Introdução à Noomaquia (Lição VII) - O Logos Cristão

Agora falemos sobre o Logos Cristão. Por isso, agora faremos uma breve análise noológica do Cristianismo e da tradição cristã. Eu gostaria de dizer que isso não é dogmático. Estamos considerando o cristianismo como fenômeno cultural, social, político, estrutural, filosófico. Portanto, não defendemos nem acusamos o Cristianismo; lidando aqui, creio, em sua maioria com cristãos ortodoxos como eu, vamos tratar o Cristianismo da maneira correta, mas não insistindo muito em nossas preferências confessionais. Isso é uma espécie de análise noológica. Não discutimos a verdade ou heresia ou o que foi aceito como dogmaticamente correto ou herético. Tudo de que vamos falar será considerado do ponto de vista noológico, da análise estrutural.
Antes de tudo, quando consideramos o Cristianismo e a doutrina cristã do ponto de vista noológico, com base na geosofia e nos Três Logoi, poderíamos facilmente, desde o início, formular alguns princípios gerais a respeito do Cristianismo. Antes de tudo, o Logos do Cristianismo é claramente apolíneo. Antes de mais nada, temos a verticalidade. E o conceito de Deus Pai, o Pai Celestial, a Santíssima Trindade, e a transcendência do Criador diante da criação, tudo isso expressa uma espécie de Logos de Apolo tradicional que já conhecemos. Isso é pura organização vertical do espaço metafísico. Há o Pai Celestial (Pai, não Mãe) que está no Céu, que está na transcendência, que criou o mundo. Ele, portanto, se move de cima para baixo. A criação se desloca da eternidade ao tempo, do céu à terra, de Deus ao homem e às outras criaturas. Há uma lógica puramente apolínea nos princípios dogmáticos básicos. Todas as três pessoas da Santíssima Trindade são consideradas masculinas. Isso é muito importante. Deus Pai, Deus Filho, e Deus Espírito Santo. Todas as três são consideradas como figuras masculinas. Isso, no sentido simbólico, é muito importante. A relação entre a criatura e o criador é hierárquica. As coisas criadas devem ser submetidas ao criador. Portanto, isso é um tipo de hierarquia. E esta verticalidade é a característica básica da tradição cristã. Isso é parte fundamental da essência da tradição cristã. Ela é patriarcal.
E afirmando isso, poderíamos dizer que não foi por acaso que esta tradição se desenvolvei primeiramente no mundo indo-europeu (na Grécia, em Roma, na Europa.) O cristianismo tornou-se uma tradição normativa para a sociedade indo-europeia. Não para todos, mas para a parte ocidental da sociedade indo-europeia onde o conceito de Deus, e as principais características do Deus cristão (Pai), era mais ou menos correspondente a Zeus, a Júpiter, às divindades masculinas do tempo pré-cristão. Na consciência popular, era fácil substituir um Pai Celestial por outro. Por causa da Figura, em língua alemã a palavra Gestalt. Essa é a Figura; a imagem que não é a pessoa precisa cujas qualidades conhecemos. Gestalt é uma espécie de moldura do Pai Celestial que indicava o mesmo. Portanto, havia uma espécie de continuidade da tradição pré-cristã com a tradição cristã. Era uma continuidade baseada na estrutura, no quadro, na Gestalt, na tipologia da civilização. Portanto, isso é muito importante. Pudemos ver como gregos, latinos, alemães, celtas, eslavos aceitaram uma figura do Pai Celestial no lugar de uma outra. Foi uma espécie de transformação que não afetou a estrutura da visão de mundo dos indo-europeus. Enfatizo a importância disso. Havia uma espécie de continuidade.
Isso foi explicado na filosofia de alguns primeiros apologistas e santos cristãos, por exemplo, Justino Mártir ou Clemente de Alexandria, que diziam que havia dois ramos de tradição, (não apenas a tradição judaica antes do cristianismo). Havia também a tradição helênica. Esse era o segundo ramo da tradição. E isso também era sagrado. Mas tanto a tradição judaica quanto a tradição helênica no Cristianismo foram transformadas e iluminadas, foram transformadas em algo mais correto e mais verdadeiro, segundo Clemente de Alexandria e o filósofo Justino. Houve também, nos primeiros estágios de elaboração da doutrina cristã, o conceito de que o Cristianismo tem duas fontes, não apenas o judaísmo, mas também uma fonte helênica (portanto, uma fonte indo-europeia). Isso se refletiu sobretudo no platonismo cristão. O platonismo cristão surgiu primeiro com os próprios apóstolos. Porque o Evangelho de João; "No princípio era a Palavra". No início era o Logos e o Logos não é apenas a palavra, tal como traduzimos. O LOGOS não é apenas a palavra. Ele é intelecto. É Nous em certo aspecto. É um conceito muito complicado da filosofia grega. O fato de conhecermos os Evangelhos somente em grego, de modo que eles talvez tenham sido escritos em grego e não traduzidos do aramaico, porque o grego era o koiné helenístico, a língua que foi distribuída no mundo mediterrâneo porque o Cristianismo nasceu no helenismo, no contexto helenístico. O platonismo não começa com a tradição exegética. Ele começa com os próprios apóstolos. Muitos aspectos das tradições cristãs desde o início foram baseados em alguns conceitos gregos porque em aramaico e hebraico, não há palavra equivalente a Logos, mas este é o início de nossa doutrina cristã. "No princípio era o Logos". E não conhecemos a palavra semítica aramaica usada para tal conceito. Assim, com o início do Cristianismo, a teologia cristã foi o Logos e a filosofia grega. Isso foi desenvolvido mais tarde pelo filósofo Justino, Clemente de Alexandria, e basicamente na Escola de Alexandria, com o grande Orígenes, que era um platonista. Foi criado todo o edifício da teologia cristã, com a Santíssima Trindade, a transcendência do Criador e assim por diante. Tudo foi baseado no platonismo, nos ensinamentos de Platão. Dizem que Orígenes era aluno e discípulo de Amônio Sacas. Alexandria era helenista. Ela era egípcia no sentido tradicional. Aquela era uma cidade grega helenística. E havia Amônio Sacas, que foi o primeiro professor de neoplatonismo da chamada Quinta Academia. Ele foi o pai fundador da tradição neoplatônica e Orígenes foi seu aluno. Assim havia uma pura afiliação e continuidade platônica.
