Da Natureza do Tempo

Dias atrás saiu um excelente artigo[1] sobre a ciclicidade-linearidade do tempo, de Gustavo Aguiar, publicado em seu blog Voz do Caos. Neste artigo o autor expõe a perspectiva metafísico-civilizacional da Quarta Teoria Política sobre o tempo histórico e, portanto, separa o tempo cíclico das civilizações antigas do tempo linear do Ocidente moderno. O primeiro (o cíclico) manteria o continuum intrínseco à natureza do tempo, ao passo que o segundo carregaria o preconceito do progresso e seria responsável pela catástrofe ocidental - consequentemente, o tempo linear, ao nosso ver, é um erro de interpretação metafísica do tempo, ou seja, o tempo não pode ser linear, mas cíclico.
 
Nosso intuito aqui é apresentar uma noção do tempo especificamente em Heidegger e depois oferecer algumas considerações adicionais, visto que tanto a Quarta Teoria Política quanto o artigo do nosso amigo Aguiar se baseiam, um mais outro menos, no grande filósofo alemão. Ademais, Alexander Dugin, líder do Movimento Internacional Eurasiano, construiu sua Quarta Teoria Política sobre bases alegada ou explicitamente heideggerianas, o que exige de nós um estudo mais sério sobre a filosofia e o universo conceitual do alemão, se quisermos pensar esta teoria política.
 
Estamos conscientes da particularíssima interpretação de Dugin sobre Heidegger e sobre as fortes críticas que recebe da parte de muitos intelectuais por conta disso; mas o interesse aqui não vai bem ser a interpretação duguiniana, e sim a nossa, sobre não a aplicação política, mas sobre um tema genuinamente metafísico e suas consequências civilizacionais, do modo mais frio possível.
 
Para Heidegger, o modo do ser do homem é o Dasein (ser-aí-no-mundo), e o Dasein é ontologicamente preocupação (Sorge)[2]. Em outras palavras, o homem é muito mais "jogado" na verdade do ser pelo próprio ser e isto de tal modo que, assim ek-sistindo, guarda a verdade do ser para que o ente brilhe como ente que é na luz do ser. Se e como ele brilha, se e como o deus e os deuses, a história e a natureza se achegam adentrando a clareira do ser, se fazem presentes e voltam a se ausentar, isto tudo não é o homem que decide. O advento do ente repousa no destino do ser. Para o homem, porém, fica aberta a possibilidade de saber se ele encontrará no elemento destinamental de sua essência o que corresponde a esse destino; pois em conformidade com isto ele, enquanto aquele que ek-siste, deve guardar a verdade do ser. O homem é pastor do ser[3]. Este caráter de "jogado" do Dasein e sua correspondente abertura (dada pela preocupação) formam uma unidade, representada pela ek-sistência. Mas trata-se de uma unidade imperfeita, porque o Dasein é sem começo e sem fim: ele não começa a existir nem termina, apenas é. Do mesmo modo, carece de uma essência a qual terá uma existência, como imaginavam os medievais que a alma, de um plano transcendente, desde ao mundo "de baixo", físico. Pelo contrário, a essência do Dasein é sua própria existência; mas por se tratar, portanto, de um sentido muito particular de existência, que não se contrapõe à essência, deve-se utilizar a terminologia ek-sistência apresentada por Heidegger. Em suma, o homem é um "jogado", ou seja, não é criado, nem será julgado no final, ele apenas é (ek-siste), em uma completa incerteza, o que, em certo sentido, está de acordo com Nietzsche quando este afirma que o homem é uma corda por cima do abismo entre o macaco e o übermensch.
 
Ao mesmo tempo, este "jogado", esta preocupação, é ato constante, é um evento, não uma matéria. A substância do homem é o evento, não é a matéria. E ela, precisamente, é a ideia da ek-sistência. Este "jogado" é um "jogado para", e o Dasein (ser-aí) é um In-der-Welt-sein (ser-no-mundo). O que isto quer dizer? Quer dizer que o tempo do Dasein não possui um caminhar, não há uma continuidade no sentido de um preencher caminho, um traçar contínuo. Isso necessariamente aniquila a concepção de tempo histórico. Para Heidegger, a história é o instante do Dasein, e não aquela que descrevemos por uma "linha histórica", seja ela cíclica ou linear. Não podemos, portanto, com a filosofia heideggeriana, recusar ou afirmar o tempo histórico cíclico ou o linear, porque Heidegger aniquila a ambos por se basearem em uma imagem puramente ôntica do tempo, e não ontológica. Isso não quer dizer, entretanto, que juntamente de sua filosofia não se possa defender uma ou outra, apenas significa que ela, a priori, não pode ser usada como argumento. Pois Heidegger não trata de civilizações, mas do homem subjetivamente, da sua experiência (no sentido vitalista do termo), ou melhor, da ek-sistência.
 
