Consenso de Washington: Neoliberalismo, Economia Dependente e a Globalização

Em novembro de 1989, o Fundo Monetário Internacional, protocolou o documento denominado Consenso de Washington. Este protocolo, baseado em dez recomendações, tais quais a disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direito, com eliminações de restrições, privatização das estatais, desregulamentação da economia e o direito à propriedade intelectual.

Estas medidas foram oferecidas pelo Estado Norte Americano em discussões de órgãos internacionais de economia. Suas discussões iniciais foram galgadas na Organização Mundial do Comércio, onde fora sugerido que estes protocolos de ações políticas fossem exigências formais para que países viessem a pedir ajuda monetária ao FMI.

De acordo com os defensores do projeto, tal sistematização de cunho econômico serviria para padronizar as relações econômicas existentes do globo, criando assim, mercados interdependentes aos quais fosse possível a transferência de capital, renda, no que diz respeito às relações comerciais a nível internacional.

Naquele momento histórico, os cientistas das ciências humanas afirmavam de que havia a criação de uma Nova Ordem Mundial, baseada na criação do mundo unipolar, organizado por valores liberais, acompanhados pela democracia, livre comércio, desregulamentação do câmbio, liberalismo social e econômico e os direitos humanos.

O rompimento em que houvera no Leste europeu para com o socialismo real provocado pelas concessões feitas ao Ocidente por parte de Mikhail Gorbachev provocou a extensão do modelo neoliberal da economia e a vitória da ideologia política liberal sobre o marxismo; o seu sucessor na então República Federativa da Rússia, Ex-Chefe de Estado, Boris Yelstin permitira a entrada de capital europeu e norte americano em território russo, desregulamentação da economia, privatização das estatais.

O ideólogo notável desta tal organização social das relações sociais, Francis Fukuyama, afirmou que a história alcançara o seu fim neste período marcado pela globalização, em que o avanço do neoliberalismo ao redor do globo e as relações oriundas deste modelo político viriam a ser constante e ausente de uma ruptura, o mundo adequaria aos valores do liberalismo independente de suas condições históricas, identidades culturais e contingências políticas.

No que diz respeito às Relações Internacionais, a organização econômica por parte de órgãos internacionais em que regulamentam modos de funcionamento econômico para as diferentes partes do globo, esta natureza de ação política relaciona-se diretamente ao pensamento hobbesiano da política internacional em que se estipula a homogeneização das relações econômicas com o fim de evitar possíveis anarquias no sistema internacional, ou políticas vinculadas às necessidades econômicas nacionais que venham a prejudicar fluxos de capital a nível internacional.

A associação dos diversos setores da sociedade ao mercado compreende uma regra geral deste modelo geoeconômico. A saúde, educação, segurança e o transporte passam a ser vistos enquanto possíveis meios de produção de capital nos setores do serviço. A agenda de políticas de privatização funciona para substituir a lógica da administração pública pela administração privada.

A educação adquire uma vinculação com a divisão social do trabalho, ela padroniza-se ao modelo de formação de mão de obra para o mercado de trabalho, tendo a sua base curricular objetivada ao atendimento das necessidades do mercado, assim instaurados o ensino técnico e profissionalizante nas redes escolares com o fim de formar trabalhadores a exercerem atividades profissionais em empresas que sejam adeptas a terceirização e a contratação direta, ausentes da cobertura de direitos existentes em legislações trabalhistas.

As Universidades, anteriormente públicas, tornam-se privadas, entendendo-as enquanto meio de gerar renda em serviços, substituída a visão da organização destas instituições por parte do setor público e as concedendo ao mercado, assim exercendo função mercadológica e abastecendo a expansão do mercado internacional, o fomento em pesquisas a partir da área privada, associando os resultados em pesquisas aos interesses de oferta e demanda existentes nas relações de mercado.

O fluxo de mão de obra tornou-se possível com o advento das multinacionais, os Estados que oferecessem as menores taxas alfandegárias, cambiais e tributárias para as empresas estrangeiras obteria a participação de capital estrangeiro em seu país, aumentando a concorrência entre empreendimentos nacionais e estrangeiros, permitindo que em câmbios distintos, já que o mesmo obtivera a desregulamentação, empreendedores do mesmo setor investissem em uma determinada região em moeda local e outros em moedas estrangeiras, desnacionalizando as economias locais devido ao maior índice de capitalização de empresas norte americanas e europeias em regiões ao leste da Europa e do Hemisfério Sul.

As redes industriais dos países desenvolvidos migraram para os países subdesenvolvidos, criando uma organização internacional do trabalho, em que o setor de produção concentrava-se em regiões sul do globo e ao leste no hemisfério norte e as regiões com altos índices de capitalização ficavam responsável pela comercialização destes bens.

A associação da organização econômica internacional em que as economias nacionais eram associadas a setores fixos de sua produção, dava-se pelo motivo da negação do uso estatal em ações econômicas que pudessem organizar o mercado nacional de acordo com as necessidades regionais, existindo setores responsáveis pela extração de matérias primas, industrialização, exportação de commodities. Os Estados Unidos e Europa Ocidental responsável pelas comercializações dos bens oriundos destes anteriores processos econômicos, presentes nas indústrias e produções anteriores às trocas comerciais existentes no mercado internacional.

