada de pétalas de lírio branco, com uma cruz ao centro, semelhante ao símbolo da Loja Maçônica dos Rosacruzes da França. Os graus da ordem eram divididos em dois: aprendizes e irmãos. A loja chegou ao ápice de seu prestígio em 1923, quando recebeu importantes e ilustres membros da Cheka.

[4] “Tayny Peterburgskikh krepostey. Shlissel'burgskaya pentagrama”, Andrei Sinelnikov, Ed. Ezkmo, Moscou, 2008. “Krasnaya kniga Tcheka” (coletânea de arquivos da Cheka, Tomo 1); Tatiana Ivanova Grekov “Tibetskaya meditsina v Rossii: istoriya v sud'bakh i litsak", Ed. Aton, São Petersburgo, 1998.