Julius Evola e o Tradicionalismo Russo

Julius Evola e o Tradicionalismo Russo

 
Por Alexandr Dugin
 

1) A Descoberta de Evola na Rússia
Os trabalhos de Julius Evola foram descobertos nos anos 60 pelo grupo de intelectuais esotéricos e anti-comunistas conhecidos como “os dissidentes da direita”. Eles compunham um pequeno círculo de pessoas que conscientemente se negava a participar da “vida cultural” da URSS e que, ao invés disso, tinham escolhido uma vida subterânea para si. A disparidade entre o cultura Soviética presente e a verdadeira realidade Soviética foi quase que totalmente o motivo que os levou a buscar os princípios fundamentais que poderiam explicar as origens daquela terrível idéia absolutista. Foi pela sua recusa do Comunismo que eles descobriram certos trabalhos de autores anti-modernos e tradicionalistas: acima de tudo, os livros de René Guénon e Julius Evola. Duas personalidades centrais animavam este grupo – o filósofo islâmico Geidar Djemal e o poeta não-conformista Eugene Golovine. Graças a eles, esses “dissidentes da direita” souberam os nomes e as idéias dos dois maiores tradicionalistas do século. Nos anos 70, uma das primeiras traduções de um trabalho de Evola (A Tradição Hermética) apareceu e foi distribuída dentro de um grupo, de acordo com os métodos do Samizdat[1]. No entanto, as traduções originais eram particularmente ruins em qualidade, porque elas foram feitas por amadores incompetentes muito distantes do grupo de verdadeiros intelectuais tradicionalistas.
Em 1981, uma tradução do Heidnische Imperialismus apareceu de maneira similar, como o único livro desse tipo disponível na Livraria Lenin em Moscow. Desta vez, a distribuição pelo Samizdat havia se tornado muito maior e a qualidade da tradução era muito melhor. Pouco a pouco eles distanciaram a verdadeira corrente tradicionalista do anti-comunismo, e a aproximaram do anti-modernismo, extendendo a sua negação da existência Soviética para a rejeição do mundo moderno, de maneira muito próxima à visão tradicionalista integral. Deve notar-se que as idéias tradicionalistas em questão, neste ponto particular, foram completamente removidas dos outros grupos de “dissidentes da direita”, que geralmente eram Cristãos ortodoxos, monarquistas e nacionalistas. Nesta época, Evola era mais popular entre aqueles interessados no espiritualismo em sentido amplo: praticantes de yoga, teosofistas [2], psiquistas [3], e daí em diante.
Durante a Perestroika, todos os tipos de dissidência anti-comunista se manifestaram e dos “dissidentes da direita” vieram as ideologias políticas e culturais da Direita atual: nacionalistas, nostálgicos, anti-liberais e anti-Ocidentais. Neste contexto e depois do desenvolvimento de ideias estritamente tradicionalistas, como resultado do Glasnost, os nomes de Guénon e Evola foram introduzidos no conjunto cultural russo. Os primeiros trabalhos de Evola apareceram nos anos 90, nas amplamente lidas partes da mídia conhecidamente “patriótica” ou “conservadora” e o assunto do tradicionalismo tornou-se tema de virulentas polêmicas e era um assunto importante para a Direita Russa como um todo. Periódicos como Elementy, Nach Sovremennik, Mily Anguel, Den, etc, começaram a publicar fragmentos dos escritos de Evola, ou artigos inspirados nele, ou em que seu nome e citações apareciam. Pouco a pouco o campo “conservador” veio a ter uma estrutura ideológica que produziu cisões entre os velhos nostálgicos e monarquistas da Direita e os mais abertos não conformistas e participantes da Direita menos ortodoxa (algumas vezes chamados de “novye pravye”, em russo, pode-se estar inclinado a fazer um paralelo com a “nouvelle droite”, mas foi um fenômeno bem diferente como um todo em relação com a Nova Direita européia). Pode-se categorizar este segundo grupo de patriotas como sendo parte da “Terceira Via” ou “Nacional-Revolucionários” e por aí em diante. O ponto de separação se dá exatamente sobre a aceitação ou rejeição da idéias de Evola, ou talvez mais apropriadamente, da idéias de Evola que não poderiam ser consideradas naturalmente “conservadoras” ou “reacionárias”, como a idéia de “Revolução Conservadora” e de “Revolta Contra o Mundo Moderno”.
