Alexander Dugin x Glenn Back: o verdadeiro Cristianismo x modernidade


Alexander Dugin x Glenn Back: o verdadeiro Cristianismo x modernidade


Introdução

Glenn Beck, com um pensamento fundamentado no ideal etnocêntrico, racista e atlantista, julga as obras do Professor Alexander Dugin como “revolucionárias’, “fascistas” e “imperialistas”. Além do fator etnocêntrico e racista, marcas do ideal americano, Glenn não possui qualquer noção sobre o ideal ortodoxo de império, muito menos sobre a escatologia cristã ortodoxa e menos ainda sobre a ideia ortodoxa de império. Na verdade, o que ocorre é a famosa tática do ‘acuse-o do que você é”. Nenhum império ortodoxo invadiu territórios impondo seu modelo – as conquistas de territórios pelos impérios ortodoxos sempre foram pacíficas. A própria Rússia, que possui como seu marco espiritual o Batismo de Kiev, foi convertida à Ortodoxia de forma pacífica. A Rússia escolheu ser ortodoxa e o modelo de governo ortodoxo foi aceito sem espadas. Ao contrário do imperialismo estadunidense, uma continuação do imperialismo britânico, o Império Ortodoxo, iniciado no Império Bizantino, nunca foi etnocêntrico, nunca foi racista e sempre permitiu uma aculturação rica. Isso pode ser visto até nos dias de hoje: Igrejas Ortodoxas, embora unidas pela mesma fé, guardam suas particularidades locais – há um Typikon Bizantino e um Typikon Eslavo; diversas diferenças culturais nas práticas litúrgicas e nos cantos religiosos. O mesmo não pode ser dito do imperialismo estadunidense, pois até mesmo alguns católicos romanos americanos se renderam ao ideal americano, mesmo naquilo que contradiz o ensinamento católico. Um exemplo claro disso é o pensador americano William Buckley Jr que, para defender o modelo americano, afirmou que a Igreja era apenas “mãe, não mestra”, pois a Doutrina Social da Igreja reprova o modelo econômico liberal.

Ao contrário do modelo americano, o modelo bizantino não se fundamenta em uma ideia etnocêntrica, muito menos em uma missão do povo bizantino (ou eslavo) além da espiritual: não há valores humanos absolutos além daqueles espirituais, essencialmente ortodoxos. A cultura bizantina não é superior.. A diferença, neste aspecto, está no fato do modelo ortodoxo possuir princípios religiosos, fundamentos na Doutrina da Igreja, que regulam os diversos aspectos, respeitando aquilo que não contraria o espírito cristão – ao passo que, no modelo americano, o modelo da modernidade anglo-saxã, dos valores dos “direitos humanos”, da “liberdade econômica” e dos “valores universais” é um modelo humanista que se coloca acima dos ideais e culturas do mundo – é a transformação da religião em mais um “passatempo burguês”, o modelo que gerou a “religião de pacotilha” e também o responsável pelo enfraquecimento das religiões tradicionais.

Ao olhar oriental, o Ocidente não é considerado decadente apenas pelo declínio moral. O Oriente (como todo o mundo) sempre esteve e sempre estará repleto de transgressões como adultério, corrupção e violência. Entretanto, o que difere Oriente do Ocidente é a noção de valores – é isso que espanta um oriental. Um exemplo:

Durante meu encontro com Nikkon, perguntei sobre as outras coisas que ele pensava da Europa:

“O senhor viveu na Europa”, perguntei “O que o senhor pensa disso? Qual é a sua opinião sobre a civilização Ocidental?”

“Civilização!”, ele exclamou “A civilização Ocidental é um ersatz!”

Ele enfatizou a palavra “ersatz”. Esta palavra é de origem germânica. Significa substituto, enganador, falso. Após uma pausa, Nikkon continuou.

“Tudo que está nela: as artes, ciências, filosofias, religiões, é ersatz!