A Ciclicidade Heideggeriana
 
A temporalidade é o sentido ontológico da preocupação. Embora não haja um começo e um final para o Dasein, há intrínseco a ele, em seu ser jogado e sua preocupação, uma direção. Isso assinala para uma origem e um destino, sem, no entanto, estes se reduzirem a pontos inicial e final - eles também participam da ek-sistência, um evento, e são atos constantes e não lugares ou fatos fechados e bem resolvidos. Pelo contrário, o Dasein vive na origem e no destino e estes o constituem em uma unidade. "Futuro" não designa aqui um agora que ainda não se tornou "efetivamente real" e que só depois virá a ser, mas o advenimento a que o Dasein advém em si mesmo, no seu poder-ser mais-próprio[4]. Aqui, Heidegger mostra a amplitude de sua filosofia, e constatamos que a temporalidade, não sendo uma ideia objetiva e concreta, compartilhada socialmente, é, pelo contrário, todo o horizonte do Dasein ao ek-sistir, e esta amplitude se reduz à vida. O escopo de ek-sistência é a mera "vida", o "estar-aí". Heidegger ainda é, portanto, um existencialista, e substituiu o übermensch nietzscheano pela angústia da morte, transformando um ideal "final" em um evento historicamente interminável, que toma a ek-sistência do Dasein como um todo, arrebatando-o enquanto ek-sistir, permitindo que se faça aqui também uma unidade, dentro daquele é irresoluto que ele via na grecidade.
 
Não havendo um tempo histórico, civilizacional, há, porém, para o Dasein (o homem enquanto sujeito, consciência), um único ciclo, mas que não se deixa desenhar,, e sim simplesmente viver. A cada instante do ek-sistir o ciclo está ao mesmo tempo sendo lançado e sendo arrebatado, não deixando que se compreenda a posição atual do Dasein, se mais no início ou no final - simplesmente porque origem e destino, formando uma unidade, são reduzidos a um só evento, um tiro de pistola no vazio da noite, em que não se percebe o quando e, ao ouvir o tiro também se ouve, ao mesmo tempo, o barulho da bala encontrando seu destino. O Dasein está nesse intervalo, "inexistente", entre o tiro e o destino da bala, é uma poeira no vazio, mas ao mesmo tempo é a única ek-sistência, pois é justamente o todo do ser... aí, é a centralidade do ser no mundo ("mundo" no sentido mais lato: universo, criação, ou até mesmo ente).
 
Em certo sentido, Heidegger dá razão à pós-modernidade que quer apenas "viver a vida", e de fato os autores da pós-modernidade foram muito influenciados pelo existencialismo, principalmente por Nietzsche, ao negar a transcendência da alma, ao repetir a frase de Nietzsche de que Deus está morto, etc., mas tanto em Heidegger quanto em Nietzsche há antídotos: o übermensch e a angústia da morte, que exigem do homem um constante aperfeiçoamento anímico, ascético. E Heidegger, muito mais que Nietzsche, se aproxima do cristianismo, queira ele ou não. Embora negue a tradição medieval dos conceitos, repete o estoicismo, que muito influenciou os hábitos cristãos, sua "vida prática". A fé de Heidegger de que o ser é e de que o Dasein é (seja lá o que for) é próxima da fé cristã na Trindade e na Criação divina; em ambos, há uma origem e um destino, e "só Deus sabe quando e como"; a vida humana é um evento, um acontecimento em sua totalidade (muito diferente da noção substancialista do "indivíduo" adotada pelo Ocidente), e o caráter historiográfico é, por um lado, ôntico, por outro, pertencente ao mundo físico e mais longe do Real. O homem, por sua vez, não tem uma missão designada em "outra vida", mas no momento em que existe adquire a missão de, por um lado, ser (na angústia da morte) e, por outro, purificar-se das paixões, eventos que não terminam, que onticamente não têm um objetivo concreto a ser alcançado, uma linha a ser cruzada, mas que constituem o modo de ser próprio do homem, enquanto ele estiver sendo.
 