Já falamos sobre as relações entre o Logos de Apolo e a doutrina de Platão. Eles são quase a mesma coisa. O platonismo é a melhor e mais realizada, excelente, e perfeita expressão do Logos de Apolo. A elaboração da dogmática cristã reflete esta continuidade cultural da tradição pré-cristã e o apolinismo estava no centro dela. Mas observamos também, em alguns dogmas cristãos, características dionisíacas. Por exemplo, vemos a lógica clara, a pura lógica celestial de Apolo em alguns aspectos, mas ao tratar da cristologia estamos lidando com um conceito dionisíaco. Cristo é o homem e o Deus. Portanto, temos algo dionisíaco, algo dialético. Há duas naturezas e uma pessoa em Cristo. Na Santíssima Trindade, há unidade e trindade, assim como uma espécie de dinâmica divina interna nisso. E as relações da criatura e do Criador são algo dialético. As relações entre eles não são apenas a causa e o efeito. Elas estão entrelaçadas. O Deus está presente dentro da criação e a encarnação do Cristo é o momento mais importante da história da criação segundo a doutrina cristã, e esse é o elemento dionisíaco que está embutido no ensinamento dogmático cristão. Como Dioniso, Cristo morre, ressuscita, desce ao inferno para libertar os ancestrais. Ele desce e sobe e há ascensão nos feriados cristãos e nos momentos santos, então Ele ressuscita da morte e continua para o Céu depois disso, depois de permanecer 40 dias com os apóstolos. Portanto, existe um ciclo dionisíaco puro. Ele desce do céu para a terra. Ele morre e vem para o centro do Inferno. Ele destrói e vence o Inferno. E depois de libertar as almas santas dos ancestrais e todos irem para a ressurreição geral comum com Cristo, na Páscoa, neste momento de ascensão, Cristo volta ao Céu, sendo o Filho de Deus e governando no Céu. Portanto, quaisquer aspectos desta narrativa cristã são puramente dionisíacos em relação a Cristo e puramente apolíneos em relação à estrutura básica do mundo em que todos estes eventos são colocados.
Mas que tipo de lógica dionisíaca temos diante de nós? Já dissemos que na tradição indo-europeia, o ponto de Dioniso não está exatamente no centro entre o Logos de Apolo e o Logos de Cibele. Ele é um pouco mais alto do que esta linha divisória. É a leitura apolínea da figura de Dioniso e na figura de Cristo isso é absolutamente transparente, totalmente claro. Então todos os aspectos ctônicos, todos os aspectos negativos, noturnos ou dialéticos estão ausentes na figura de Cristo. Assim ele é Dioniso purificado, Dioniso apolíneo. Ele é puro, imaculado. Ele é sem pecado. E vindo ao centro do Inferno para conquistar o Inferno e Seu poder, Ele ainda continua Deus e absolutamente puro. Estamos lidando com as duas figuras normativas da clássica estrutura indo-europeia. Trata-se da religião indo-europeia com a teologia indo-europeia, com a pura vitória do Patriarcado sobre o Logos de Cibele. Não há sinal de Logos de Cibele neste conceito. E a Virgem Santa, a Mãe de Deus, é representada como Deméter muito mais do que uma figura puramente terrena. É a purificação completa da natureza feminina. Ela é considerada como a chefe dos anjos. É a pureza e virgindade da Santa Mãe porque ela não conheceu o marido da maneira normal, e ela era noiva do Espírito Santo, de Deus. Portanto, a veneração da Santa Mãe é puramente indo-europeia. É o conceito da virgem, a virgem celestial e não há nada de ctônico nesta imagem.
Assim, todas as principais figuras do Cristianismo são apolíneas e dionisíacas na leitura apolínea de Dioniso. Todos estes elementos estavam presentes antes do Cristianismo, e não na tradição semítica. Eles eram o conceito básico do mundo helenístico que se baseava nesta aliança entre Logos de Apolo e Logos de Dioniso. E, na periferia, havia alguns aspectos ctônicos no helenismo, não dominantes, mas estavam presentes como traços da cultura da Grande Mãe. Mas no Cristianismo não existiam tais coisas. Essa era a fórmula pura, a versão pura do Logos indo-europeu, restaurada para colocar em seu brilho, em absoluta afirmação. E é por isso que o Cristianismo se tornou a tradição do Ocidente europeu. Em nossas culturas, nosso povo aceitou o Cristianismo porque já era cristão antes do Cristo. Portanto, eles estavam preparados para esta revelação que era nova, que era algo completamente diferente do passado, mas havia uma clara continuidade estrutural. O horizonte existencial da sociedade indo-europeia era igual, estava preparado e pronto para receber a Boa Nova. Portanto, isso é muito importante. Em outras civilizações, é quase impossível explicar o que é o Cristo. Ele é uma figura universal, mas universal no contexto deste Logos apolíneo. Se o Logos apolíneo e dionisíaco está presente em outras civilizações, eles poderiam entender o Cristianismo, mas nem sempre é o caso e precisamos fazer um trabalho sério para preparar outras culturas, outros horizontes existenciais para o Cristianismo. E, no horizonte existencial helenístico, tudo estava pronto para receber o Cristianismo. Isso é muito importante.