“O senhor acredita realmente que não há nada autêntico, bom, nos países da Europa Ocidental

“Nada”, ele respondeu, “Tudo é falso, vazio. A única exceção é a Ortodoxia. Mas até ela é dificilmente encontrada em sua forma genuína, original.?”[1]

Note que o Staretz Nikkon não fala dos costumes ocidentais, mas de um estado de coisas, de algo que corrompeu a tudo no Ocidente, inclusive a Igreja Ortodoxa, que é a Igreja de Nikon. Ersatz, palavra alemã para algo de natureza impostora, algo que tomou o lugar de uma coisa superior, define muito bem a percepção de Nikon, a mesma de todos os cristãos ortodoxos conscientes. O Professor Dugin, como um bom cristão ortodoxo, condena o modelo globalista e defende a multipolaridade. A Ortodoxia sempre foi multipolar e depende do mundo multipolar para sobreviver de forma integral e pura. O Staretz enfatiza que até mesmo a Ortodoxa é dificilmente encontrada em sua forma pura no Ocidente, pois há uma questão de mentalidade neste ponto: ortodoxos ocidentais foram contaminados pelo modelo globalista ocidental e corromperam o ethos ortodoxo, seu phronema, termo utilizado para o “pensamento ortodoxo”, “modo mental” ou “essência espiritual”.

A revolta de Glenn, portanto, não é contra o Professor Dugin, muito menos contra a Igreja Ortodoxa Russa. Sua revolta é contra os Pais da Igreja, contra aqueles que desenvolveram a teologia cristã num mesmo phronema – Ortodoxia e liberalismo são incompatíveis. Um ortodoxo com o phronema ortodoxo jamais compactuará com o modelo anglo-saxão9 e seu globalismo. Da mesma forma, este mesmo ortodoxo será visto como uma aberração aos olhos de um globalista. O modelo estadunidense permite a vida e divulgação da Ortodoxia em seu território, mas isso tem um preço alto: enquanto as diversas perseguições físicas sofridas pelos ortodoxos serviram para o florescimento de santos e mártires, a tolerância e o ideal “humanitário” globalista servem como uma armadilha perfeita que acaba por implodir a mentalidade devidamente ortodoxa – e o mesmo ocorre com todas as outras religiões tradicionais.

Nos próximos tópicos, analisaremos alguns pontos fundamentais que causaram a revolta de Glenn contra o Professor Dugin, segundo um ponto de vista estritamente ortodoxo.

Império Ortodoxo: Ideal Globalista?

O Império Ortodoxo nunca foi globalista. Mesmo durante sua expansão, conforme dito na introdução, sua intenção nunca foi domar pela força ou “bizantinizar” os novos povos ortodoxos. O ideal ortodoxo de romanidade é o oposto do ideal “romanista” – a raiz do cisma do Ocidente. Os cristãos orientais nunca aceitaram o etnocentrismo do Sacro-Império Romano Germânico e a história nos mostra as diferenças essenciais entre a romanidade e o romanismo: enquanto as diversas Igrejas Ortodoxas guardam suas peculiaridades étnicas, traduzidas nos ritos e até mesmo na espiritualidade, o “romanismo” romano suplantou inclusive diversos ritos ocidentais. No Concílio de Trento, a chamada “Missa de Sempre” ou “Rito Tridentino” passou a sufocar os diversos ritos do Ocidente, como o Velho Sarum, o moçárabe e diversos outros. Outro exemplo muito claro está na vivência dos chamados “católicos orientais” no Ocidente, como os melquitas e ucranianos. Embora na Ucrânia e no Líbano ordenem sacerdotes casados, em muitos países do Ocidente isso não é permitido – uma clara indicação da superioridade do romano diante dos outros. Na romanidade ortodoxa, o papel de Roma, seja na Velha, na Nova (Constantinopla) ou na Terceira (Moscou) é, ao mesmo tempo, escatológico (conforme será explicado adiante) e universal – neste ponto, o sentido de universal da romanidade é o “ecumênico”, um centro de unidade na diversidade. O conceito de ecumênico – e que não está ligado ao deturpado conceito romanista de “tu és Pedro”: a “ecumenicidade” de Roma não está presente na figura do bispo de Roma ou ao seu território canônico, mas à ideia da sede de um Império que preserva a unidade na diversidade.

Estamos diante de um ideal estranho tanto ao romanismo como à modernidade anglo-saxã (e também franca): a ideia de que é possível existir um Império Universal e, ao mesmo tempo, não-etnocênctrico, que não coloca seus valores étnico-sociais acima dos outros. Para um romanista, este ideal parece “falta de unidade”; para um anglo-saxão, uma barbárie que “não caminha com o progresso”, algo inaceitável e que precisa receber a luz do povo do “destino manifesto”.