A Temporalidade Cristã
 
Há autores que afirmam, e é muito consagrado no meio acadêmico, que o cristianismo, diferente das civilizações antigas, inaugura o tempo linear, e salientam uma linha entre a Criação e o Juízo Final, mas será que isto se dá em uma reta?
 
Sabemos que, no Ocidente contemporâneo, o tempo é linear, de acordo com o artigo de Aguiar, é fundamento da noção de progresso intrínseca à modernidade, que compreende que há um avanço a medida em que o tempo passa, ou seja, há uma mudança na essência de um momento para outro. Mas é isso que constatamos no cristianismo? A duração do tempo, aqui, segue um progresso? O hiato que há entre Criação e Juízo se manifesta onticamente na historiografia, na duração temporal, de modo que são os anos aqueles que medem a proximidade do Juízo? Ou será que é a condição qualitativa do homem que prognostica o Juízo, e este ato tem o caráter de evento, que arrebata o espaço-tempo como um todo? Este hiato é referente às almas (ou à ψυχή do cosmo, se lembrarmos que no Juízo todos ressuscitarão com seus corpos), ou é referente ao mundo físico, ôntico, de mínima Realidade? É evidente que se trata das almas (e do cosmo), mas não da natureza espaço-temporal em si. Cada pessoa, enquanto alma, vive em si este hiato, purifica-se e dialoga diretamente com os anjos e mortos através da oração - o tempo, portanto, é metafísico, a proximidade do destino e da origem se refere à metafísica, não ao físico. Portanto, não se pode dizer do cristianismo que é linear, historicamente.
 
Da Essência do Tempo e do Problema Civilizacional
 
Devido aos problemas da temporalidade linear do Ocidente moderno, progressista, muitos pensam que é adotando a circularidade que tudo será resolvido. Mas é necessário aprofundar-se para diagnosticar o problema real, o mal desse tempo linear moderno. Aqui pretenderemos abrir uma possibilidade de investigação e resolução. E a nosso ver, Heidegger captou a essência fenomenológica do tempo, talvez sem ter se dado conta disso.
 
O Ocidente, que só de fachada é cristão, não concebe a existência como um evento, mas como uma consistência (substancial). Não há uma origem e um destino pertencentes ao instante do homem, que o fazem tomar as decisões sempre com uma visão de totalidade (instituída pelos mitos e pelo sagrado), como a do Papa que, antes de tomar decisões, silenciava diante do quadro em que se pintara seu corpo morto. A direção da temporalidade ocidental, não sendo metafísica, se reduziu ao espaço-tempo: o hiato passou da metafísica (do Éden ao Juízo) para o físico (momento 1 ao momento 2), e a noção de momento, por sua vez, recebeu um significado próprio (parcela de ritmos entre dois fatos físicos). Para o cristão, o tempo é o desenrolar da purificação em sua vida, pois esta é a totalidade da alma humana. Para o Ocidente, o tempo é uma História Universal dentro da qual se perdem os homens; ao morrer, o ocidental é excluído da História, mas o cristão apenas atravessa uma porta para seguir dentro da História reservada a cada um e a todos. Os mortos, assim como os anjos, demônios, etc. participam da História, que é cósmica, e não histórica no sentido habitual.
 
Semelhante ao cristianismo, para o homem antigo do tempo cíclico a morte e o nascimento são portas, e tanto de um lado como do outro a História segue, como um todo. Mas para o ocidental, morte e nascimento são limites do ser, o que não faz sentido metafisicamente e, além disso, causam problemas psicológicos e sociológicos gravíssimos.
 
Agora, vejamos que a circularidade (ou espiralidade) pode cair no mesmo problema que se acusa agora na "linearidade" ocidental, que, aliás, já há muito acontecera. A sucessão de épocas, de ciclos, interminavelmente, se tomada historicamente, oferece o mesmo fenômeno progressivo do tempo linear. O tempo é contado, não é vivido em sua totalidade, no instante (o tempo mítico); assim, as eras passam e os costumes se repetem, mas de um modo mecânico, habitual, não iniciático, impondo à civilização um terror imenso: o tédio. A reencarnação, a certeza de um eterno retorno do ser, impõe a todos a prisão do fardo da vida, inescapável. O tempo cíclico não considera uma salvação, uma redenção, a paz perpétua, mas um eterno agito irresoluto; a vida, assim, perde seu sentido e avança o niilismo de um modo tão ameaçador quanto o tempo linear ocidental.
 
