DO NIILISMO LIBERAL À QUARTA TEORIA POLÍTICA: UMA BREVE INCURSÃO TEÓRICA EM “OS DEMÔNIOS”, DE DOSTOIÉVSKI, RUMO AOS CONFINS DA PÓS-MODERNIDADE

“O desejo de martírio e de autossacrifício apodera-se do senhor; domine também esse desejo, desista desses folhetos e de sua intenção e assim vencerá tudo. Desvele seu orgulho e seu demônio! Acabará triunfando, atingirá a liberdade…”. – Fiódor Dostoiévski, in. “Os Demônios”.

 

Quando o filósofo, sociólogo e geopolítico russo Aleksandr Dugin argumentou que o liberalismo é uma ideologia profundamente niilista em seu âmago, ele decerto estava ciente das reações escandalosas que essa sentença com perfume de declaração de guerra despertaria no Ocidente, o palco da disputa entre as três teorias políticas clássicas pela conquista da hegemonia global, da qual o liberalismo sairia vitorioso na segunda metade do século XX ao deflagrar a transição da Modernidade para a Pós-modernidade, onde o niilismo deixou de ser o sintoma de uma doença já diagnosticada para se tornar parte da própria doença, que, em virtude de seu agravamento súbito, passou a exigir, em caráter de urgência urgentíssima, um novo e mais elaborado diagnóstico.

A intenção do professor Dugin é justamente formular esse diagnóstico da maneira mais lúcida, cuidadosa, e isenta de particularismos tacanhos, valendo-se, para tanto, dos postulados metateóricos que possibilitaram a construção, a organização e, consequentemente, o estudo sistematizado de sua Quarta Teoria Política, o empreendimento coletivo dedicado a encontrar “um caminho para fora do beco sem saída global”, uma rota de fuga das profundezas do abismo niilista em que fomos lançados pela vitória do liberalismo.

Nos dizeres sempre oportunos de Dugin:

O conteúdo do liberalismo muda, passando do nível da expressão ao nível do discurso. O liberalismo se torna não propriamente liberalismo, mas sub-audição, concordância silenciosa, consenso. Isso corresponde à mudança da época da modernidade para a pós-modernidade. Na pós-modernidade, o liberalismo, preservando e até mesmo ampliando sua influência, cada vez mais projeta uma filosofia política inteligente e livremente adotada; ele se torna inconsciente, autocompreendido e instintivo. 

Dessa forma, na conjuntura pós-moderna os componentes da mentalidade liberal, de cunho niilista, são projetados desde a perspectiva solipsista do indivíduo – o agente histórico do liberalismo na concepção duginiana. Isto acontece por vários motivos, mas o principal deles é o fato de a individualidade ser, em última instância, uma ficção mental concebida de maneira premeditada com o objetivo diabólico de dissolver os pilares de uma sociedade organicamente constituída, obstaculizando, de conseguinte, a identificação dos povos com quaisquer sistemas de crença que escapem à esfera dos interesses individuais. E as coisas não poderiam ser diferentes, afinal, o triunfo do liberalismo conferiu ao indivíduo – ou melhor, à ideia de indivíduo, tendo em vista que ele não existe de fato – o estatuto soteriológico de princípio ordenador da realidade, verdadeiro fecho de abóbada para todas as questões emergentes do tecido flexível da Pós-modernidade, esse Admirável Mundo Novo dotado de contornos mais ou menos obscuros, embaçados, se bem que não inteiramente desconhecidos. Nada mais perverso e niilista (porque, sim: a perversão e o niilismo são irmãos siameses) do que sacrificar institutos tão caros à composição do imaginário simbólico da coletividade em virtude da consagração de uma noção puramente abstrata como o individualismo.