O Império Ortodoxo pode muito bem conviver com um multipolar: tanto interna como externamente, pois as missões bizantinas nunca foram colonizadoras. O império romanista não é capaz da mesma coisa, embora ainda permita uma aculturação maior que o anglo-saxão e, para o bem, não é fundamentado na superioridade dos valores humanos aos tradicionais.

Império Ortodoxo: Dogma

A questão do Império, da Autocracia, não é apenas uma questão de governo preferível. É um dogma ortodoxo, fundamentado na patrística e na doutrina da Igreja – e da doutrina comum ao período pré-cisma, comum aos padres do Oriente e do Ocidente. Também é uma questão que envolve a escatologia e a interpretação correta do Apocalipse, o que choca a mentalidade da “religiosidade” globalista e sua visão sobre a própria história.

Os primeiros Concílios da Igreja foram convocados por imperadores – não pelos papas de Roma, o Imperador comungava diretamente do cálice (como o sacerdote) e também era o único leigo a entrar no altar pela porta real. Isso porque, na teologia ortodoxa, o governo real é reconhecido como uma forma de sacerdócio.

O poder secular, aos olhos dos ortodoxos, é sempre um “reino do pecado”. Conforme diz o Metropolita Anastácio (Gribanovsky): “O poder político surgiu na terra apenas após a queda do homem. No Paraíso, não havia voz dominante. O homem não pode esquecer que já foi realmente livre e o governo político surgiu apenas após o pecado”. [2]

De acordo com a interpretação ortodoxa do Velho Testamento, o povo hebreu se fazia digno dos governantes ungidos por Deus. A presença de um “governo sagrado” era questão de merecimento e, assim, a ideia do “poder que emana do povo” ou de um poder fundamentado em valores humanistas universais é estranha ao pensamento ortodoxo: “Não temos rei, porque não tememos ao SENHOR” (Oséias 10,3); “O coração do rei é como um rio controlado pelo Senhor!” (Provérbios 21,1); “Tu, ó rei, és rei de reis; a quem o Deus do céu tem dado o reino, o poder, a força, e a glória. E onde quer que habitem os filhos de homens, na tua mão entregou os animais do campo, e as aves do céu, e fez que reinasse sobre todos eles; tu és a cabeça de ouro.” (Daniel 2:37,38). “E o Senhor lhe disse: Ouvi a tua oração, e a súplica que fizeste perante mim; santifiquei a casa que edificaste, a fim de pôr ali o meu nome para sempre; e os meus olhos e o meu coração estarão ali todos os dias.E se tu andares perante mim como andou Davi, teu pai, com inteireza de coração e com sinceridade, para fazeres segundo tudo o que te mandei, e guardares os meus estatutos e os meus juízos, Então confirmarei o trono de teu reino sobre Israel para sempre; como falei acerca de teu pai Davi, dizendo: Não te faltará sucessor sobre o trono de Israel” (1 Reis 9:3-5).

O mistério do poder divino é tão grande que até mesmo os reis pagãos, em alguns momentos, de acordo com a Divina Providência, foram ungidos por Deus, como o Rei Ciro, segundo o o capítulo 45 de Isaías. Entretanto, aqui é bom ressaltar que nem todo governante é um ungido: há as autoridades toleradas e as ungidas, O caso do Rei Ciro é algo particular, que serve para reforçar a questão da visão ortodoxa sobre a história, vista como uma batalha cíclica entre as forças de Miguel e as forças de Lúcifer, além de deixar muito claro que Deus unge governantes de acordo com a Providência.

“O coração do rei é como um rio controlado pelo Senhor!” (Provérbios 21,1). Aqui está o fundamento do nosso Império e a resistência do nosso governo. A paz da Igreja e a unidade da religião levantaram seus originadores ao mais alto posto, para sustenta-las em paz e alegria. O poder de Deus nunca faltará àquele que protege a Igreja contra o mal e contra a mancha do cisma, pois está escrito: ‘Quando um rei justo senta em seu trono, nenhum mal cairá sobre ele’ (Provérbios 20,8).”[3] – Papa João II

“Deus presenteou os homens com dois grandes presents: o sacerdócio e o poder imperial.” – Ata do VII Concílio Ecumênico

“Um sacerdote que não é monarquista não é digno de estar diante da mesa do altar. O sacerdote que é republicano sempre será um homem de pouca fé. O próprio Deus ungiu seus monarcas para a liderança dos reinos, enquanto o presidente é eleito pelo orgulho do povo.” [4] São Vladimir, Metropolita de Kiev

A ideia de restauração do Império Russo, portanto, não é uma ideia “heterodoxa”. Conforme explicarei no próximo tópico, ela possui um significado escatológico e, no caso da geopolítica, representa justamente o freio ao anticristo (novamente, um outro aspecto escatológico), que é o império globalista e sua agenda. Mais uma vez, não temos apenas a discordância quanto as ideias plenamente ortodoxas do Professor Dugin, mas uma repulsa da agenda globalista aos ensinamentos ortodoxos.