A real diferença entre as naturezas do tempo real e ilusória é o caráter de evento e o de consistência, ambos ligados à noção de substância do ser, à natureza do próprio ser. O caráter de consistência leva em consideração a limitação inerente à multiplicidade do ser, ou seja, prende-se ao modo da manifestação cuja direção é essencialmente descendente e divergente, fuga do centro sintético do ser, unidade, essência, harmonia. Por sua vez, o caráter de evento é o modo ascendente e sintetizador do ser, cuja direção é o retorno a nada mais nada menos do que a origem perdida e esquecida. Só que este retorno não significa um ciclo, é irrepresentável, porque o ciclo, sendo uma sucessão de pontos, uma linha que se dobra, tem o mesmo caráter do da linha reta, que é a sucessão indefinidamente circular dos "momentos" - qualitativamente, linha circular e linha reta são idênticas, e a real distinção do tempo se dá metafisicamente, como já apresentado acima.
 
O tempo evêntico é, por sua vez, o Tempo mítico do qual muito fala Eliade, que está fora do tempo cronológico e segue uma medição completamente própria - é transcendente e essencial, síntese da participação da ψυχή no Ser supremo.
 
Um "primitivo" poderia dizer: eu sou como sou hoje porque antes de mim houve uma série de eventos. Mas teria de acrescentar imediatamente: eventos que se passaram nos tempos míticos e que, consequentemente, constituem uma história sagrada, porque os personagens do drama não são humanos, mas Entes Sobrenaturais. Mais ainda: ao passo que um homem moderno, embora considerando-se o resultado do curso da História Universal, não se sente obrigado a conhecê-la em sua totalidade, o homem das sociedades arcaicas é obrigado não somente a rememorar a história mítica de sua tribo, mas também a reatualizá-la periodicamente em grande parte. É aqui que encontramos a diferença mais importante entre o homem das sociedades arcaicas e o homem moderno: a irreversibilidade dos acontecimentos que, para este último, é a nota característica da História, não constitui uma evidência para o primeiro.[5]
 
Tempo de origem de uma realidade, quer dizer, o Tempo fundado pela primeira aparição desta realidade, tem um valor e uma função exemplares; é por essa razão que o homem se esforça por reatualizá-lo periodicamente mediante rituais apropriados. Mas a "primeira manifestação" de uma realidade equivale à sua "criação" pelos Seres divinos ou semidivinos: reencontrar o Tempo de origem implica, portanto, a repetição ritual do ato criador dos deuses. A reatualização periódica dos atos criadores efetuados pelos deuses divinos in illo tempore constitui o calendário sagrado, o conjunto das festas. Uma festa desenrola-se sempre no Tempo original. É justamente reintegração desse Tempo original e sagrado que diferencia o comportamento humano durante a festa daquele de antes e depois. Em muitos casos, realizam-se durante a festa os mesmos atos dos intervalos não-festivos, mas o homem religioso crê que vive então num outro tempo, que conseguiu reencontrar o illud tempus mítico.[6]
 
Tanto para as civilizações de tempo cíclico como para o cristianismo (do qual não podemos dizer agora com toda a certeza qual é sua natureza temporal) os rituais têm o papel de instauração do mundo e do tempo mítico. A história cristã, contrário ao que se diz por aí[7], não é a da cronologia habitual, embora o aparato conceitual o seja (os anos, os dias, etc.). Deus faz o mundo em sete dias. A semana tem sete dias. Mas o significado de dia[8] não se reduz ao habitual, de constituído de 24 horas do tempo moderno. Por sua vez, a cada semana a criação se renova, e o cristão a vive, pois permanece permanentemente dentro desse tempo mítico, que não exige a festa para sua instauração. Nesse ponto, o cristianismo é ainda mais radicalmente mítico que as civilizações antigas. O que acontece é que a civilização moderna, ocidental[9], decorrente de uma origem cristã, perdida e decadente após o cisma do bispado de Roma em relação à Igreja, passou gradativamente a eliminar e combater o mítico em prol do racionalismo, do cientificismo, das "verdades concretas", reestruturando e reformulando toda a estrutura psicológica da civilização e do homem ao criar significados concretos para termos de origem divina e inspirada. Assim, as línguas modernas se separaram das clássicas, essencialmente, embora delas herdem a gramática. Ao contrário do que se pensa, a civilização ocidental é um universo fechado, não um momento, uma época em uma suposta História Universal, linear (ou cíclica), por isso não se pode incluir em sua mentalidade "universal" nem os paganismos nem o cristianismo.
 