Mas, ao mesmo tempo, vemos no Cristianismo inicial, dois centros muito contraditórios de elaboração da doutrina cristã. Há a Escola Alexandrina e a Escola Antioquina. Normalmente eles dizem que todos concordam sobre a qualidade filosófica e metafísica da Escola de Alexandria fundada pelo Santo Apóstolo Marcos e desenvolvida por Clemente de Alexandria e Orígenes. A tradição do origenismo chegou depois aos Capadócios; até São Basílio o Grande, São Gregório, e outros. E esse foi o dogma aceito nos três primeiros Concílios Ecumênicos. Esse foi um tipo de vitória da Escola de Alexandria. E o eixo conceitual dela era o neoplatonismo, de forma diferente. O ponto mais alto do neoplatonismo cristão é Dionísio, o Areopagita, e suas obras. Isso é puro platonismo cristão; a criação de nove ordens de anjos sobrenaturais, poderes e todos os mistérios cristãos foram explicados neste simbolismo platônico. Portanto, há uma clara tradição alexandrina e esta é uma parte do ensinamento cristão.
Temos a Escola Antioquina que gerou muitas heresias (como Ário, Nestório e as outras) que se opunham à Escola Alexandrina. E é possível dizer que se tratava de uma espécie de espírito semítico orientado contra o espírito grego ou indo-europeu. A tradição alexandrina estava baseada na leitura simbólico-alegórica do Antigo e Novo Testamento e isso é normal para o platonismo. O ensino de Platão considera tudo o que existia como símbolo das ideias. Portanto, tudo deve ser lido como um texto simbólico. Cada coisa, cada evento, cada pessoa deve ser considerada como um ícone, como uma imagem do paradigma. (Daí a leitura simbólico-alegórica da Escola Alexandrina de qualquer texto sagrado). Isso é completamente normal. E dizem que, no caso da Escola Antioquina, havia uma abordagem diferente; literal. E dizem que ela é semítica porque ela não era tanto grega com o platonismo, mas que era historicista. E isso, às vezes, é chamado de leitura judaico-cristã do Cristianismo. E poderíamos dizer que a Escola Alexandrina é a leitura indo-europeia ou leitura grega (helenística) do Cristianismo. Eu pensava o mesmo antes de ter começado a estudá-la mais de perto. Como a Escola Antioquina estava situada na Síria, Antioquia, onde havia uma forte concentração de populaçoes semitas, era considerada semítica. Mas começando a estudar a Escola Antioquina e o fenômeno judaico-cristão que se opunha à Escola Alexandrina, e depois de escrever o livro sobre O Logos Semítico (tenho um volume da Noomaquia dedicado ao Logos Semítico, o Logos dos Semitas), descobri que isso não é assim.
O Logos Semítico é bem diferente. Ele é baseado em uma espécie de titanismo de Baal na tradição pré-judaica. Havia uma versão muito patriarcal da tradição semítica oriental acadiana e assíria na Babilônia que era semelhante à tradição hitita ou, mais tarde, à tradição iraniana. E havia a tradição judaica que era de alguma forma antissemita porque o Logos judaico (pelo judaísmo tradicional) era contra todas as pessoas que viviam em Canaã (principalmente os semitas) com o culto de Baal, a divindade titânica que exigia sacrifícios sangrentos das crianças. E o judaísmo era absolutamente contrário a ele, mas não afirmava algo especial. Era uma espécie de contraidentidade. Assim, a tradição mais antissemita era historicamente a tradição judaica, porque era oposta a qualquer horizonte cultural semítico de Canaã. Ela era anti-Canaã em todo sentido. Assim, os judeus culpavam todas as pessoas que viviam ao seu redor porque eram partidários do culto de Ba'al. E eles opunham a eles, no estágio inicial da tradição judaica, algo muito especial. Poderíamos chamar isso de "velho Deus" porque o Baal era considerado pela maioria dos semitas como "novo Deus", uma espécie de Deus menor que não recebeu a herança e iniciou uma revolta contra o "velho Deus", portanto, as tradições majoritariamente semíticas, as tradições semíticas ocidentais, estavam do lado do novo Deus Baal, com algumas características dionisíacas titânicas. Esse era o duplo negro de Dioniso (já falamos sobre isso). E a tradição judaica era contra este novo Deus, contra Baal, em favor do velho Deus que foi destronado por Baal. Mas isso não tinha nada a ver com o Cristianismo, nem Baal, nem o velho Deus. Portanto, o Cristianismo era completamente diferente.
Na Escola Antioquiana, encontrei não este drama intersemita dos semitas ocidentais (assírios, arameus [não judeus] e tradição judaica), mas algo completamente diferente. Descobri lá, o iranismo em forma pura. Essa era a tradição iranista. E se considerarmos o judaísmo tardio, o judaísmo depois do cativeiro babilônico (o chamado judaísmo do Segundo Templo), poderíamos facilmente identificar nele tópicos iranianos. Era uma espécie de tradição judaica original transformada no contexto iraniano zoroastriano. Daí o conceito de Messias que estava ausente no judaísmo primitivo, a história, a salvação e a ressurreição. Tudo isso aparece durante o cativeiro babilônico, na etapa final, no judaísmo do segundo templo. Assim, o judaísmo tardio era a forma iranizada e não tão semita, no sentido judeu (originalmente judaico) ou não judeu (outros povos semitas). Isso é muito importante. E a tradição antioquita era muito mais dualista e iranista também (não iraniana, mas iranista) porque os semitas, depois do Império Aquemênida, viviam, inclusive durante a época helenística, sob grande influência do Logos iraniano. E este dualismo (no maniqueísmo, mais tarde) tinha todo tipo de tendências messiânicas, muito parecidas com o Cristianismo. Esse foi o resultado lógico do conceito da guerra da luz e do aparecimento, no final dos tempos, da figura do último rei e do salvador. Tudo isso é, aos nossos olhos, completamente cristão ou judeu (no judaísmo tardio), mas somente na tradição iraniana é que se obtém o verdadeiro significado metafísico e estrutural. Toda metafísica iraniana explica o porquê (por causa da história, por causa da guerra entre a luz e as trevas.) Assim, a tradição antioquina era uma escola iranista.