O Apocalipse Ortodoxo: A Posição Ortodoxa de Alexander Dugin

Beck faz outra acusação: Dugin seria um “propagador” do anticristo por “agir pelo apocalipse”. Segundo Beck, cristãos “esperam” pelo apocalipse, são meros espectadores da volta de Cristo. Esta visão é exclusivamente moderna, mais particular ao protestantismo norte-americano moderno. Segundo os pais da Igreja, os cristãos são convidados à luta e ação, pois o desenrolar de toda a história caminha em direção ao apocalipse. A história, segundo os pais da Igreja, é um desdobramento da Divina Providência rumo à parúsia. As sete igrejas da Ásia, das epístolas de São João no livro do Apocalipse, são sete fases da vida da Igreja:

  • Igreja de Éfeso: o primeiro período da Igreja e o surgimento dos primeiros hereges, os nicolaítas.
  • Igreja de Esmirna: A perseguição aos cristãos pelo Império.
  • Igreja de Pérgamo: A fase Conciliar e as lutas contra as grandes heresias (arianismo, nestorianismo, etc).
  • Igreja da Tiatira: O florescimento de novos cristãos (Europa).
  • Igreja de Sardes: Declínio e novas perseguições (humanismo / iluminismo).
  • Igreja da Filadélfia: Último período da Igreja como instituição visível e início de grandes perseguições (nosso período atual).
  • Igreja de Laodicéia: O último e terrível período, o fim do episcopado visível e a completa indiferença.

Desta forma, a escatologia ortodoxa não é o aguardar o fim dos tempos, mas vivenciar, diariamente e ao longo da história, a chegada do apocalipse. Ao contrário da forma religiosa do humanismo anglo-saxão, que considera o fato de “aceitar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador” o o cume da vida cristã, cristãos ortodoxos são chamados à theosis, a deificação, mesmo dentro deste período de tribulação: a santidade ortodoxa, portanto, é uma batalha dentro da Igreja terrestre, militante, contra o caminhar do apocalipse. Neste aspecto, a história na visão ortodoxa não é linear, mas cíclica: por esta razão, nos ícones dos santos deificados suas vidas são representadas nas laterais do ícone, com a face deificada do santo ao centro, representando que, para o deificado, o tempo linear não existe mais: ele está além da realidade temporal e livre da natureza que, desde a queda, caminha para o apocalipse.

“… além do simbolismo, devemos ter em mente que os vários acontecimentos do mundo são chamados de ‘tipos’ para eventos posteriores. No tipo, cada evento possui um significado excepcional na exegese cristã, assim chegamos até um dos maiores mistérios dos fenômenos do mundo.”[5]

O mistério do Apocalipse, portanto, está no fato da profecia ser referente tanto ao tempo linear como em relação ao todo da batalha miguélica, travada desde a queda.

Não por acaso, as sete fases da vida da Igreja representam a totalidade: o 7 é o número da totalidade: sete dias da semana, os sete pilares da sabedoria, as sete palavras do Arcanjo Rafael, o candelabro de sete lâmpadas do tabernáculo, sete ressurreições até a vinda de Cristo etc. Assim, a totalidade do tempo é a totalidade da Nova Aliança – a Igreja,

O modelo protestante, que é uma síntese entre o pietismo religioso e a mentalidade materialista, rejeita a complexa escatologia ortodoxa e se divide, obviamente, entre o “aguardo” do apocalipse através dos sinais temporais como desastres, tragédias, guerras, doenças e degradação moral e, ao mesmo tempo, adota uma visão que permite a continuação da vida ordinária sem o elemento apocalíptico: uma certa dose de ceticismo, mascarado na humildade de “meros expectadores’. Aliás, esta é uma característica fundamental da religião moderna: ao rejeitar a cosmovisão tradicional, a religião anglo-saxã oscila entre o pietismo e o ceticismo. Quando interessante, adota o “Jesus está voltando” ao menor sinal de contrariedade; quando lhe convém, entretanto, relega o apocalipse ao tabu e segue a vida normal.