Interessante observar que a popularização do vocábulo niilismo se deu, pela primeira vez, em 1862, com a publicação do romance Pais e Filhos da autoria do liberal Ivan Turgueniev, um contemporâneo de ninguém menos que Fiódor Dostoiévski. Dostoiévski, é claro, também teve a oportunidade de se manifestar sobre o assunto ao longo dos capítulos densos e fartamente ilustrados do único livro que escreveu com fins assumidamente panfletários, e com o intuito de narrar, até nos mínimos detalhes, o assassinato do estudante I. I. Ivanov pelo quinteto niilista liderado por S. G. Nietcháiev, um discípulo de Mikhail Bakunin, no ano de 1869: Os Demônios. Se analisarmos o conteúdo destes dois romances, não teremos maiores dificuldades de constatar que os niilismos de Turgueniev e de Dostoiévski não apenas carregam significados diametralmente opostos e irreconciliáveis entre si, como variam em dimensão, sentido e complexidade.

Senão vejamos: Bazárov, o soberbo protagonista de Pais e Filhos para quem nenhum princípio deve ser aceito sem exame, alcança a redenção através do amor incondicional, conferindo ao termo niilismo uma conotação quase otimista, como se este fosse um caminho árduo, mas absolutamente necessário que a humanidade deve trilhar antes de chegar aos portões do Paraíso; ao passo que o demônio dostoievskiano, Nikolai Stavróguin, leva para o túmulo o peso esmagador da culpa por todas as atrocidades por ele cometidas e instigadas em nome de uma causa perdida, cujos princípios nem ele próprio, e muito menos aqueles que ele havia possuído, sabiam definir.

Apenas na última página do romance profético, durante o diálogo no monastério em face do padre Tíkhon, a narrativa atinge o seu apogeu com a revelação bombástica de que, por mais que Stavrógin desejasse ardentemente ser perdoado pelo assassinato da adolescente – a fonte das suas maiores tensões psicológicas, diga-se de passagem –, ele jamais obteria o perdão, pois a misericórdia divina é terminantemente incompatível com a natureza mefistofélica de um niilista. Tíkhon chega mesmo a vaticinar a distribuição dos folhetos que daria início à sequência de eventos calamitosos narrados por Dostoiévski, nos seguintes termos:

Estou vendo… estou vendo como se vê na realidade – exclamou Tíkhon com uma voz que penetrava a alma e a expressão da mais intensa tristeza – que o senhor, pobre e perdido jovem, nunca esteve tão próximo do mais horrível crime como neste momento!

Em suma, é como se Dostoiévski virasse para Turgueniev e dissesse, com ar desafiador: “O senhor não entendeu bulhufas. Sente aí e aprenda como é que se faz.”

É surpreendente o modo como o autor de Os Demônios consegue explorar, com precisão cirúrgica, as múltiplas facetas do fenômeno niilista, antecipando em dois séculos o diagnóstico de Aleksandr Dugin, que, por sua vez, adquire uma clareza meridiana à luz da absurda filosofia do suicídio professada pelo engenheiro Aleksiêi Kiríllov, o membro mais excêntrico e caviloso do grupo dos nossos. A excentricidade enlouquecedora e, em certa medida, megalômana de Kiríllov, um encomiasta do suicídio par excellence, é o resultado da soma de pelo menos três ingredientes: o niilismo, o liberalismo, e o ocidentalismo. Kiríllov desempenha, basicamente, a função de bode expiatório; é ele que, ao final, acaba assumindo a culpa não só pelo incêndio iniciado pela sublevação dos funcionários da fábrica dos Chpigúlin, como também pelo assassinato à queima-roupa do estudante eslavófilo Chátov, levado a cabo pelo quinteto de Piotr Vierkhoviénski.

De acordo com Kiríllov – e Dostoiévski faz questão de enfatizar esse detalhe logo na primeira aparição da personagem – o ser humano só pode atingir a liberdade completa e irrestrita por meio do suicídio, que, segundo ele, é a única forma de superar os desígnios de Deus; assim, suicidando-se o homem vai além de si mesmo e se torna algo equivalente ao próprio Criador. (Este é, a propósito, o fundamento da filosofia do super-homem de Friedrich Nietzsche, um leitor devoto de Dostoiévski, por assim dizer.) Portanto, para o engenheiro era absolutamente indiferente assumir a culpa pelos crimes praticados em prol da causa comum, uma vez que ele cometeria suicídio de qualquer maneira e não havia nada nem ninguém à altura de demovê-lo desta decisão. Impossível ignorar a conduta liberal por detrás do intento kirilloviano de obliterar o Deus-Homem para dar espaço ao nascimento da sua antítese, o Homem-Deus (indivíduo); tudo em nome de uma liberdade quimérica – fictícia –, de uma autossuficiência delirante e por um amor fajuto à humanidade, conforme aduz Albert Camus na seguinte passagem d’O Mito de Sísifo:

Mas se esse crime metafísico basta para a realização do homem, por que lhe acrescentar o suicídio? Por que se matar, abandonar este mundo depois de conquistar a liberdade? É contraditório. Kirilov sabe bem disso quando acrescenta: “Se tu sentes isso, és um czar e, ao contrário de matar-te, viverás no auge da glória.” Mas os homens não sabem disso. Não sentem “isso”. Como no tempo de Prometeu, alimentam em si cegas esperanças. Precisam que lhes mostrem o caminho e não podem prescindir da predicação. Kirilov deve então se matar por amor à humanidade. Deve mostrar a seus irmãos uma via real e difícil que ele será o primeiro a percorrer. É um suicídio pedagógico, e por isso Kirilov se sacrifica. Mas, mesmo sendo crucificado, não será enganado. Continua sendo homem-deus, persuadido de uma morte sem futuro, penetrado por uma melancolia evangélica. “Eu”, diz ele, “sou infeliz porque sou obrigado a afirmar minha liberdade.” Mas, morto ele e ilustrados por fim os homens, esta Terra se povoará de czares e se iluminará com a glória humana. O tiro de pistola de Kirilov será o sinal da última revolução. Não é o desespero, então, o que o empurra para a morte, mas o amor do próximo por si mesmo. Antes de acabar com sangue uma inefável aventura espiritual, Kirilov pronuncia uma frase tão velha quanto o sofrimento dos homens: “Está tudo bem.”  

Lê-se, nas entrelinhas deste insight, a quintessência da moldura mental liberal, que encontrou sua expressão máxima naquilo que se convencionou denominar, no pós-guerra, “democracia liberal”, termo, aliás, perspicazmente desmistificado por Alain de Benoist em The Problem of Democracy. Tocando em miúdos: através da metáfora do “suicídio pedagógico” de Kiríllov, Dostoiévski profetizou que o advento da Pós-modernidade viabilizado pelo triunfo do liberalismo acabaria redundando, mais dia menos dia, no destronamento do Sagrado iniciado pelo programa iluminista, proclamado nas tribunas da Modernidade, e rematado no limiar da Pós-modernidade, momento decisivo em que a dessacralização atinge o seu pináculo, notadamente com o cair da meia noite da noite do mundo, quando toda uma profusão de vocábulos milenares é assimilada e distorcida por conceitos tipicamente modernos.

Eis a origem niilista da democracia liberal, que de democrática só tem o requinte da nomenclatura, posto que ela não preserva a mais mínima semelhança com aquilo que os atenienses entendiam como sendo a manifestação autêntica do fenômeno democrático. É que, na Grécia Antiga, o que fornecia aos membros da pólis a legitimidade para participar do debate de questões políticas era o fato de eles preencherem os requisitos mínimos para se enquadrar na categoria de cidadãos, e não a tese especificamente moderna de acordo com a qual a participação em assembleias deliberativas compete, ainda que indiretamente, aos titulares dos direitos humanos e individuais – noções completamente alógenas à conjuntura da experiência grega. Assim sendo, o humanismo liberal-democrático de Kiríllov pode ser descrito pela imagem alegórica de um nevoeiro que nos impede de olhar para as coisas elas mesmas a fim de tocar sua verdadeira natureza. Essa neblina, evidentemente, é a raiz de toda a confusão de que padecem almas atormentadas como as de Stavróguin e de Vierkhoviénski; e, por essa razão mesma, Kiríllov talvez seja a chave para a compreensão da mensagem que Dostoiévski quis transmitir ao leitor, qual seja: liberal é todo aquele para quem a liberdade do indivíduo vale mais do que a própria vida humana, não importando quantas cabeças tenham de rolar e quantos ídolos tenham de ser profanados a pretexto de promovê-la.