Temos no Cristianismo, uma espécie de mundo entre o advaita grego, o platonismo não dualista (no caso da Escola de Alexandria que poderíamos chamar essencialmente de grega e platônica) e temos no iranismo uma versão histórica, dualista, não tanto simbólica, mas histórica no sentido do messianismo. Mas o messianismo não é judaico. O messianismo é iraniano (metafisicamente iraniano). Portanto, temos uma espécie de discussão ou debate sobre o novo estágio entre dois Logoi, ambos indo-europeus, ambos verticais, ambos patriarcais, mas com edições diferentes. Portanto, este não era o diálogo entre o judaísmo e o helenismo. Esse era o diálogo entre o helenismo, com a herança grega, e o iranismo, com a herança iraniana. Tudo isso era também parte do Cristianismo. No Cristianismo, na doutrina cristã, temos dois polos. Poderíamos ser mais platônicos ou mais iranianos e messiânicos. E o judaico-cristianismo não era espírito judaico. Era o espírito iraniano. O judaico-cristianismo é a versão iranista da leitura do Cristianismo.
Isso define toda a história dos concílios dogmáticos cristãos. Dos primeiros sete concílios, os três primeiros foram vitórias da Escola de Alexandria sobre a Escola de Antioquia; sobre Ário no primeiro concílio, sobre Nestório depois disso, e derrota da tradição antioquina que estava muito mais inclinada para uma hermenêutica dualista. É por isso que Cristo não era considerado como Deus. Ele era considerado como santo, como profeta, como o último salvador, mas não Deus, porque havia uma espécie de diferença, de oposição entre o mundo material e o mundo espiritual. Há dualismo, nestorianismo e arianismo desenvolvidos na Escola Antioquina, e monismo espiritual desenvolvido na Escola Alexandrina. Ambos tinham versões heréticas que estavam fora da ortodoxia dogmática cristã. A Escola Antioquina gerou Ário e Nestório, considerados hereges. Também, a radicalidade do platonismo de Alexandria levou ao outro extremo; a heresia monofisita representada pelos discípulos de Cirilo de Alexandria, Eutíquio, e os outros. Portanto, a heresia monofisita era uma espécie de platonismo puramente excessivo (hermenêutica helenista), e o iranismo excessivo (versão nestoriana). Eram extremidades heréticas do legítimo ponto de vista ortodoxo. As outras partes da Escola de Alexandria com os capadócios (Basílio o Grande, São Gregório e os outros professores capadócios), e a outra parte da Escola de Antioquia (São João Crisóstomo que era representante da Escola de Antioquia) eram consideradas absolutamente ortodoxas. Portanto, havia versões heréticas e havia versões completamente ortodoxas de ambas.
E quando eles dizem que durante o período de Justiniano o platonismo e o origenismo foram culpados (esse é o fato) e considerados heresia, isso diz respeito apenas às partes radicais deste platonismo. Por exemplo, não se tratava dos ensinamentos de São Basílio o Grande ou de Dionísio o Areopagita, que foram aceitos como autoridades ortodoxas. Ou, por exemplo, a excomunhão de Nestório não afetou João Crisóstomo, considerado a figura mais ortodoxa da Igreja Ortodoxa, mas ele era representativo desta versão histórica (não simbólica) iraniana, iranística da doutrina cristã.
Os três primeiros concílios foram vitórias da Escola de Alexandria e os três segundos foram uma espécie de vingança da Escola de Antioquia. Após o fim da Escola de Antioquia pura, a Escola de Antioquia foi destruída e derrotada, mas a tendência de moderar esta versão neoplatônica alexandrina ainda existia. E os três seguintes (o 4º, 5º e 6º conselhos ecumênicos) foram uma espécie de vitória do espírito antioquiano porque pela moderação das pretensões da maioria dos representantes radicais da Escola de Alexandria. Surgiu uma espécie de equilíbrio, quase como uma vitória do helenismo (mas desta vez do helenismo cristão) onde as duas formas de helenismo iraniano e helenístico, histórico e não dualista, simbólico, todos estavam unidos no contexto do dogma ortodoxo. E o sétimo Conselho Ecumênico não foi tão importante no que diz respeito à metafísica. Tratava-se da iconoclastia. (Que também tinha relações com isso, mas não tão diretamente).