Para Beck, a abordagem direta ao apocalipse feita pelo Professor Dugin parece um plano maléfico para “preparar a vinda do anticristo através do Império Russo” ou até mesmo um “projeto revolucionário para gerar o caos e do caos fazer surgir o super-homem”. O que ocorre, na verdade, é a estulta incompreensão da visão ortodoxa sobre tempo, apocalipse e reino ortodoxo.

Em primeiro lugar, é impossível separar o apocalipse da questão do Império Ortodoxo. Se a Igreja é a Nova Aliança, e o Império é espiritual, ungido por Deus e parte do plano da economia divina, então ele deve desempenhar um papel fundamental no caminho do fim. Não se trata de defender a restauração da monarquia atualmente ou não, mas o fato é que todo cristão ortodoxo, como dogma de fé, seguindo os santos padres, deve crer no caráter escatológico do Império.

A passagem “Porque o mistério da iniqüidade já está em ação, apenas esperando o desaparecimento daquele que o detém.” (II Tessalonicenses 2,7) é interpretada como o Imperador Ortodoxo, aquele que evita a chegada do anticristo.

“É ele o ‘daquele que o retém’. Quando a autoridade do Czar cair, os povos conseguirão o auto-governo (repúblicas e democracias), então o anticristo terá espaço para trabalhar. Satã não terá problemas para levantar sua voz clamando pela apostasia a Cristo, conforme já fez na época da Revolução Francesa. Ninguém dará um poderoso ‘veto’ a ele. A menor declaração de fé não será tolerada.”[6]

O Arcebispo Abércio fala da queda do Czar restaurado, algo que é aguardado na escatologia ortodoxa, segundo as profecias de vários santos e startsi. Segundo Santo Anatólio (Potapov) de Optina, a queda do Czar Nicolau II foi a quebra do grande navio russo. Entretanto, ele será milagrosamente restaurado com o retorno do Czar, em um momento inesperado, como um grande milagre de Deus. Mas este Czar cairá e, depois dele, o anticristo será revelado.[7]

A queda do Czar Nicolau, para santos como São João de Kronstadt, Dom Teófano de Poltava e os startsi de Optina não foi uma mera queda do poder monárquico: foi um castigo pelos males da influência ocidental na Rússia e um acontecimento de importância apocalíptica. Segundo uma visão relatada a São João de Kronstadt, de um marinheiro chamado Silaev, o Czar aparecia nos céus, diante de Cristo, e recebia duas opções: um cálice com uma bebida amarga e fervente e o outro com uma bebida de aroma agradável. O da bebida quente seria ruim para ele e bom para o povo, o cálice da bebida agradável seria bom para ele e iuim para o povo. E o Czar escolheu a bebida quente. Assim, a perseguição aos ortodoxos é vista como um castigo ao povo russo, um castigo temporário que só não foi pior porque o Czar se ofereceu para aplacar a ira divina – possibilitando o ressurgimento de um novo Czar do futuro, para reter o anticristo. Em alguns ícones ortodoxos, o Czar é retratado como um “Cristo Russo”, aquele que ofereceu seu próprio sangue para salvar a Rússia.

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Na escatologia ortodoxa, portanto, a Rússia de fato possui um papel chave. Este papel não é um etnocentrismo russo, é algo concedido pelo próprio mundo ortodoxo – após a queda da primeira Roma, nas mãos do papado, e da segunda, Constantinopla, que começou sua queda no Pseudo-Concílio de Florença e terminou nas mãos dos otomanos, Moscou assumiu a liderança do mundo ortodoxo e seu Império “aquele que retém o anticristo”:

“A primeira Roma caiu pela heresia apolinária, a segunda Roma, que era Constantinopla, foi capturada pelos turcos. Assim, o Grande Império Russo, do mais piedoso Czar… é a nova Roma…”[8] – Patriarca Jeremias II de Constantinopla

Afirmar a Rússia como o epicentro da escatologia não é um sentimento russófilo. É apenas a conclusão necessária diante dos escritos dos pais da Igreja, até mesmo dos ocidentais anteriores ao cisma e à conversão da Rússia. É uma cadeia interrupta de profecias que se fecham perfeitamente na Rússia e no desenrolar das fases da Igreja, de acordo com o Apocalipse de São João.

