As Raízes Metafísicas das Ideologias Políticas
Abas primárias
A Confusão das Definições na Ciência Política
O caos reina na ciência política moderna, na sociologia e nas disciplinas que se tornaram inseparáveis desses ramos, como a história da religião, a etnologia e a antropologia (as quais se tornaram limitadas a estatísticas e economicismo), principalmente em relação às definições mais fundamentais de correntes políticas como o fascismo, o comunismo, o socialismo, a democracia, etc.
Apesar de que comunistas, fascistas e democratas, via de regra, definirem vaga e contraditoriamente suas posições ideológicas (fato explicável em grande parte pelos objetivos puramente panfletários), ao mesmo tempo todas as proporções foram finalmente distorcidas em meio à popularidade particularmente ampliada das metodologias da New Left [Nova Esquerda], da qual o próprio termo "fascismo" foi transformado em sinônimo para tudo aquilo que há de ruim, enquanto que "comunismo" (leia-se "liberdade de vontade") se tornou um termo para designar tudo o que há de bom.
Por outro lado, dentre os democratas moderados e dos liberais moderados, outra definição se tornou popular, aquela empurrada pelos sovietólogos de que "comunismo é fascismo". Quando se trata de fatores como religião, governo autoritário, especificidade nacional e cataclismas ecológicos, então as estruturas lógicas desmoronam em conjunto e qualquer razoabilidade nas definições é substituída por paixão, emoção e simpatias individuais e nacionais, dentre outras coisas.
Tudo isso é até mesmo característico da nossa ciência política russa também, até certo ponto, cuja condição foi deteriorada não só pela considerável aleatoriedade da ciência política externa, para a qual muitos sociólogos russos se orientam, mas também por conta dos vários anos nos quais era preciso ou "dormir intelectualmente" ou simplesmente esconder as próprias opiniões sobre política, o que, no fim das contas, ocasionou a dominação das "declarações indiretas" expressas sempre com um olho no dogma totalitário, do qual era impossível se afastar um só passo.
Assim, não só a nossa ciência política enquanto disciplina, que estuda o espectro e a proporção das ideologias, mas também nossa própria política, ou seja, a esfera das assertivas ideológicas atualmente diretas (não aquelas analíticas) se transformou em algo composto por teses irracionais e contraditórias, discussões grotescas e absurdas, um sistema de dicas que formaram o "argo"[1] soviético que só pode ser decodificado com o conhecimento de códigos particularmente sofisticados, compreendidos exclusivamente pelas próprias "elites" e pelos "sovietólogos ocidentais".
Seja como for, a necessidade de dar definições claras aos princípios e às relações de diferentes tipos de ideologias continua sendo relevante, até o ponto em que a possibilidade de posicionamentos ideológicos não-censurados possam em breve se tornar a norma na Rússia. Nessa situação, propomos nossa própria variação do esquema político fundamental que, em nossa opinião, ajudará a cortar o nó górdio[2] das contradições políticas e isolar os principais complexos ideológicos irredutíveis e "extremos" ideológicos cujas variações e combinações numerosas formam o espectro multicolorido da política global contemporânea.
De maneira alguma afirmamos que a nossa compreensão é absoluta, pois ela continua a ser um esquema e, portanto, deve ser tomada como uma abordagem bastante aproximada. Ao mesmo tempo, no entanto, estamos convencidos de que nenhuma imagem sintética ou holística pode ser obtida quando focamos em detalhes e nuances.
Pelo contrário: aplicar o princípio ao concreto é sempre uma tarefa fácil e puramente técnica. Além disso, em nossa opinião, é o medo da esquematização e do compromisso com o método analítico que levou a ciência política ao miserável estado em que se encontra hoje, um estado de "pobreza luxuosa". Em nosso estudo, vamos empregar diversas esferas do pensamento humano, começando, naturalmente, pelos conceitos religiosos e metafísicos, já que é nesse nível, direta ou indiretamente, afirmativa ou negativamente, que as especificidades de diferentes plataformas políticas são predeterminadas.