Assim, temos no Cristianismo, uma continuação do horizonte existencial helenístico mediterrâneo com dois polos (o iranista e o grego.) E essa era uma espécie de nova forma ou nova ideologia do horizonte indo-europeu tradicional. Poderíamos dizer que havia uma diferença em relação à mulher no Cristianismo. Vemos duas abordagens, bem como muito próprias da sociedade indo-europeia. De um lado, há uma espécie de "aniliginia", que é como estou chamando. Há o reconhecimento da plena dignidade da mulher e uma espécie de igualdade espiritual entre o homem e a mulher em Cristo. Há o ditado de São Paulo que "não há homem, não há mulher, mas apenas Cristo". Portanto, este é um reconhecimento da dignidade da alma da mulher que é igual à alma do homem. Este é um tipo de parceria, amizade, amizade tradicional turaniana entre a guerreira feminina e o guerreiro masculino na defesa da identidade. Ou seja, guerreiras femininas e guerreiros masculinos como guerreiros de Cristo. Isto é a igualdade espiritual das almas. Ao mesmo tempo, havia a segunda relação entre homem e mulher que era um reflexo desse avanço da sociedade nômade indo-europeia sobre a matriarcal, onde havia uma espécie de submissão da mulher ao homem. Isso era refletido nos outros ditos de São Paulo, quando, por exemplo, as mulheres não podem ensinar na igreja, as mulheres devem ser submetidas ao marido, e outras. Isto é hierarquia e igualdade, ambas versões dos arquétipos de gênero tradicionalmente para a sociedade indo-europeia em suas relações históricas com a sociedade matriarcal. Há uma espécie de submissão hierárquica e, no outro nível, uma espécie de amizade e igualdade e dignidade espiritual. Essa é uma boa solução, uma solução mais orgânica e natural para a sociedade histórica concreta com a qual estamos lidando (não com o abstrato). Em nossa tradição, como esses horizontes, espaços espirituais e culturais e civilizações foram criados durante seu desenvolvimento histórico e existencial que foi a melhor solução que satisfez tanto as exigências de igualdade como a hierarquia de uma forma muito concreta. Isso se refletia na tradição cristã. Isso não foi casual. Como o platonismo era um reflexo ou expressão deste Logos de Apolo, a tradição cristã era um excelente e perfeito reflexo deste estilo apolíneo-dionisíaco de civilização. Esta é a razão pela qual nós somos cristãos. Não éramos obrigados a ser cristãos. Aceitamos isso como algo que já vislumbrávamos antes. Então era como uma espécie de recordaço de nossa identidade. Essa é a identidade da tradição cristã que foi reconhecida pelo povo do Mediterrâneo, no contexto helenístico, porque essa era a continuação das mesmas relações da melhor maneira possível.
Ao mesmo tempo, vemos continuidade no império porque o cristianismo foi aceito como religião e ideologia do império com Constantino o Grande. Foi desenvolvido um conceito muito importante que desta vez é iraniano por sua origem; o conceito de katehon (nome grego para "aquele que sustenta"). Katehon é particípio da palavra grega κάτω έχουν. κάτω é sob, έχουν é ter). Esta figura aparece na segunda carta epistolar de São Paulo aos Tessalonicenses, onde há uma frase concreta; "o filho da perdição, o Anticristo, não virá até que o sustentador, o katehon, (aquele que sustenta, que guarda) seja retirado do caminho". Essa era uma frase enigmática. Portanto, há uma figura que resiste à vinda do Anticristo. Porque existe uma visão histórica do Cristianismo, uma visão messiânica do Cristianismo, e que reflete não a versão platônica da eternidade do mundo, mas a dialética da história que é iraniana. Aparece uma figura que luta contra o Anticristo e essa figura é uma figura chave na sequência histórica iraniana, o Logos Iraniano. Ele é representado pelo imperador sagrado na tradição iraniana. No Irã, existe o Reino Iraniano e o Rei sagrado deste Reino é aquele que luta contra as forças das trevas e não as deixa invadir o mundo. Essa é uma figura puramente iraniana que não existia na concepção helênica. Na ideia grega, não existia tal figura. Mas na ideologia romana, no Império Romano aparece algo assim, não tão claramente definido, sob influência iraniana, porque o iranismo era a parte do helenismo e o helenismo era a cultura principal do Império Romano. Este era um império latino. O importante é que esta figura mencionada na 2ª carta de São Paulo aos Tessalonicenses foi identificada claramente por São João Crisóstomo (também muito importante porque ele era representante do ramo iraniano da teologia cristã, da Escola de Antioquia), mas é claro que antes dele também, foi identificada como a figura do Imperador Romano.
Portanto, o katehon era o Imperador Romano, o Rei do Império. E havia a teologia do império ligada à escatologia - o fim dos tempos, a ressurreição, e a apostasia final. Toda a visão histórica cíclica da Igreja Cristã se baseava nesta figura (sobretudo em Bizâncio, mas não apenas em Bizâncio). No Império Bizantino essa era a ideologia dogmática dos bizantinos. No espaço existencial bizantino, na cultura bizantina, o katehon era o Imperador mas Imperador cristão. Ele era considerado uma espécie de Bispo da Igreja. Portanto, ele era a figura chave do Rei sagrado que luta contra a vinda do Anticristo. E ele estava ao lado do Patriarca. Eles operavam uma espécie de sinfonia (o termo é de tradição ortodoxa cristã), uma sinfonia dos poderes. A sinfonia dos poderes era baseada na aliança entre o Patriarca (o representante da autoridade espiritual) e o Imperador (não um rei normal, nem knyaz, nem príncipe.) O Imperador não era apenas um governante secular. O Imperador era a figura sagrada do katehon. Ele estava ligado ao ciclo histórico onde existe um império com o imperador como cabeça. Não existe um Anticristo. Estamos vivendo no mundo de Cristo. Assim, o Império obtém com o imperador uma nova dimensão. Não se trata apenas de uma organização política. É a organização sagrada que é cristã, apolínea, dionisíaca (ao mesmo tempo), versão de organização da realidade política como realidade cósmica. Porque o Anticristo, o filho da perdição (como em São Paulo), não é apenas uma pessoa histórica. É a manifestação da escuridão. É a manifestação da forma cósmica, política, histórica, metafísica. E o dualismo não é Cristo contra o Anticristo. Isso é completamente artificial. Não era este o caso. Cristo é Deus e foi considerado um Deus. Ele não podia ser colocado no mesmo nível que o Anticristo. Mas o Imperador era a figura que era simétrica ao Anticristo. O Imperador Cristão era o obstáculo e a resistência e era uma figura simbólica que unia o mundo cristão e lhe dava seu eixo vertical. Essa era uma figura muito importante, continuando a mesma tradição pré-cristã.