Vejamos, então, de que modo os apontamentos críticos de Alain de Benoist no tocante ao conceito de democracia liberal nos ajuda a entender como a distorção terminológica favorece uma cosmovisão niilista acerca da realidade:

The people’s state, which is the genuine democratic state, should therefore not be confused with the liberal state. Democracy is first and foremost a ‘-cracy’, i.e., a form of power; as such, it implies authority. Liberalism is a doctrine concerned with the limitation of power and based on suspicion of authority. Democracy is a form of government and political action; liberalism, an ideology for the restriction off all government, which devalues politics in such a way as to make it dependent upon economics. Democracy is based on popular sovereignty; liberalism, on the rights of the individuals.    

Por este excerto, torna-se auto-evidente que o desmembramento do conceito de democracia liberal esbarra na tentativa malsucedida de forçar uma espécie de harmonização de premissas contraditórias, o que só seria possível caso pretendêssemos abolir a configuração da realidade para inserir, no seu lugar, um construto artificial em cujo domínio os significados que costumamos atribuir às palavras, desde que o mundo é mundo, valem tanto quanto miragens no meio do deserto. Por óbvio, esse tipo de prestidigitação linguística em nada altera a estrutura ontológica do Real, visto que, ontologicamente, questões como a tese niilista do desencantamento do mundo (uma das principais consequências da substituição do Sagrado pela pseudo-autoridade do indivíduo) não têm qualquer cabimento e já se provaram, mais de uma vez, filosoficamente caducas e insustentáveis. “Assim”, escreve Dugin, “a Quarta Teoria Política pode facilmente se voltar para tudo que precedeu a modernidade de modo a buscar sua inspiração lá. O reconhecimento da ‘morte de Deus’ deixa de ser um ‘imperativo mandatório’ para aqueles que querem permanecer relevantes.”

Aqui é conveniente abrir um parêntesis para mencionar, ainda que de maneira perfunctória, a crítica de René Guénon ao individualismo típico das civilizações anti-tradicionais. Em Crise do Mundo Moderno, Guénon explica, com a paciência que lhe é habitual, que o individualismo implica a negação total do intelecto e do conhecimento, uma vez que ele representa a abolição dos princípios metafísicos – e, portanto, supra-individuais – sobre os quais se assenta a base de qualquer civilização minimamente saudável. Em suas próprias palavras, “o homem moderno, em vez de procurar elevar-se para a verdade, pretende fazê-la descer ao seu nível”. Pois bem: diferente de Stavróguin e de Vierkhoviénski, Kiríllov realizou – ou ao menos imaginava ter realizado minutos antes de estourar os miolos com um tiro de pistola – essa rotura de nível prometeica entre a humanidade e a verdade supra-humana, ou seja, exatamente o que logrou implementar a hegemonia liberal no Ocidente por meio da universalização do individualismo e da instalação de imperativos codificados de negação da realidade por toda parte; de modo que podemos dizer, sem nenhum exagero retórico, que o homem pós-moderno vive, hoje, dentro de uma prisão cognitiva reproduzindo esquemas niilistas de forma mais ou menos automática e inconsciente – um pesadelo sem fim.

É de se notar, no entanto, que a exponencialização do papel do indivíduo no âmbito das interações sócio-políticas do mundo ocidental não pode ter senão um aspecto relativo e contingente, na medida em que ela é, per se, incapaz de subverter o princípio, exaustivamente apontado por Mircea Eliade em O Sagrado e o Profano: a essência das religiões, segundo o qual o sagrado e o profano constituem dois modos de ser-no-mundo. Isso equivale a dizer que toda cosmogonia, toda criação de um Mundo, dá-se a partir de um Centro engendrado ritualisticamente, isto é, construído com base no referencial de um espaço sagrado; de sorte que não há e nem pode haver um cosmos totalmente dessacralizado, haja vista que a sacralidade é um aspecto inerente à ideia de cosmos –  sua condição de possibilidade –,  no sentido de que “uma criação implica superabundância de realidade, ou por outras palavras, uma irrupção do sagrado no mundo.” Em síntese apertada, porém completa: falar em “sacralidade do cosmos” é incorrer em pleonasmo, tendo em vista que todo cosmos é necessariamente sacralizado, pois surge de um ponto fixo, de um Centro imutável; do contrário, restaria o caos informe composto de elementos heterogêneos flutuando indefinidamente na imensidão do vácuo.