O Dogma Metafísico por trás das Cortinas
Acreditamos que as origens da política e da autodeterminação política do homem são, em primeiro lugar, decorrentes de certos dogmas metafísicos, e que só depois slogans e clichês da realidade social específica (através da qual esses dogmas encontram sua expressão direta) são desenhados. Além disso, na maioria dos casos, esses dogmas permanecem inteiramente nos bastidores, e não apenas os representantes comuns de uma ideologia, mas às vezes também seus expoentes ou "criadores", sequer fazem a menor ideia disso. Esses dogmas metafísicos podem enraizar-se numa pessoa por meio da implicação semântica de símbolos e signos tradicionais (o fator cultural e social), através de atitudes psico-mentais inatas (o fator psico-genético), ou através da reação existencial do homem ao Ser (o fator existencialista). De toda forma, os dogmas metafísicos que predeterminam a ideologia são experimentados pelo homem como algo interno, incondicional e como algum tipo de imperativo existencial.
Talvez seja exatamente por isso que as tentativas de identificar esse dogma em sua forma pura são muitas vezes abomináveis, e provocam reações repulsivas. Isso também pode ser visto num nível mais superficial, quando o portador duma doutrina política específica geralmente costuma determinar a essência de sua posição principal (e não uma posição específica em relação a uma determinada questão) mas, ao invés disso, identifica sua posição como algo auto-evidente. Por exemplo: existem comunistas que desconhecem o fato de que a ideologia comunista pertence à categoria de ideologias "esquerdistas", uma categorização consistente com sua posição objetiva, e que, ao invés disso, acreditam que o comunismo não é nem de Direito nem de Esquerdo, mas sim de "Centro" ou "naturalmente verdadeiro".
Independentemente de os adeptos de certos pontos de vista políticos ou cientistas políticos analíticos sofisticados poderem protestar ou não, isso nada mais é do que generalizar os princípios ideológicos e os dogmas metafísicos das ideologias que permitem de algum modo navegar pelas complexidades dos processos políticos contemporâneos. Livros como "Os Fanáticos do Apocalipse", de Norman Cohn[3], ou "O Fenômeno Socialista ", de Igor Shafarevich[4], além das obras de Alain Besançon[5] (escritas como tentativas de generalização em escala global), apesar de todo o ceticismo exibido em relação a eles, mais cedo ou mais tarde se tornarão pontos de referência que serão orientadores para a maioria dos especialistas do ramo, serão criados modelos mais detalhados e minuciosos.
Nesse sentido, enquanto generalizam algo, até mesmo os ideólogos quase irracionais dos [assim chamados] Novos Filósofos (como Lévy[6] e Glucksmann[7]) são frequentemente considerados como pontos de partida para o estudo de sociólogos e cientistas políticos mais "sóbrios" e "racionais". Além disso, é precisamente no nível de generalizações globais que representantes de visões de mundo diametralmente opostas geralmente adotam uma mesma imagem objetiva sobre o espaço ideológico.
Apesar de que se possa, naturalmente, colocar ênfases morais e valiosas em polos opostos nesse espaço, ao mesmo tempo, sem essas generalizações, o uso de certos termos por um grupo político ou outro é tão diferente que a impressão é feita [de modo] que as pessoas possam aderir a diferentes ideologias pertencentes a universos completamente diferentes, sem nenhum plano comum. No entanto, é precisamente o acordo sobre o quadro objetivo do espaço ideológico entre antagonistas políticos e o acordo produzido por generalizações e esquemas globais que trouxeram vida à marca da "fusão do extremismo de Direita e de Esquerda".
Essa marca, que seria completamente insensata se a entendêssemos de modo literal, é, de fato, um tipo de determinação distorcida do "acordo sobre a generalização objetiva" entre os ideólogos mais profundos das mais diferentes orientações que, com a máxima clareza, compreendem os dogmas metafísicos subjacentes a suas próprias posições. Isso contrasta com o portador comum de ideias, que atua mais pela inércia ideológica e que não separa a causa do efeito ou, em outras palavras, a ideia de seu elemento operador, ou seja, de si mesmo. Foi o que Dostoiévski[8] tinha em mente quando descreveu o personagem Kirillov em seu romance intitulado "Demônios", como tendo sido "devorado por sua ideia".