Mas na situação cristã; império, igreja, teologia, patriarcado, tradição dogmática, ortodoxia, tudo isso forma a ideologia cristã ortodoxa como uma nova forma de todos os elementos que existiam antes do Cristianismo. Isso é muito importante. Se juntarmos todos esses elementos de verticalidade, da natureza dionisíaca de Cristo, do messianismo histórico do Irã, e a figura do Imperador sagrado, temos em tudo isso um ensino completo que reflete não um novo ensinamento do Cristianismo, mas reflete o momento eterno da Noomaquia da sociedade indo-europeia. Nessa época havia a figura de Satanás que representava as forças ctônicas ou a Prostituta da Babilônia, a mulher babilônica vermelha (Babel) que é a Grande Mãe nesse contexto. Essa é a figura de Cibele (babilônica, que era um pouco próxima da Anatólia). Simbolicamente, nós tínhamos todos esses Logoi no contexto cristão. Há a Mulher Escarlate (a grande Babel, a prostituta babilônica) que era uma espécie de figura do Logos de Cibele. Há Satanás ou ao Anticristo como uma representação de Satanás como "Titã". Em alguns textos cristãos, ambos eram usados, "Titã" ou "Satanás", foram considerados muito próximos. Portanto, esta é uma espécie de serpente, dragão que é consorte da Grande Mãe (tradicional). Então eles tentam derrubar o Império Cristão que está sob o poder da figura espiritual do Patriarca ou Bispo e do sagrado Rei Imperador. Era essa a reorganização do espaço existencial indo-europeu no tempo cristão.
Portanto, temos uma nova ideologia (ideologia cristã), uma nova religião (religião cristã), e temos uma tradição muito antiga que se refletia nisso. Portanto, o Cristianismo estava baseado na vitória sobre Satanás. Satanás foi acorrentado por um tempo e colocado sob o controle do Império. A figura do Tsarato, Reino, a figura do Tsar e do Rei sagrado era uma espécie de selo, uma espécie de sigilo (печат) sobre esta vitória da Igreja Cristã sobre Satanás e o mundo cibelino. A situação era selada com o Rei. Portanto, o Rei era um selo. Se nós colocarmos o selo, tudo é destruído e há uma espécie de explosão porque este Reino Cristão, a civilização cristã, a sociedade cristã foi construída sobre a prisão de Satanás, sobre os ombros do poder ctônico, controlado e domesticado e submetido pelo Logos de Apolo, acorrentado no Inferno, mas sempre vivo. E quando o Rei ou o Imperador ficar muito fraco (o tema do conto clássico iraniano), ele não poderá resistir ao aparecimento do Anticristo, o Anticristo aparecerá e Satanás se libertará (liberalismo) do Inferno para vir à sociedade humana. E isso seria uma explosão do subsolo ou uma espécie de retorno de Cibele com o dragão como mulher escarlate, como Prostituta da Babilônia com a serpente que deveria destruir o Reino, destruir a Igreja e criar uma civilização completamente nova que pertence a outro nível existencial.
Tudo isso era e é a visão de mundo normal da Ortodoxia cristã. Ela foi preservada muito mais na Igreja Oriental. Na tradição bizantina, na Ortodoxia, essa ainda é a normalidade. Portanto, se viermos ao Monte Atos e falarmos com os monges (para o homem é possível vir ao Monte Atos, para as mulheres não) poderíamos encontrar pessoas com a mesma consciência. Eles vão repetir exatamente o que eu disse hoje e que é uma visão normativa do mundo da Ortodoxia; o significado do katehon, o significado do sagrado Império Romano, o conceito da Igreja e de Deus e a dignidade do homem, uma luta contra o mal, contra Satanás, contra os demônios. O que normalmente os monges do Monte Atos fazem ali é lutar. Eles estão lutando contra demônios dia e noite. Eles estão em luta. E isso é concreto. E se estivermos lendo Paisios do Monte Atos, vemos que a luta obtém dimensões físicas também. É uma luta física, uma luta contra os poderes das trevas. Ela ainda continua no Monte Atos. Continua na política (veremos isso mais tarde). Mas é importante que tenhamos uma visão completa do mundo com todos os aspectos das leis normativas e das relações entre o homem e a natureza, leis políticas, leis sociais, baseadas no ensinamento cristão. Portanto, o ensinamento cristão não é apenas Igreja, não é apenas culto e adoração. É uma visão do mundo. Ela inclui ideias políticas normativas. Ela inclui uma espécie de monarquismo, internamente, de forma embutida. Normalmente não se pode ser democrata e cristão. É necessário, de alguma forma, reconhecer a validade do ensinamento do katehon. Não se trata de uma preferência ou opinião política que se poderia formar com base em sua própria posição. É o ponto de vista ortodoxo. E ele, de alguma maneira, é obrigatório. Essa é a raiz indo-europeia do Cristianismo. Além disso, temos algumas normas, algumas relações sociais, relações de gênero, relações familiares que são normativas e cristãs e que refletem esta visão completa do mundo. Portanto, o Cristianismo é muito mais do que culto, adoração e Igreja. Ou seja, poderíamos dizer, que é também ideologia, ou visão de mundo indo-europeia, de forma nova e atual, que dura até hoje. Quando temos Igreja Cristã com sacerdotes tradicionais normais e homens paroquiais normais, temos o mesmo ainda hoje. Hoje, na Rússia, no Monte Atos, na Sérvia, na Bulgária, na Macedônia, na Romênia, na Ucrânia, na Grécia onde existe a Ortodoxia tradicional, temos a mesma visão, cultura e civilização.