Disto depreende-se que Guénon e Eliade estão dizendo a mesma coisa de formas diferentes, a saber: o destronamento do Sagrado realizado pelo indivíduo ocorreu apenas no domínio relativo da multiplicidade, onde uma miríade de noções muitas vezes antagônicas combinam-se para formar aberrações conceituais que, numa sociedade tradicional seriam, no mínimo, objeto de ridicularização e de desprezo. Por detrás desse domínio caótico de dissolução na multiplicidade pura, contudo, o Absoluto continua reinando como princípio ordenador da realidade. Cabe a cada um de nós proceder ao resgate de um estado de coisas em que a diversidade encontrará, enfim, uma unidade que a transcenda. Essa é a proposta nuclear dos luminares da escola perenialista, e um dos eixos em torno do qual gravitam os principais postulados da Quarta Teoria Política, que, a seu turno, nada mais é do que uma tentativa de concretizar, na esfera político-filosófica, aquilo que os perenialistas trataram no plano esotérico, guardadas as devidas proporções.

Não deixa de ser intrigante verificar que a estratégia metateórica desenvolvida por Aleksandr Dugin vai na contramão do programa iluminista legado aos niilistas liberais: enquanto estes procuram trazer o Absoluto para o nível relativo da multiplicidade (foi isto, aliás, que fez com que o comunismo e o nazi-fascismo fossem incorporados pela mentalidade liberal na Modernidade tardia, contribuindo para torná-la hegemônica), aquele pretende neutralizar essa confusão com o intuito de devolver a cada teoria política o que elas têm de próprio, de autêntico e de legítimo. Daí a escolha do Dasein heideggeriano como agente da Quarta Teoria Política.

Martin Heidegger dizia que no interstício entre o nascimento e a morte nós, na condição de entes precários e finitos, estamos jogados no mundo sem saber de onde viemos e para aonde vamos, cabendo-nos tão somente desempenhar a tarefa hermenêutica de interrogar o sentido do Ser através de nosso poder-ser mais próprio, autêntico e originário. O momento em que nós fazemos isso da maneira mais formidável é aquele em que Dasein (a existência) se angustia para si mesmo diante do Nada ou de seu ser-para-a-morte. “A angústia”, diz o filósofo da Floresta Negra em Ser e Tempo, “abre, de maneira originária e direta, o mundo como mundo”; e é aí que passamos a nos enxergar, intuitivamente, como partes do Ser total – o Absoluto, no léxico guénoniano –, daquilo que não pode ser descrito por palavras nem qualificado pelas categorias engessadas do entendimento humano. A ontologia fundamental de Heidegger, no contexto da Quarta Teoria Política, serve ao propósito de clarear os limites e as proporções do desafio de olhar o Nada de frente, tornando possível apreendê-lo, não em seu aspecto exclusivamente negativo como fizeram e fazem os liberais niilistas, mas como o pano de fundo sobre o qual se desdobra a nossa experiência, o início e o fim da nossa caminhada rumo à compreensão daquilo que nós mesmos fomos, somos e seremos desde o transcurso de um tempo sem início, na unidade indiferenciada dos três ek-stases da temporalidade: o porvir, o vigor de ter sido e a atualidade; lá onde os Kiríllovs, os Stavróguins, os Vierkhoviénskis e todos os demônios niilistas de nossa época perdem o direito absoluto de recriar o mundo à imagem e semelhança do inferno que escolheram chamar de seu.

 

REFERÊNCIAS:

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Bestbolso: Rio de Janeiro, 2010.

DE BENOIST, Alain. The Problem of Democracy. Arktos: United Kingdom, 2011.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Demônios. Editora 34: São Paulo, 2013.

DUGIN, Aleksandr. A Quarta Teoria Política. Austral: Curitiba, 2012.

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Livros do Brasil: Lisboa.

GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno. Editorial Vega: Lisboa, 1977.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Vozes: Rio de Janeiro, 2015.

TURGUENIEV, Ivan. Pais e Filhos. Abril Cultural: São Paulo, 1981.