A Doutrina Tradicional dos Elementos (Lição I): A Restauração dos Fundamentos Filosóficos da Ciência

A ideia geral do Clube dos Elementos era de retornar a um momento em que os erros mais graves foram cometidos no desenvolvimento da ciência moderna ocidental. A aplicação dos princípiosdo tradicionalismo, identificados e desenvolvidos por Guénon e Evola. Mas ir além. Continuar seu trabalho, não concentrando apenas na crítica evidente da modernidade, mas tentar retornar à situação intelectual, filosófica e científica que correspondia a uma normalidade intelectual e cultural. Não apenas criticar o que há hoje, mas tentar fazer algo de mais concreto. 
Quando se fala na ciência sagrada, que existia antes da ciência moderna há a impressão geral de que se trata de fantasia, de ocultismo, de misticismo, mas é importante individuar onde estava a verdade filosófica e científica que existia antes do cometimento desses erros. Em que consistiam esses erros? Como explicar em linguagem atual quais eram esses erros, graves e centrais, que perverteram o desenvolvimento do mundo moderno? 
Quando surgiu a ideia do Clube dos Elementos, a vontade era voltar o estudo para uma cosmologia, não tanto sobre a metafísica ou a antropologia ou a política, mas se concentrar na física sagrada, que precedeu a física profana. A física verdadeira, não a metafísica, mas a física fundamental e sagrada que precedeu o aparecimento da física incorreta, falsa, pseudologia. Física aletológica x física pseudológica. Pseudo = Falso. Falsidade em relação à própria ontologia. Por isso é possível pensar e compreender algo que é falso, mas que existe. Diálogo do Sofista de Platão, onde se falava na ontologia das coisas que não existem na verdade, mas que existem. Essa existência do inexistente é a falsidade propriamente dita. Ou, falando cientificamente, é pseudologia. 
A ciência moderna é uma ciência pseudológica. Corresponde a algo da realidade, mas a um aspecto falso da realidade. Existe também a ciência aletológica, onde a relação com a verdade está conservada. Essa definição é importante porque permite compreender esse limite (limes) entre a verdade tradicional, sagrada e a falsidade moderna, profana. A visão desenvolvida por Evola e Guénon, mas não vamos aqui repetir o que os camaradas já conhecem. Por isso devemos ir além, estudando temas que não receberam atenção, por isso necessário aplicar os princípios da ciência tradicional à cosmologia. 

Conceitos: Pseudologia e Aletologia
Aletologia corresponde a uma visão da internalidade. Internalidade = Eternidade dentro do Ser. Há um eixo dentro do Ser, e este centro é eternidade, verdade, é ontologia. Essa é a coisa comum à filosofia de Platão, Parmênides, Aristóteles. Comum a todo o pensamento clássico da Antiguidade, mas há também um aspecto fundamental para compreender o que é a religião: cristã, islâmica, pagã, hindu, etc. Todas as religiões e todas as filosofias coincidem com este ponto fundamental de que há uma Eternidade. E que o Ser gira ao redor deste ponto imóvel, o centro que é o centro eterno. E este centro eterno dentro de nós, dentro das coisas e não fora. A Eternidade é interna. Está no centro da internalidade. 
Isso não é uma filosofia, a própria aletologia que está presente nas filosofias verdadeiras. Fundamento de todas as escolas de pensamento filosófico ou religioso. A partir deste princípio começa todo discurso sobre a alma, o espírito, a consciência. Sem esse discurso tudo é irreal. O princípio primordial é essa identificação entre Eternidade e internalidade radical. Este é o motor imóvel de Aristóteles, a Ideia de Platão, é Deus, a essência natural das coisas, a enteléquia de Aristóteles, o centro absoluto. Tudo termina com o retorno a este centro. Precisamente isto dá uma realidade ao mundo, ao homem, ao cosmos, a sacralidade, a tudo. Tudo gira ao redor deste eixo ou centro eterno do Ser. 
E este centro está dentro de nós, no centro de nossa própria alma. Não é possível dizer que está dentro de vocês, mas sim sempre dentro de MIM. Está no EU. É imanente em mim. 
Essa é uma pressuposição da ontologia tradicional. Este centro é eterno, neste ponto Ser coincide com pensamento. É o νοῦς, é o logos, o centro do pensamento e do Ser. 