Recentemente, o primeiro livro “Heidnische Imperialismus” teve 50.000 cópias publicadas. Até mesmo um programa de televisão voltado a Evola foi feito por uma canal popular. Então, pode-se ver que a descoberta de Evola pela Rússia foi feita em uma escala bastante ampla. Ele, que uma vez constitui o núcleo intelectual hiper-marginal da Rússia, antes da Perestroika, se tornou agora um fenômeno político e ideológico considerável. Mas é bem claro que Evola escreveu seus livros e formulou suas idéias num contexto temporal, cultural, histórico e étnico bem diferente. Isso, então, torna-se um problema: quais partes da filosofia de Evola são relevantes para a Rússia moderna e quais partes precisam ser trabalhadas, melhoradas ou mesmo rejeitadas, nessas circunstâncias? Esta pergunta necessita de uma rápida análise comparando e contrastando o tradicionalismo sagrado de Evola e o fenômeno político estritamente russo.
2) Contra o Ocidente Moderno
Desde o começo, se torna óbvio que a rejeição do mundo mercenário profano moderno, manifestado na Civilização Ocidental durante os últimos séculos, é comum tanto para Evola quanto para a totalidade da tradição intelectual da Eslavofilia Russa. Autores russos como Homyakov, Kirievsky, Aksakov, Leontiev e Danilevsky (entre os filósofos), assim como Dostoievsky, Gogol e Merejkovsky (entre os romancistas), criticaram o mundo Ocidental quase na mesma linguagem em que o fez Evola. Pode-se observar que todos eles possuiam o mesmo ódio pelo governo dos mafiosos, ou seja, o sistema democrático moderno, e que eles consideravam este sistema como degradação espiritual e profanação total. Similarmente, pode-se observar o mesmo diagnóstico para essas doenças do mundo moderno - a Franco-Maçonaria Profana, o judaismo depravado, o avanço da plebe, a deificação da “razão” – em Evola e na cultura “conservadora” russa. Obviamente, a tendência reacionária aqui é comum a ambos, então a crítica de Evola do Ocidente está totalmente de acordo com, e é aceitável para, a linha de pensamentos do conservadorismo russo.
Mais freqüentemente do que não [freqüentemente], pode-se ver que as críticas de Evola estão mais proximamente relacionadas com a mentalidade russa do que com uma mais amplamente européia – o mesmo tipo de generalização, a invocação freqüente de objetivos mitológicos e místicos, a noção distinta de que o mundo espiritual interno é organicamente separado das realidades imediatas modernas da perversão e do desvio. Em geral, a tradição conservadora russa de hodiernamente explicar eventos históricos num sentido mitológico, é de alguma forma, obrigatória. O apelo ao sobrenatural/irracional, aqui, está em perfeita congruência com o pensamento russo, que faz da explicação racional a exceção, e não a regra.
Pode-se notar a influência que os conservadores russos exerceram em Evola: nos seus trabalhos ele freqüentemente cita Dostoievsky, Merejkovsky (que ele conhecia pessoalmente) e muitos outros autores russos. Na outra mão, as frequëntes referências que ele faz à Malynsky e Leon de Poncins carregam parcialmente a tradição contra-revolucionária tão típica do Ser europeu. Pode-se citar também as referências que ele faz a Serge Nilus, o compilador do famoso “Protocolos dos Sábios de Sião”, que Evola reeditou na Itália.