O Consenso de Washington representava o modelo vitorioso da globalização, o capitalismo, perante o seu adversário, o socialismo real. O socialismo real planejava a internacionalização da revolução comunista em que os trabalhadores, juntamente ao Partido Comunista de sua região, interligado à Internacional Comunista, organização internacional de partidos políticos, iria organizar a transição de uma sociedade demarcada pela organização estatal para uma sociedade ausente de Estado.

O capitalismo por meio de seus aparelhos ideológicos, tal qual a organização econômica neoliberal pretendia homogeneizar as relações políticas e econômicas, rompendo por outra vez a noção de organização existente anterior a guerra fria, o modelo vinculado ao Estado-Nação, este modelo não era interessante para a globalização, para fins do Consenso de Washington, a substituição das soberanias nacionais pela organização social demarcada por órgãos internacionais era necessária para o modelo de desenvolvimento pós-comunista.

Anterior a fase neoliberal, o campo capitalista da economia passara pela fase keynesiana, em que o Estado era um dos responsáveis pela organização da infraestrutura econômica, a criação de parques industriais era comum para atender a determinadas demandas de mercado, juntamente a esta geopolítica da guerra fria, os países satélites de Washington no continente americano e asiático eram responsáveis pelas exportações de commodities.

Posterior a fase neoliberal ao adentrar na organização econômica internacional, estes países limitaram seus gastos públicos em infraestrutura econômica, não sendo possível a criação de parques industriais necessários ao atendimento de mercados nacionais, assim a ausência de industrialização equivalente ao consumo local permitiu a desnacionalização da economia, a abertura do mercado possibilitou a penetração de capital estrangeiro e a transferência de renda por parte de países subdesenvolvidos aos países desenvolvidos.

Os defensores deste modelo afirmam que a dependência econômica oriunda da internacionalização do mercado, pois as entradas de capitais estrangeiros em territórios nacionais permitem o desenvolvimento econômico através da iniciativa privada estrangeira que possui tecnologia e capacidade de investimento para modernizar as relações econômicas locais, o grande expoente desta linha de pensamento é o sociólogo e EX- Presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso que explana a respeito do tema na “Teoria da Dependência”.

A escola de pensamento Desenvolvimentista, Marxista e da Quarta Teoria Política são as principais responsáveis pela crítica a este modelo, as duas primeiras escolas afirmam que as transferências de renda, desnacionalização da economia, ausência de investimento estatal permitem o atraso econômico nacional e o favorecimento de empreendimentos estrangeiros, além de vincular a economia regional a interesses particulares do capital estrangeiro que por vezes não atendem as necessidades da produção interna. Aleksandr Dugin representante da Quarta Teoria Política afirma que o fluxo de mão de obra permite a perda de identidades econômicas nacionais particulares a um modelo de desenvolvimento político regional.

Os investimentos de fluxos de capital vindos do estrangeiro puderam ser feitos diretamente, de maneira direta a que o câmbio estava desregulamentado e as barreiras alfandegárias regulamentadas por protocolos internacionais, sendo o Estado ausente destas relações comerciais em que houvesse a existência do câmbio.

Segundo o economista francês, Thomas Piketty, este processo vinculado à globalização possibilitou a perda da autonomia estatal perante a economia nacional e fez com que países pudessem ser donos de empreendimentos no exterior, por meio das estatais de países desenvolvidos direcionadas ao mercado de países subdesenvolvidos e as transferência de renda pública e privada aos países originários dos empreendimentos em diversos setores.

As leis trabalhistas foram alteradas para atender ao capital externo recém-chegado em países em processo de desenvolvimento econômico, o mercado fora o responsável por alocar a mão de obra na iniciativa privada, estas vagas de emprego tinham por vezes o oferecimento de remunerações mais baixas, devido ao fluxo de mão de obra e a concorrência entre trabalhadores para a garantia de vagas em postos de trabalho.

O setor previdenciário, a exemplo do Chile, fora transferido do setor público ao privado, aumentando o período de exigência da aposentadoria, o vínculo dos fundos de garantias sociais ao setor privado de fundo de pensões que proporcionavam remunerações osciladas com o valor destas poupanças no mercado, sendo dado ao contribuinte em remuneração o valor dos juros da poupança.

Os sindicatos foram vistos como órgão desnecessário à organização dos conflitos laborais. A burocracia privada seria a responsável de propor documentos originados da gerência de produção para estabelecer regra de qual modo o funcionário devia se adequar à lógica de produção particular a um determinado órgão privado, caso a burocracia preestabelecida pela gerência do proprietário não fosse cumprida, o funcionário seria despejado e seu contrato seria cancelado, não sendo oferecido ao trabalhador a proteção social de seguro desemprego ou multa por demissão.