O cosmos e a ontologia das coisas exteriores
Quando aceitamos essa internalidade estamos no contexto da aletologia, mas o que é o cosmos e as coisas do cosmos, que temos ao nosso redor? 
Qual é a ontologia, qual é o Ser das coisas exteriores, neste contexto da internalidade? Qual é o estatuto, o papel da exterioridade, das coisas exteriores nesse contexto? Isso é central para compreender como se pode fazer o retorno à ciência verdadeira e sair da ciência falsa. Compreender qual é a ontologia das coisas exteriores. 
É importante que para a internalidade no contexto tradicional as coisas que estão radicalmente fora de nós não existem. Todas as coisas que existem, que fazem parte do Ser não estão fora de nós. Estão no limiar do nosso Ser intelectual. 
Ponto central: As coisas não existem sem essa relação com a internalidade e com o centro da internalidade. As coisas não existem se não possuírem relação com a Eternidade, sem a conexão com o centro radical da internalidade. Nada existe sem isso. 
As coisas se formam no limiar da consciência geral, entre a estrutura do Ser (Nous, Noesis). É importante para compreender o erro da ciência moderna que fora do círculo da consciência há apenas uma coisa: NADA. Há um núcleo que está privado de tudo que é Ser. A exterioridade é o limiar com o NADA. E para além da internalidade não há NADA. Não existe NADA externo. Existem apenas as coisas exteriores. Exterior = No limiar entre a consciência e o NADA. Existirem coisas externas significaria existirem coisas sem nós, totalmente independentes de nossa consciência, da alma, do Espírito, da Eternidade, da internalidade.Isso não é e não é possível.
Todo que existe exteriormente se acha precisamente na fronteira, no limiar, que se separa pseudologia e aletologia, ciência falsa e ciência verdadeira. Porque toda falsidade começa com a aceitação de que fora do círculo da consciência existem coisas. A ciência sagrada afirma que existe NADA fora de nós. Fora de nós não há NADA. 
Tudo que é o próprio Cosmos está no limiar, na fronteira, o Cosmos não é interno, mas não é externo, é exterior. O Cosmos é a realidade limítrofe, circundante, é uma linha que separa internalidade e NADA. Para além dessa linha não há NADA. 

Ontologia da exterioridade
Uma ideia estranha, extravagante para os modernos. Mas era o fundamento da sacralidade. Ontologia da exterioridade é uma ontologia do limiar entre Ser e Nada. 
É precisamente quando entendemos isso que se torna mais fácil ler a fenomenologia ou Heidegger com sua concepção de existencial. Para Heidegger o mundo não está fora. In-der-Welt-Sein, é um existencial, Ser-no-Mundo = Não existe mundo sem Ser no mundo, não há mundo sem nós. Do lado de fora de nós = NADA. Essa é a atitude tradicional e sagrada em relação ao Ser. Por isso encontramos o mundo no limiar com o NADA, não do lado de fora. Por isso externalidade não existe. Por isso pretender que existe mundo, cosmos, matéria, física, coisas, corpos fora deste círculo de internalidade é já cometer um grave erro ontológico. Aceitar a existência das externalidades, totalmente independentes das coisas internas já corresponde a uma falsidade absoluta, pseudologia. 