Ao mesmo tempo, fica claro que Evola conhecia relativamente pouco sobre os meios conservadores russos, e, de fato, ele nem mesmo estava particularmente interessado neles, devido à sua idiossincrasia anti-cristã. A respeito da tradição Ortodoxa ele fez apenas alguns insignificantes comentários. Mesmo assim, a semelhança entre a sua posição sobre a crise do mundo moderno e o anti-modernismo dos autores russos é dada, amplamente, pela comunidade de reações orgânicas – Grandes Homens e “indivíduos”, no caso de Evola e heróis, no caso dos russos. Mas graças à espontaneidade das convergências anti-modernas, a gravidade dos desacordos de Evola, se tornam muito mais interessantes e muito mais críticos.
Em qualquer nível, as interpretações de Evola se encaixam perfeitamente no quadro da ideologia moderna da “novye pravye”, [isso ocorre] tão amplamente, que ela [novye pravye] agrega mais à sua visão da degradação da modernidade, aplicando, algumas vezes, as suas idéias [de Evola] mais globalmente, mais radicalmente e mais profundamente. Deste modo, as teorias de Evola são muito bem aceitas na Rússia moderna, onde o anti-Ocidentalismo é um fator político-ideológico extremamente potente.
3) Roma e a Terceira Roma
 
Um aspecto particular do pensamento de Evola é sentido pelos russos como de uma extrema e iminente importância: sua exaltação do Ideal Imperial. Roma representa o ponto principal da visão-de-mundo de Evola. Este poder sagrado vivente, que se manifestou por todo o Império era, para Evola, a própria essência da herança do Ocidente tradicional. Para Evola, as ruínas do Palácio de Nero e dos prédios romanos eram como um testamento direto de uma santidade orgânica e física, da qual a integridade e continuidade fora aniquilada pelo “castelo” kafkiano [4] do Vaticano Católico Guelfo.
A sua linha de pensamento Gibelina era clara: Imperium contra a Igreja, Roma contra o vaticano, a sacralidade iminente e orgânica contra as abstrações sentimentais e devocionais da fé, implicitamente dualista e Farisaica[5].
Mas uma linha de pensamento similar, aparentemente, é naturalmente sentida pelos russos, de quem o destino histórico sempre esteve profundamente ligado ao [Ideal] doImperium. Esta noção estava dogmaticamente enraizada na concepção Ortodoxa da filosofia staret[6] – “Moscow: A Terceira Roma” – Deve-se tomar nota que a “Primeira Roma” nesta interpretação cíclica Ortodoxa não era a Roma Cristã, mas a Roma Imperial, porque a “Segunda Roma” (ou “a Nova Roma”) era Constantinopla, a capital do Império Cristão. Então a mesma idéia de “Roma” mantida pelos Ortodoxos Russos, corresponde ao entendimento de sacralidade como a importância daquilo que é Sagrado e assim, a necessária e inseparável “sinfonía” entre autoridade espiritual e o reino temporal. Para a ortodoxia tradicional, a separação católica entre o Rei e o Papa é inimaginável e beira a blasfêmia, este conceito é até mesmo chamado de “heresia Latina”.
Mais uma vez, pode-se ver a perfeita convergência entre o dogma de Evola e o pensamento comum da mentalidade conservadora russa. E outra vez mais, a clara exaltação espiritual do Imperium nos livros de Evola, é de inestimável valor para os russos, pois isto é o que eles veem como a sua verdadeira identidade tradicional. O “imperialismo sinfônico”, ou melhor, “Imperialismo Gibelino”.
Existe um outro detalhe importante que merece ser mencionado aqui. É sabido que o “Autor do Terceiro Reich” Artur Müller van den Bruck, foi profundamente influenciado pelos escritos de Fiodor Dostoievsky, para quem o conceito de “Terceira Roma” era vitalmente significativo. Pode-se ver a mesma visão escatológica de van den Bruck do “Último Império”, nascido da convergência metafórica entre as idéias dos montanistas paracléticos[7] e as profecias de Joachim de Flora[8].