Este foi também o caso da Igreja Latina, mas com muito mais ênfase no poder da autoridade espiritual sobre o Imperador. Mas houve, depois de Carlos o Grande, também (aos nossos olhos), usurpação da identidade ou do status do sagrado Imperador. E essa foi a divisão na tradição católica entre Imperador e Papa de Roma. Mas a tendência dominante no catolicismo era muito mais oposição entre os dois reinos, tal como formulada em Santo Agostinho que era maniqueu. A ideia de que o Papa de Roma representa o espiritual é também vertical (mas mais uma vez indo-europeu, tudo é indo-europeu). A verticalidade era representada por Roma e os reis não eram sagrados. Essa era a ideia de que o Papa sagrado romano deveria governar sobre reis puramente seculares. Mas com a instituição usurpada (aos nossos olhos), por Carlos o Grande, isso ocorria também com a figura do Imperador. Isso se refletia na tradição guibelina (a luta dos guelfos contra guibelinos na história ocidental). Portanto, havia também uma espécie de katehon para eles. E esta tradição cristã ocidental catecôntica durou até os Habsburgos, até o Império Austríaco. Assim, os imperadores dos Habsburgos eram considerados como continuadores desta função catecôntica. Portanto, este era o Império Austríaco na versão católica.
Nós não reconhecemos o status de Carlos, o Grande. Tivemos na época a Imperatriz Irene. E essa foi uma movimentação antifeminista dos católicos. Eles consideravam que uma mulher não poderia governar um Império sagrado e por isso se apropriaram do título de Imperador no caso de Carlos o Grande (Carlos Magno). Mas, ao mesmo tempo, não falamos sobre quem estava certo. Estamos falando de como isso funcionou estruturalmente. E esse conceito deste sagrado Imperador foi certificado desde o início do século IX na tradição imperial dos reis francos. E depois disso os Habsburgos e o Império Austríaco foram o último momento desta tradição catecôntica ocidental. Esse foi o tipo de linha do Imperador. Ela não foi tanto aceita pelos Papas de Roma, mas o que é interessante é que foi reconhecida pelos católicos e também pelos guelfos (sem tal interpretação como no caso dos guibelinos). Os guelfos (os partidários do poder absoluto do Papa de Roma sobre os reis seculares da Europa Ocidental), em sua tradição, reconheceram o status do Imperador como uma figura catecôntica (não tão claramente, mas reconheceram). Por isso, foi interessante que a Igreja Ocidental também o reconhecesse.
Assim, tivemos duas versões das civilizações cristãs: uma tradição oriental que está mais próxima da versão original, com todas as proporções conservadas até o momento. Essa era uma espécie de tradição ininterrupta dessa herança indo-europeia vinda do helenismo ao cristianismo, como já expliquei, e fixada na forma de sete Concílios Ecumênicos. E havia mais, eu diria, uma tradição cristã ocidental contraditória, mas com os mesmos contornos. E o catolicismo conservou isso quase até o Concílio Vaticano II. Depois disso, começou uma espécie de colapso do cristianismo ocidental. No entanto, houve uma espécie de continuação da tradição. Assim, o catolicismo e o Império Austríaco foram duas forças deste conservadorismo cristão, desta tradição da Idade Média da Europa Ocidental.
O colapso veio com o protestantismo. O protestantismo era a terceira forma. Isso dizia respeito apenas ao cristianismo ocidental. Para pensar no protestantismo, este terceiro ramo do Cristianismo, precisamos nos colocar não com o contexto dos ortodoxos contra os católicos, mas católicos contra algo mais (portanto, tiremos os ortodoxos de cena. Eles não participaram de nada nesse conflito). É interessante que na origem do protestantismo, pudemos encontrar ideias muito corretas. Em primeiro lugar, há a ideia de que a Igreja romana está corrompida e usurpou as relações entre o homem e Cristo. Isso se refletia no conceito do que é a Igreja no catolicismo. Para os católicos, a Igreja é a comunidade dos padres. E o que são os outros cristãos? São semicristãos, quase cristãos. Eles eram uma espécie de círculo externo em torno da Igreja e não dentro da Igreja. Isso é muito importante. Para nós, isso é estranho porque a compreensão dogmática ortodoxa do que é Igreja é que ela é a comunidade de todos os batizados. Portanto, não só sacerdotes, mas também qualquer cristão. A Igreja é a comunidade dos batizados cristãos, não apenas dos sacerdotes. A tradição católica era bem diferente. Havia um tipo de hierarquia, mas num sentido espiritual. Havia uma hierarquia que interrompia as relações diretas entre o homem, o cristão comum com Deus que deveria passar pelos padres e pelo Papa de Roma. Era uma espécie de obstáculo intermediário. Talvez isso fosse necessário, talvez não. Não estamos tratando como sendo algo bom ou ruim. Tentamos entendê-lo ou descrevê-lo estruturalmente. No entanto, houve uma espécie de interrupção entre as relações do homem e Deus.