In-existência do átomo
A ciência contemporânea começa precisamente com isso, com essa afirmação nominalista, de que existem coisas externas. Quando começamos a estudar como é possível chegar a isso de que existem coisas externas fora de nós, sem relação com o Nous (νοῦς), com a Eternidade, com o Pensamento, com o Espírito. Para chegar a essa visão é necessário introduzir um objeto especial, um objeto que existe fora de nós de uma maneira metafisicamente. Demócrito introduziu este conceito, o do átomo. Átomo é uma essência da falsidade. O átomo, o vazio que corresponde ao átomo, é uma falsidade física e metafísica absoluta pelo fato de que no contexto da filosofia sagrada quanto mais nos aproximamos ao NADA, no limite da exterioridade, mais se manifesta a continuidade. Tudo que está na periferia é uma continuidade: de movimentos, mudanças, etc. A descontinuidade, o meio para mensurar as coisas está dentro, é uma forma que corresponde a uma transcendência imanente da consciência. O meio, o meio de mensurar o movimento ou mudança, não está no movimento, mas dentro do movimento. O meio é uma relação do fenômeno com a eternidade. Por isso, Aristóteles dizia que existem duas coisas: corpos, que são contínuos, e a maneira de mensurar movimentos e mudanças, que é uma capacidade espiritual que existe dentro no centro, e que corresponde a uma relação com a Eternidade. Essa descontinuidade não é característica da natureza, mas do Espírito na natureza. É o Espírito que separa, distingue e diferencia. E essa diferenciação não existe fora do Espírito, do Logos e do Pensamento. Por isso o átomo não pode existir segundo a internalidade, segundo a aletologia, pois no nada não há um Logos para dividi-lo. Quando se diz que há o átomo e que há vazio há uma pressuposição de que há um Logos que impõe uma diferenciação vinda da internalidade, ou seja, um Logos exterior, exteriorizando.
O átomismo é revolução negativa, colapso de toda física ou metafísica. Quando afirmamos que há o átomo e vazio é o mesmo que introduzir diferenciação, descontinuidade na continuidade, sem a presença do portador do Espírito, da mente. Com isso começa a falsidade e com esse atomismo teórico, com a pressuposição da existência do átomo (partículas subatômicas são absurdos filosóficos, se o átomo é divisível não é átomo). O átomo não existe, não pode existir. Não é possível construir nada verdadeiro com a confissão da existência do átomo. Todas as pesquisas sobre o atômico chegarão sempre na inexistência, porque não é possível nunca chegar ao fim da divisibilidade, porque a divisibilidade não pertence à externalidade, porque ela pertence à internalidade. Encontrar a qualidade atômica fora de nós é impossível. Erro metafísico. Toda a construção do mundo fora de nós, matéria, substância, elementos, átomo, partículas, partes é a projeção perversa de uma intelectualidade colapsada, Logos tomado de uma maneira antinatural, totalmente pervertido porque aplica a coisas que não existem o fator da existência. Toda a ciência moderna começa por essa passagem, este passo da exterioridade à externalidade. Esse atomismo é muito pior do que a ciência moderna prática que chegou à conclusão de que não é possível encontrar o átomo, mas este é um princípio da ciência moderna, de todas as ciências modernas. Todas as ciências modernas possuem o atomismo em suas raízes. O atomismo nunca provado, nunca confirmado, absolutamente impossível. O atomismo é conservado para salvar essa concepção de externalidade. 
Como retornar à normalidade? Como restaurar a sacralidade e verdade da ciência, do conhecimento, de tudo? É necessário retornar ao momento onde, na história do Ocidente e da cultura ocidental se fez essa passagem da visão pré-atomística à visão atomística. Não era magia, abstração, teurgia, alquimia, era simplesmente Aristóteles, a física aristotélica, corretamente explicada e compreendida. Não é possível entender Aristóteles corretamente sem retornar a essa internalidade. Mas nós, hoje, graças a esse atomismo, interpretamos o aristotelismo, a Filosofia Antiga, através deste atomismo. É tomado como garantido que os povos antigos e medievais acreditavam na existência das coisas externas. Podemos ler textos só baseado em pressuposições desse tipo. É evidente para os modernos que todos acreditam na existência de coisas externas, mas isso não é evidente. 
A explicação metafísica sob essa suposta evidência é a metafísica invertida. Não há nada de natural no atomismo, no vazio. É uma antimetafísica, e é também algo contranatural. É uma forma de hipnose, de sugestão, de ataque psíquico. 
Toda a ciência moderna é propaganda de coisas evidentemente falsas, construídas. Toda a nossa ciência imposta em nossa educação possui essa maneira de ver. Essa maneira de ver não permite ler normalmente nenhum autor pré-moderno. Só conseguimos ler através de olhos modernos, com os pressupostos do atomismo, da externalidade, com essa pseudologia. 
Necessário restaurar a qualidade natural do cosmos. Fazer um passo de retorno da externalidade atomística a uma exterioridade existencial, a exterioridade situada no limiar. Recolocar o cosmos de fora da consciência nas bordas entre consciência e Nada, que é seu lugar normal. Com isso podemos restaurar os meios para compreender as coisas de uma maneira muito mais correta do que hoje. É uma releitura do aristotelismo e do platonismo e da ciência pré-moderna. 