Assim, só podemos falar sobre o extremismo no sentido etimológico desse termo, ou seja, como a penetração "máxima" (o "extremo", o "limite") da essência das próprias posições - e de outras. Ao invés duma "coincidência" ou "fusão" de opostos, na realidade estamos lidando com os defensores da "compreensão" das ideologias contrárias (ou da falta delas, o que não seria mais o "extremismo"), das origens profundas e dos dogmas metafísicos que surgem na superfície por meio de slogans, ideias e doutrinas propagandísticas pragmaticamente avançadas de certas forças políticas específicas. Na verdadeira vida ideológica, assim como na realidade em geral, os opostos não coincidem, pois, de outro modo, a luta espiritual das posições metafísicas e da própria realidade seria [formada] de espetáculos ilusórios desprovidos de qualquer significado final.
Paradigmas nas Sociedades Tradicionais
Para buscar por termos que sejam adequados para caracterizar as tendências filosóficas fundamentais que usaremos em nosso esquema, seria melhor utilizar a história das sociedades tradicionais, ou seja, aquelas sociedades em que os dogmas metafísicos eram expressos diretamente na metafísica língua. Não há nenhum tipo de sociedade onde seja mais fácil encontrar "casos limítrofes" (alojados fora do tempo) - fatores que motivam a história ideológica da humanidade, aqueles que não expiram nem desaparecem, mas que apenas mudam de forma ao longo da história, como acontece com o corpo humano, que não difere muito em sua estrutura, mas que apresenta proporções diferenciadas entre as raças - do que nas sociedades tradicionais.
Ideologia do Polo-Paradisíaco
O primeiro tipo de ideologia que podemos distinguir é a ideologia do Polo-Paradisíaco, que, historicamente, se manifestou na tradição gnóstica, no esoterismo e na doutrina interna e secreta dos ensinamentos religiosos e no plano político como o imperialismo sagrado dos gibelinos[9] da Europa feudal e, finalmente, por meio do nacional-socialismo alemão do século XX. A essência dessa posição equivale a afirmar o sujeito da natureza divina que está no coração (no polo ou no meio) como dominando completamente o cosmos sacralizado (daí [o termo] "paradisíaco"), o cosmos espelho, no qual nada se reflete além d'O Próprio Sujeito, O Sal da Terra e do Céu.
Nada existe fora d'O Sujeito Divino, nem acima d'Ele, nem em torno d'Ele, nem abaixo d'Ele; não há nenhum princípio metafísico superior que se deva levar em conta [no sentido] espiritual e, portanto, é algo absolutamente livre e inseparável de Deus. Deus está dentro d'Ele. Esta posição corresponde à afirmação de Cristo da máxima do Antigo Testamento no Evangelho: "Eu disse: vocês são deuses"[10]. Não existe Deus fora d'Ele. Assim, no cosmos, na natureza e na Terra, há apenas a reflexão do Sujeito Divino, sendo, portanto, sinônimo de Paraíso - não um obstáculo à Sua Vontade, mas [sim] uma extensão de Sua Vontade, a realização de Sua Vontade, é [seu] "Grande Corpo ". Tais são os princípios essenciais da visão de mundo polar-paradisíaca.
Onde quer que essa visão de mundo surja, imediatamente emergem os temas do Sujeito Divino como o Herói, a Divina Encarnação, o Santo Imperador, o Líder Angélico e o Profeta dum lado, e, por outro, o Cosmos Sagrado e o Sombra e extensão do assunto sem oposição a ele. "Outro Mundo", "mundo melhor", "Reino de Deus na Terra", "Império Sagrado", "Novo Céu e Terra Nova", "Novo Paraíso", "Reich de mil anos", etc. - todos esses podem ser sinônimos dum cosmos tão sagrado. Quaisquer que sejam as formas históricas deste tipo de ideologia, absolutamente todas se desenvolvem a partir desse paradigma intrínseco ao Sujeito-Polo e ao Paraíso-Cosmo. A ênfase sempre recai sobre a ausência duma distância intermediária entre este polo imanente e o Absoluto, o Princípio Transcendental que se abre a partir do Sujeito-Polo como este próprio Sujeito como sua dimensão interna.