Van den Bruck, de quem as idéias eram algumas vezes citadas por Evola, adaptou o seu conceito de “Terceira Roma” da tradição Ortodoxa russa, e aplicou na Alemanha, onde ele foi ulteriormente trabalhado espiritual e socialmente pelos Nacional-Socialistas. Um fato interessante é que Erich Müller, o protegé de Nikisch[9], que fora grandemente inspirado por van den Bruck, comentou certa vez que o Primeiro Reich havia sido Católico[10], o Segundo Reich, Protestante[11], o Terceiro Reich deveria ser, exatamente, Ortodoxo!
Mas o próprio Evola participou amplamente nos debates intelectuais dos círculos revoluionários-conservadores alemães (ele era membro do “Herrenklub” de von Gleichen, que era a continuação do “Juniklub” fundado por van den Bruck), onde assuntos similares eram discutidos de uma maneira muito vívida. Agora é fácil ver outra maneira em que a mentalidade conservadora russa está ligada às teorias de Evola. Obviamente, não é possível dizer que as suas idéias, nesses problemas particulares, eram idênticas, mas ao mesmo tempo, existem conexões extraordinárias entre os dois que podem ajudar a explicar a assimilação das idéias de Evola para a mentalidade russa, que possui visões muito menos “extravagantes” do que aquelas pertencentes à Europa Conservadora Tradicional, que é majoritariamente Católica e Nacionalista nos dias de hoje, e raramente Imperialista.
 
 
[1] Samizdat foi um sistema na antiga URSS em que os livros oficialmente “impermissíveis” circulavam pelo país; estes eram cópias de cópias e não tinham boa qualidade, mas eles tendiam a chegar ao seu objetivo.
[2] Um escola religiosa/filosófica fundada pela ocultista russa Helena Blavatsky.
[3] Um conceito teosófico relacionado à todos os fenômenos mentais; C.G. Jung também o discutiu ocasinalmente.
[4] Para aqueles que não estão familiarizados com o trabalho de Kafka, esta é uma referência para o seu livro chamado “O Castelo”, que é sobre um homem que contrai o que deveria ser uma trabalho relativamente fácil num lugar distante, fazendo o levantamento das terras de um nobre local, mas que não consegue começar ou muito menos completar o seu trabalho, devido à burocracia imposta pelo seu próprio empregador (que ele nunca conhece pessoalmente, apenas por um representante ou representante de um representante) e que se frustra muito pelo fato de que o imenso e opressivo castelo do Conde pode ser visto de qualquer parte da cidade, mas ele não consegue nunca ir até lá para começar a sua tarefa. Obviamente, esta é uma acusação metafórica contra a totalidade do sistema judaico-cristão e como ele se relaciona com uma aparentemente impossível salvação. Da mesma forma, “Guelfo” se refere à uma coalisão alemã/italiana da Idade Média que apoiava a casa real de Guelfo contra a Dinastia Imperial Alemã dos Guibelinos, que era hostil ao Papa e ao Catolicismo.
[5] Referente aos Fariseus, hipocrisia, duplicidade, falsidade, fingimento.
[6] Os starets eram conselheiros espirituais, mas não sacerdotes: Rasputin poderia ser considerado como um.
[7] Os montanistas foram os precursors das seitas pentecostais modernas, i.e., aqueles que acreditam em revelações divinas pessoais e falar em linguas diferentes.
[8] de Flora era o Abade de Corazzo que completou um ensaio bastante presciente sobre a “era da razão”, por volta de 1200, onde ele escreveu “no novo dia, homens não dependerão da fé, porque tudo será fundamentado no conhecimento e na razão.”
[9] Ernst Nikisch, um nacionalista alemão da mesma época.
[10] o Sacro Império Romano-Germânico

[11] a Prússia sob o governo de Frederico, o Grande