O Momento Antropológico na História Humana

1. Qual é o desenvolvimento geopolítico mais importante que está se desdobrando atualmente (relacionado à Rússia)?
A Rússia continua se movendo em direção ao objetivo principal: a afirmação e a defesa de sua soberania no contexto do mundo multipolar. Isso se baseia não somente na visão realista das Relações Internacionais (contra a abordagem liberal e o internacionalismo/pacifismo da agenda de um governo mundial), mas também na teoria do grande espaço, que promove a integração regional (ao invés da unificação global), baseada na comunidade da civilização.

Esse é o principal plano estratégico de Putin, que vem tentando transportar isso para a realidade com sucesso crescente. As relações pessoais com Trump, as vitórias na Síria, a incrível capacidade da economia russa de suportar as sanções sem colapsar, a força da aliança russo-xiita no Oriente Médio, a nova coordenação estratégica com a Turquia, o papel crescente da Organização de Cooperação de Xangai, o sucesso da União Eurasiana – que firma o controle na Crimeia e o controle sobre as fronteiras russas/Donbass pela República pró-Rússia da Novorússia: todos esses são elementos para checar a realidade que testifica as conquistas concretas da Rússia de Putin.

O “escândalo dos hackers russos” em andamento e as acusações da conexão entre a Rússia e Trump são o símbolo do novo papel russo enquanto poder global que se recupera da derrocada da Era Gorbachev/Yeltsin. Eles odeiam Putin, eles temem Putin, mas reconhecem, por meio desse ódio e desse medo, que a Rússia retornou. E, pouco a pouco, o número crescente de pessoas ao redor do mundo que estão começando a amar Putin precisamente pelas mesmas razões que os outros o odeiam e o temem.

A Rússia de Putin é uma alternativa clara à visão mundial liberal globalista e ao mundo unipolar, sob controle direto da dominação ocidental. Então, a Rússia está se tornando a fonte de inspiração para todos os movimentos – tanto a alt-right quanto a alt-left. Esse é o principal significado de onde nós estamos com a Rússia agora. Se você é globalista, você aceita isso como um sinal negativo. Se você não é globalista (e, hoje, isso é legítimo – graças a Putin e Trump, levando também em conta as críticas dele ao Pântano), você aproveita isso como um sinal positivo.

Mas, hoje, todos são convidados a usar esse novo fator multipolar para seus próprios interesses – estando ao lado de Putin ou contra ele. Reanimando a Rússia, Putin criou as premissas para a multipolaridade. E ele não fez isso só pela Rússia – todos os povos, Estados e civilizações podem usar isso para seus próprios propósitos, ou lutar ao lado dos globalistas. Então, um novo mundo está sendo parido diante dos nossos olhos. E a Rússia, se não for criadora disso, ao menos é a parteira.

2. Onde, em sua opinião, as coisas podem se desenvolver nos próximos meses nessa questão geopolítica? Quais os principais desafios nos próximos meses?
Primeiro, as relações entre Putin e Trump. Agora elas estão estabelecidas e são relativamente boas – porque Trump está vencendo a batalha política interna nos EUA e está se tornando mais forte e independente em suas políticas. Mas, por lá, há uma forte oposição a Trump por parte do Deep State [“Estado Profundo”] estadunidense, que tenta, e certamente tentará mais e mais nos próximos meses, minar a posição de Trump. Então, pode haver operações de false flag [falsa bandeira] e provocações por lá.

Segundo, o conflito sírio. Ele está chegando à conclusão com o fim da ajuda incondicional dos EUA ao ISIS [Estado Islâmico] e à Al-Qaeda e sua forte posição anti-Assad. As forças militares russas e Assad estão quase vencendo e, se os EUA não se encontrar do lado oposto, o conflito pode ser facilmente (de modo relativo) finalizado. Há muitas questões problemáticas que devem ser abordadas nos próximos meses na Síria – a solução para os territórios árabes sunitas ao Sul, as hostilidades curdo-túrquicas ao Norte, a logística do retorno dos refugiados e assim por diante; mas, essencialmente, a guerra já acabou e há vencedores – Assad, a Rússia, o Irã, o Iraque e, relativamente, a Turquia. Há perdedores também – a Arábia Saudita e os intervencionistas do establishment estadunidense (antes de Trump chegar ao poder), chamados de Swamp [Pântano] ou de gangue Obama-Hillary.

Mas, cada conclusão no conflito cria um novo equilíbrio de poder, e novos atores insatisfeitos com o status quo aparecem. Logo, o fim (ao contrário da finalização) de um problema é, ao mesmo tempo, o começo de outro. Como eu estou interessado primeiramente pela geopolítica, paro por aqui.

3. Alguma outra consideração?
Considerações mais gerais serão feitas no futuro. A humanidade está se aproximando do momento de singularidade, quando o intelecto artificial irá igualar ou se tornar mais forte do que o intelecto humano. Tecnicamente, isso está quase concluído - e computadores quânticos e progressos nas redes neurais são coisas incríveis. Logo, precisamos nos concentrar novamente na antropologia profunda, sobre a questão: o que é humano? O que isso significa agora? E, especialmente, diante da Inteligência Artificial. Esse é o principal desafio.