“Restaurar o Império Russo” é colocado pelos conservadores, de forma absurda, como um plano russo para domínio do mundo – mas não é nada disso.

De fato, a sobrevivência do mundo multipolar depende disso,

Conclusão

O Professor Dugin não odeia o Ocidente. Seu projeto não é “destruir o legado Ocidental. Também não é “russificar o mundo’. O ódio da ala globalista, representada até mesmo por aqueles que, embora pareçam negar a agenda globalista, trabalham por ela (como é o caso de Glenn Bleck e Olavo de Carvalho), se dá pelo fato do Professor Dugin representar o plano alternativo ao projeto estadunidense. E seu projeto não é oferecer um projeto estadunidense na forma russa, mas sim apontar o caminho para a sobrevivência do mundo multipolar, contra o etnocentrismo anglo-saxão.

”Defendo a pluralidade de civilizações e o fim do (ocidental) padrão universal do desenvolvimento social. Oponho-me firmemente a qualquer tipo de xenofobia e nacionalismo como uma construção burguesa, artificial e essencialmente moderna.

Eu não sou comunista, nem marxista, porque me recuso a aceitar o materialismo em todas as suas formas e porque nego o progresso. Assim, é muito mais correto descrever os meus pontos de vista através da Quarta Teoria Política e do Tradicionalismo e, no nível das relações internacionais, através da Teoria do Mundo Multipolar, baseada em uma visão pluralista da arquitetura do mundo com base no princípio dos grandes espaços (Grossraum) .

Me oponho ao capitalismo como um fenômeno essencial da modernidade. Acredito fortemente que a modernidade é absolutamente incorreta e que a Sagrada Tradição é absolutamente certa. Os EUA são a manifestação de tudo o que odeio: modernidade, ocidentalização, unipolaridade, racismo, imperialismo, tecnocracia, individualismo, capitalismo. Ele é, na minha perspectiva, a sociedade do Anticristo.

Os EUA me odeiam, usam de repressão, colocam-me sob sanções (por conta das minhas ideias!), me censuram, mentem e organizam a difamação em escala mundial (Glenn Beck é apenas uma pequena parte dela): mas eu aceito tudo isso com paciência.” – [9] Alexander Dugin

O projeto globalista, desde os primeiros intentos romanistas e que atingiu seu auge no modelo anglo-saxão é o grande inimigo do Ocidente. Sua aversão ao Oriente se dá pelo fato do Oriente carregar vários elementos que lembram de como era o Ocidente, como é a verdadeira essência Ocidental, cada vez mais corrompida. E a Rússia, por ser uma das sedes que retarda o anticristo, do qual o globalismo é o maior precursor, é atualmente a fonte de ódio e difamação. Além da Rússia, outros focos de resistência ao modelo anglo-saxão, em maior ou menor grau, são focos do mesmo ódio difamatório: Venezuela, Coréia do Norte, Cuba, Bolívia e, em certos momentos, o Brasil e suas lideranças.

A questão, portanto, não é dos EUA contra a Rússia. Não é do liberalismo x esquerda. É do modelo globalista contra o modelo multipolar, dos valores etnocêntricos e racistas contra as diversas culturas do mundo. E isso não envolve apenas elementos externos como a adesão à Coca-Cola ou ao capitalismo, mas sim o que há de mais profundo nas civilizações e tradições do mundo.

 

 

[1] Messages From The Holy Mountain, Dr. Constantine Cavarnos, Cap. 6, pgs. 31,32

[2] Metropolita Anastácio, Беседы с собственным сердцем, Monastério da Santíssima Trindade, Jordanville, 1998

[3] Henry Wace, “Joannes II. Mercurius, bishop of Rome”; Ed. William Percy; 1911.

 

[4] Metropolita Vladimir de Kiev, О праве церковного отлучения, или анафематствования, ebook

[5] Lev Tikhomirov, Религиозно-философские основы истории, ebook

[6] Arcebispo Abércio (Tauchev) da Siracusa, Апокалипсис, или Откровение святого Иоанна Богослова, ebook.

[7] Orthodox Russia, 1970, no. 1

[8] em Sir Steven Runciman, The Orthodox Churches and the Secular State, Oxford

[9] http://flagelovermelho.blogspot.com.br/2016/08/alexandr-dugin-o-estado-nacional-grande.html