Os primeiros protestantes e, sobretudo, os místicos alemães (Meister Eckhart, Heinrich Seuse e, em menor escala, Albertus Magnus) afirmaram que deveria haver uma relação interior entre o coração do homem e o Cristo. Não deveria passar por relações exteriores. Para nós não há problema porque na tradição ortodoxa reconhecemos ambos. Reconhecemos completamente a autoridade da Igreja e completamente esta relação direta porque temos outro conceito da Igreja. Para nós, o problema não poderia existir porque não podíamos entender isso. Em nossa situação, não há divisão. Há ambos. Temos os dois caminhos - interno e externo. Mas, para a tradição cristã ocidental, havia um problema aí. E os primeiros místicos protoprotestantes disseram: "bom, aceitemos a forma exterior, mas procedamos de uma forma interior". E eles eram platônicos porque diziam que temos relações diretas com Deus e Deus podia falar dentro de nós e essa é a nossa dimensão interior. Portanto, eles eram puramente cristãos. Em nossa situação, eles estavam de alguma forma mais próximos dos ortodoxos. Havia excessos, também, de platonismo. Por exemplo, Meister Eckhart disse que há algo além da Trindade, a unidade além da Trindade. Isso não é muito ortodoxo. Mas mesmo assim a ideia principal era essa. Este conceito radical de sujeito, o conceito do eu interior que está vivendo no coração, e o "Cristo interior" como eles o chamavam estava na origem do protestantismo (em Wycliffe, nos hussitas tchecos, nos místicos alemães). Portanto, isso foi legítimo até certo ponto.
Mas quando tentaram opor este ensinamento com Lutero e Calvino à tradição católica, perderam a própria tradição. Eles perderam ícones, monges, mosteiros e a Igreja como tal. Tentando limpar o acesso direto do homem a Deus, eles destruíram a sacralidade. E tomaram o que poderíamos chamar de sujeito radical (o eu interior que vive dentro de nossa alma) e o substituíram por uma individualidade normal, por individualidade profana. Assim, isso foi uma espécie de individualismo religioso, no lugar desta dimensão mística. Porque quando o protestantismo começou a se expandir, ele apelou para as massas que não podiam ter esta experiência interior especial. E isso era uma perversão completa. Isso foi a destruição do Cristianismo. Porque do ponto de partida legítimo do protestantismo primitivo ou talvez do misticismo pré-protestante de Wycliffe ou dos platonistas europeus, e isso foi a destruição da sociedade católica tradicional, puro titanismo.
Há um eu interior que é divino. Mas se não afirmamos esta interioridade radical, onde no centro de nosso coração vive Cristo, e nos deslocamos para o aspecto exterior em vez do sujeito real (sujeito radical), estamos recebendo um sujeito positivo. Este não é o terceiro homem na linguagem mística de Johannes Tauler. Ele disse que há três homens em cada um de nós. Há o homem como besta (que é exterior), o homem racional (segundo homem), e há um misterioso homem secreto escondido dentro de nós (que é o sujeito radical) e é ele quem tem relações com Deus. É o homem misterioso (terceiro homem) dentro de nós, dentro do interior. Não é apenas dentro do corpo, mas dentro da alma. É o ponto misterioso que está escondido em nossa mente. Este terceiro homem e o segundo homem (homem racional) não são o mesmo. Eles estão em oposição. E os primeiros místicos defenderam este terceiro homem (homem misterioso e secreto). E o protestantismo histórico fez uma mudança do terceiro homem para o segundo homem. Eles afirmaram a dignidade de algo que não deveria ter tal dignidade porque não há possível relação direta entre o segundo homem (homem racional, sujeito positivo) e Deus. Ele deveria ter sempre algum intermediário. A relação direta é impossível. E a pretensão de ter tal relação é puramente titânica.
Então há uma transformação do Logos nisso. No protestantismo primitivo, havia uma espécie de reivindicação legítima de ter relações entre o terceiro homem (homem escondido dentro de nós) e Deus. E no protestantismo histórico, profano, havia uma abordagem completamente diferente. Isso foi fatal e foi a destruição da sociedade tradicional por causa desse titanismo que surgiu na doutrina luterana, mas acima de tudo no calvinismo. O calvinismo é muito pior do que o luteranismo. O calvinismo é a ausência radical de qualquer sacralidade no mundo. É a glorificação do segundo homem como o único. É profanação e destruição da sacralidade. Esta foi a premissa para o ocaso da civilização pós-cristã moderna. O protestantismo foi a ruptura do grande muro da civilização cristã. Essa foi a destruição da tradição cristã ocidental.
A fim de preparar a próxima aula sobre análise noológica da modernidade, poderíamos fazer uma análise muito breve do que é a descristianização da sociedade moderna. Trata-se da destruição do Logos de Apolo e do Logos de Dioniso. Trata-se da destruição do patrimônio indo-europeu. Não foi apenas uma troca ou substituição de uma religião (religião cristã) por uma versão secular. Aquilo foi uma catástrofe muito mais profunda do que apenas a queda do Cristianismo. Essa foi a queda do Logos que era nosso desde antes do Cristianismo. Aquilo foi a destruição de toda forma de verticalidade. Essa foi a verdadeira vinda do Anticristo, a libertação de Satanás das correntes do Inferno, e erupção, intervenção, invasão do poder titânico no horizonte existencial da cultura europeia. Assim, agora podíamos avaliar a relação entre protestantismo e descristianização. Então esse é um novo momento de Noomaquia porque a Noomaquia teve o mesmo momento (a vitória do Logos de Apolo com o Logos de Dioniso contra o Logos de Cibele). Esse foi o início de nossa civilização. Esse foi o primeiro plano. Esse foi o primeiro evento básico. Vivemos durante milhares de anos, com base neste momento da Noomaquia, tendo horizontes existenciais contraditórios dentro de nossa sociedade, mas vivemos na vitória da luz sobre a escuridão. E isso não começou com o Cristianismo. Isso continuou com o Cristianismo. Fomos felizes durante muitos milhares de anos, sendo filhos da luz para viver no reino da luz, com todos os problemas, com todos os aspectos dramáticos, com todos os aspectos dionisíacos, morrendo, ressuscitando, sendo destruídos e vencendo de novo em nossa Noomaquia, nossas batalhas. Com a descristianização veio algo absolutamente radical de um ponto de vista noológico e geosófico. Vamos ver o que na próxima palestra.