Enquanto os paganismos repetem ritualisticamente ora a criação do mundo, ora o ato primordial de um semideus, o cristão [re]vive cada instante dentro do caminho à salvação ou condenação e, além disso, de ano em ano, revive o nascimento, a crucifixão e a ressurreição de Cristo, através da invocação das Escrituras, que têm passagens e orações, recordações de santos, para cada dia. A alimentação é ritualística, o banho é ritualístico, o trabalho é ritualístico, o casamento o é - não há nada fora do Tempo mítico no cristianismo. O que acontece, já explicamos, é que o Ocidente se desfez de sua herança, pelo menos provisoria e tragicamente, relegando o mítico aos templos, esquecendo que cada instante da vida é essencialmente por e para Deus e cada instante faz parte e tem relevância suprema para a tomada de direção rumo à Redenção. Não se torna cristão no templo, os problemas religiosos que se testemunha no templo acompanham a alma durante toda sua vida, desde o acordar ao acordar, inclusive durante os sonhos, por onde podemos fraquejar ou enrijecer contra a influência de demônios e paixões. O cristão não vive uma História Universal, ele vive instantaneamente a totalidade do ser, está na corda de Nietzsche sobre o abismo, entre a condenação e a salvação. Foram as elites ocidentais, tomadas pelo mercado, pelo mercantilismo agiota e traficante do judeu, que procuraram, em vão, se desfazer da religião, transformando-a em um entretenimento ridículo e digno de piada, como são os protestantismos e o próprio catolicismo romano, já muito denunciado por Dostoevsky como o trono de Satã.
 
Conclusão
 
continuum, essencial ao tempo que, de acordo com Aguiar, pertence ao cíclico em despeito ao linear, não tanto está relacionado com a natureza quantitativa da temporalidade (o formato histórico, cíclico, linear ou, se quisermos também, espiralado), mas ao caráter evêntico do Tempo mítico, seja ele o formato que tiver no escopo civilizacional. É, pois, este caráter a sintetização da multiplicidade do ser; o continuum é transcendente, por isso está em todas as "partes" e é responsável pela intrínseca conexão delas em um todo harmônico. O Tempo mítico é aquele que resolve o problema ontológico do Dasein não-resolvido por Heidegger, aquela abertura num horizonte absurdo do "aí", que permite uma desinterpretação bastante niilista por parte dos pós-modernos.
 
NOTAS
 
 
[2] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, Vozes e Unicamp, pg. 181.
 
[3] HEIDEGGER, Martin. Carta Sobre o Humanismo (Marcas do Caminho) Vozes, pg. 343.
 
[4] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, Vozes e Unicamp, pg. 887.
 
[5] ELIADE, Mircea. Mito e Realidade, Perspectiva, pg. 17.
 
[6] ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano, Martins Fontes, pg. 76.
 
[7] Um erro de Guénon foi ter concebido a cronologia cristã como histórica (quantitativa), em contraste com a cósmica das civilizações antigas. Sobre isto, ler GUÉNON, René. Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus, IRGET, pg. 31.
 
[8] Só para constar, a palavra dia vem do grego Δία e dá origem a dies do latim, um termo extremamente lato, significando luz, iluminação, revelação e divindade; ela deu origem a muitos nomes de deuses gregos e latinos, entre eles Júpiter, Lúcifer, Zeus, e talvez esteja relacionada ao δημιουργός , ao δαίμων e, consequentemente, a εὐδαιμονία, esta última costumeiramente traduzida como felicidade, além de ao próprio Deus cristão, cuja origem consagrada remete, oficialmente, a θεός. O significado fenomenológico, arriscamos em dizer, tenta ser resgatado por Heidegger, consciente ou inconscientemente, a partir do conceito de desencobrimento, que ele, por sua vez, conecta à ἀλήθεια de Platão.
 
[9] Faustiana, segundo Oswald Spengler. Sobre a excelente caracterização do homem faustiano, ler Der Untergang des Abendlandes, traduzido ao português por A Decadência do Ocidente, Zahar.
 
REFERÊNCIAS
 
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, Vozes e Unicamp: 2012.
 
HEIDEGGER, Martin. Carta Sobre o Humanismo (Marcas do Caminho) Vozes: Rio de Janeiro, 2008.
 
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade, Perspectiva: São Paulo, 2010.
 
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano, Martins Fontes: São Paulo, 2013.
 
GUÉNON, René. Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus, IRGET: São Paulo, 2009.
 
SPENGLER, Oswald. A Decadência do Ocidente, Zahar: Rio de Janeiro, 1973.
 

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