Os países que por acaso sentissem a necessidade de lançar capitais governamentais para o setor industrial em caso de notar a ausência de determinados bens em seus mercados, teria que comprar estes bens e produtos de outros países, caracterizando uma economia dependente, o pensamento desenvolvimentista em que o Estado organiza a infraestrutura econômica de diversos setores econômicos para oferecer aos mercados internos bens a serem comercializados fora excluída do pensamento neoliberal.

Os bancos públicos perpassaram por recomendações de órgãos comerciais internacionais de serem privatizados, abandonando a função pública e sendo um órgão ao qual a sua função social é atender as demandas do mercado e obedecer as leis econômicas particular à economia capitalista sob o modo de gerência administrativa neoliberal.

Os investimentos estatais em Ciência e Tecnologia perpassaram recomendações de serem diminuídos ou cortados, já que a iniciativa privada seria a responsável pela produção neste setor, tendo os países aos quais obedecessem a agenda neoliberal ter de comprar equipamentos militares, eletrônicos, elétricos de países desenvolvidos no hemisfério norte.

Paralelo a isto, as fomentações em pesquisas em Ciência e Tecnologia foram abandonadas já que a lógica adequada a este modelo de desenvolvimento era o aguardo da localização de talentos científicos por parte do mercado e a exclusividade de investimentos em pesquisas que atendessem as necessidades comerciais; os subsídios do Estado para com estudante inscrito em programas de produção científica foram substituídos pela contratação de estudantes nos setores profissionais da tecnologia, a depender das escolhas do mercado.

Os orçamentos militares foram diminuídos, pois o setor adentrava-se no plano de cortes consecutivos de investimentos públicos, possibilitando países desenvolvidos manterem uma determinada vantagem militar sobre os países subdesenvolvidos que para realizar tratados comerciais em órgãos internacionais necessitavam de obedecer as exigências do Fundo Monetário Internacional.

Naquele momento histórico, demarcado pelos anos de 1990 a 2008, os países do globo tenderam a seguir a esta agenda econômica, a partir da crise financeira do molde econômico neoliberal provocada pela bolha americana, outros atores geoeconômicos, tais quais os países emergentes destacados pelo Brasil, Irã, China, Rússia, Índia e a África do Sul passaram a oferecer novos modelos geoeconômicos, a partir de empréstimos a países subdesenvolvidos, sob outros prazos de pagamento para fazer concorrência ao banco do FMI e possibilitar outras lógicas de organização econômica para além dos modelos norte americanos.

A agenda neoliberal da economia é revisitada em Estados do continente americano, a Argentina, Brasil, Honduras e o Paraguai, estas nações perpassam a perda de investimentos em tecnologia e a entrada de capital nos setores científicos advindos do exterior. A desnacionalização das suas economias e a concorrência dos capitais nacionais com o capital estrangeiro, a venda de lotes de terra de suas respectivas Uniões para atender ao agronegócio estrangeiro, assim caracterizando uma economia vinculada ao modelo da globalização.

A justificativa de tais políticas encontra-se na “Teoria da Dependência”, de Fernando Henrique Cardoso. O mesmo afirma que a vantagem desta agenda política é a possibilidade de investimentos externos em território nacional e aceleração da possibilidade de sofisticação de bens a serem comercializados no mercado por meio de agentes internacionais, assim poupando os gastos públicos em desenvolvimento econômico, possibilitando a transferência de renda e a venda de produtos estrangeiros em território nacional.

O propósito de substituir o setor público pelo setor privado é pela justificativa de que os problemas associados a pobreza, desigualdade social, atraso econômico e tecnológico terão suas soluções advindas da economia de mercado, sendo desnecessária atuação estatal no fomento de pesquisas, infraestrutura econômica, criação de parques industriais, já que o capital nacional e internacional serão os atores responsáveis pelas demandas oferecidas pela sociedade civil.

A substituição da ação estatal em nível internacional pelas multinacionais garante processos de dominação econômica, ausentes de processos bélicos, já que o seu critério de competição está no seccionamento legal do Estado para a entrada deste conjunto de investimentos econômicos em sua nação, possibilitando o multiculturalismo, transferências dos fluxos de mão de obra e a concorrência de trabalhadores nativos e estrangeiros em uma mesma região.

O neoliberalismo parte do princípio de que o Estado deve manter um caráter técnico, associado a formação de burocracias públicas de cunho liberal que permitam a atuação da iniciativa privada, as paixões ideológicas para além da economia liberal são consideradas um critério contrário a esta lógica pois garante ao Estado o ator de desenvolvimento social associada a variáveis de ideias vinculadas a uma base de pensamento filosófico

A economia é atuada pela iniciativa pública, os setores da iniciativa pública são transferidos para o setor privado. O bem-estar social que antes era responsabilidade do Estado e garantido por meio de tributos é substituído pela contratação direta de serviços que garantam  bem-estar  individual do consumidor de determinado serviço privado, estes distintos setores são associados ao mercado com o fim de aumentar as reservas de capitais e a acumulação de riqueza possibilitada pelas trocas comerciais no âmbito da iniciativa privada.

Fonte: Filosofiadocotidiano