Via de regra, a visão de mundo do Polo-Paradisíaco é estritamente orientada de forma monárquica, ou seja, na história real, ele [esse polo] se esforça para maximizar a figura do governante, [que é] necessariamente a do [elemento] Angelizado do "lado polar". Junto a isso, [esse polo] tende a "horizontalizar" a distribuição do poder desse governante por meio da expansão imperial e do desenho na esfera das coisas sujeitas a ele, e a esfera do reflexo de sua personalidade, uma quantidade máxima de espaço cósmico, que é assim convertida no Paraíso (o Império Sagrado) ou no campo da dimensão sacro-celestial restaurada.
Aqui, no entanto, deve-se ressaltar que tal monarquismo e tal "imperialismo" nem sempre correspondem às monarquias e impérios históricos, na medida em que o fundamento dessa visão de mundo polar-paradisíaca é necessariamente combinado à totalidade. A falta de subjetividade dum monarca ou a falta duma dimensão celestial do cosmos, mesmo em meio à sua presença nominal, conduz à revolução gnóstica que, por sua vez, se esforça em restaurar o polo e o Paraíso em todo o seu volume metafísico, sem deixar espaço para a relatividade, para as circunstâncias ou para um "acordo coletivo."
Como uma tendência fundamental, a ideologia polo-paradisíaca nunca se limitou exclusivamente à esfera política, mas também se projetou no domínio da pura especulação, dos ensinamentos religiosos e das "ciências sagradas". Na tradição hermética do Ocidente medieval em particular, o símbolo central era o "Rei Alquímico", o "Enxofre Vermelho ". Na tradição hindu, existe uma escola inteira de práticas iniciáticas e realização espiritual chamada Raja Yoga[11], ou "Yoga Real". Além disso, os termos "Rei", "Monarca" ou "Tsar" são os mais comuns na maioria das escolas esotéricas, [assim] como entre os místicos cristãos (o Rei Celestial), os muçulmanos (especialmente os xiitas), os lamaístas[12], os judeus gnósticos (cabalistas), etc.
Na verdade, esses dois lados da ideologia, da política e da religião polar-paradisíaca nunca foram completamente desconectados - nem na antiguidade, quando os sacerdotes participaram do processo de governo monárquico nos antigos Estados [Reinos] do Oriente, nem na modernidade, como na Alemanha nos anos 1910 a 1920, quando os esoteristas das sociedades herméticas secretas, caracterizadas por particularidades raciais (os herdeiros dos portadores da ideologia polar-paradisíaca na Idade Média - templários[13] e gibelinos) , participaram ativamente da formação do nacional-socialismo. O mesmo pode ser dito em relação à gnose xiita[14], centrada na pessoa do Imam oculto, um análogo ao Sujeito Divino, que é inseparável dos eventos políticos contemporâneos que se desenrolam no Oriente Médio, especialmente no Irã.
Podemos também dar como exemplo as Rosacruzas[15] europeias, cujos símbolos fundamentais, a Rosa e a Cruz, significavam os quatro rios do Paraíso na Terra (a Cruz) e o espírito do Iniciado encontrando-se no Polo, no centro do Paraíso, no ponto de convergência dos quatro rios (a Rosa). O próprio chefe da organização Rosicruciana possuía o título de "Imperator" [Imperador], o que faz com que todo o sistema de correspondências seja completamente genuíno. A influência dos Rosicrucianos sobre o processo político na Europa foi extremamente considerável, como no caso dos autênticos Rosacruzes, até 1648, participando ativamente da Reforma[16] e doutros fenômenos políticos pós-medievais mais importantes, bem como no caso de organizações pseudo-rosacruzas ao estilo das Sociedades Rosicrucianas na Ânglia, da Aurora Dourada no Estrangeiro, da HB De L., A.M.O.R.C., etc., que, no final do século XIX e início do século XX , participaram de todos os eventos políticos e geopolíticos mais importantes da política ocidental.