Não é possível construir uma metafísica verdadeira sobre uma física incorreta
Para esse retorno é possível utilizar até algumas ferramentas modernas. Fenomenologia, linguística, psicologia, romantismo/idealismo alemão. Agora temos o critério central. O que aceitar e o que rejeitar? Atomismo é anátema, a existência das coisas externas. Se refutamos as externalidades, as ideias de que as coisas existem de maneira independente de nós, fora do Espírito, fora da Eternidade, podemos aceitar os autores e filósofos ou cientistas pré-modernos e também modernos, e podemos reconstruir esse edifício da ciência aletológica. 
P.Ex.: Com Aristóteles vemos que o cosmos é composto de elementos, mas estes elementos se formam no limiar da consciência, não do lado de fora da consciência. Por isso não é possível encontrar o éter. Porque o éter não existe na externalidade. O éter é um elemento que compõe o próprio limiar. Todos os outros 4 elementos são elementos exteriores que só possuem sua realidade em relação com a internalidade. Não são subjetivos, psíquicos ou mágicos, são elementos físicos que existem em um lugar diferente do que é compreendido pela modernidade.Esta é  a leitura correta dos elementos; isso não é mística - essa é a FÍSICA, a física evidente, a física das coisas de geração, que mudam, etc. Não é possível construir uma metafísica verdadeira sobre uma física incorreta. Não é possível construir algo mais elevado com bases falsas. Não é possível salvar as religiões com uma cosmologia incorreta. A física falsa levou o Cristianismo à perdição. Não há metafísica correta sem o sustentáculo da física tradicional. Com uma física incorreta não há ponto de apoio. 

A forma
Forma: A forma é o aspecto do objeto mais próximo à internalidade. Na forma se manifesta exatamente o aspecto espiritual da coisa. As leis dos objetos estão vinculadas às leis da forma. Por isso a geometria tinha tanto prestígio na Antiguidade porque se trata das relações entre formas. Matemática, lógica e geometria pertencem à ordem do Sujeito Radical, ao Intelecto Ativo que está situado no centro. Quando saímos do Logos em direção ao limiar, a lógica, a geometria ou matemática começa a se transformar, deixando de ser linear, rigoroso. Lógica vira retórica. A física não pode ser estudada com a lógica matemática ou com a geometria. Nenhuma lei pode ser verificada no mundo do devir. A forma do corpo não pertence inteiramente à exterioridade do corpo, ela possui uma relação com a Eternidade da internalidade, e por isso a forma é capaz de afetar todos os processos. A forma é precisamente a relação do corpo com a Ideia. A forma é sempre uma metáfora de algo interno. O corpo é poético. A essência é retórica e poética, é física. A matemática deve ser teológica, trata das coisas eternas, não verificáveis, não físicas. Se algo existe exteriormente não é matemática. A = A apenas em Deus. Os experimentos físicos, portanto, só podem ser retórico-poéticos. 

Os elementos
Elementos: Os elementos não são coisas, mas relações com a internalidade. Sem a presença do Sujeito o elemento não existe. Os elementos podem virar uns aos outros precisamente por serem meras relações entre si. Todos os elementos estão em relação com o éter e o éter é a relação do Sujeito com a exterioridade. O limiar pode ser visto na distância, a partir do centro. 

Objetividade e soberania intelectual
Internalidade não é subjetividade, mas objetividade intelectual. Há Intelectualidade ativa (νοῦς ποιητικός) e há Intelectualidade passiva (νοῦς παθητικός). Intelecto passivo meramente reflete o que supostamente está fora. O intelecto ativo (equivalente ao Sujeito Radical) constrói o mundo, é o νοῦς ποιητικός. Com seu aspecto ativo, a internalidade adquire um caráter soberano. 
No mundo do devir, algo só pode ser verdadeiro e/ou falso fenomenologicamente, por isso no mundo do devir a aparência pode ser uma imagem de uma determinada verdade. Mas só uma imagem, não a verdade mesma.