Ideologia do Criador-Criação
O segundo tipo de ideologia é a ideologia do "Criador-Criação", que pode ser chamada puramente de conservadora. Essa ideologia corresponde ao lado exterior esotérico dos ensinamentos religiosos, mas também pode manifestar-se e predominar em sociedades irreligiosas, em virtude da inércia. A forma mais pura dessa ideologia pode ser observada em organizações da Igreja do tipo católico ou na Ummah[17] islâmica (principalmente nos sunitas). Por via de regra, seria mais preciso aplicar os termos "teocracia" ou "clericalismo" aqui.
Esse tipo também pode ser definido como a visão de mundo "perdida para o paraíso", onde, ao contrário do princípio do polo-paradisíaco, esse tipo de visão de mundo coloca o sujeito não no centro do mundo (no polo), mas sim em sua periferia. O próprio mundo é equiparado aqui não ao Céu ou ao Paraíso, mas à criação que separa a criatura do Criador. Como uma questão de curso, esse sujeito periférico, um elemento pós-queda que foi expulso do Paraíso, já não é reconhecido no Divino Mestre, ao qual o cosmo é completamente subordinado como extensão de Sua vontade. Ele se torna um outcast [pária] separado do Criador pela Criação, o qual se torna um território ambíguo na medida em que, por um lado, essa Criação esconde o Criador (o aspecto negativo [dessa ideologia]), enquanto, por outro lado, trás o selo do Criador, o que significa que isso o revela indiretamente (o aspecto positivo [dessa ideologia]).
É com este postulado que o pensamento religioso começa a se desenvolver e pode evoluir da maneira mais diferenciada da pura apofática[18] (negando a possibilidade de conhecer o Criador através da Criação) para a pura catafática[19] (afirmando a possibilidade de conhecer o Criador na Criação todos os Até o ponto em que os panteístas equiparam os dois).
A ideologia do Criador-Criação ou o "criacionismo" (do creare latino - para criar) é em todas as formas e as variações sempre se opõem à abordagem gnóstica da ideologia polar-paradisíaca para a qual o tema da Criação ou a separação do Criador e Criatura é completamente estranho . De fato, a frente principal da luta ideológica na história é executada entre esses dois tipos de ideologias. Examinemos isso em maior detalhe.
O Sujeito Divino está no centro do mundo, e o mundo está sujeito e subordinado a Ele. Neste caso, se esse estado de coisas é violado, a ideologia polar-paradisíaca não muda seus princípios, mas, simplesmente ao reconhecer um desvio das circunstâncias da norma, procura restaurar essa norma. Na ideologia polar-paradisíaca, o Sujeito Divino não pode ser expulso do Paraíso, na medida em que morar no Paraíso é uma categoria inalienável de sua identidade. Isso significa que o Sujeito Mestre nunca pode ser transformado num sujeito pária. O primeiro pode simplesmente se esconder - junto com o Paraíso (o Imam oculto dos xiitas, o Imperador Adormecido dos gibelinos, etc.).
Os seres que não conhecem o Sujeito Divino nem o Paraíso são, do ponto de vista da visão de mundo polar-paradisíaca, simplesmente desprovidos de realidade fundamental, de ficção e, portanto, não têm o direito de estabelecer uma nova metafísica como a do Criador-Criação, na medida em que não existe um sujeito proibido ou, em outras palavras, um marginal que não possa ser o sujeito. Daí surge a forma extrema do anticlericalismo gnóstico e a noção de Criador do Mal, o Demiurgo do Mal.
A noção do Demiurgo do Mal é baseada no pressuposto de que, se o fato da separação do Criador e da Criação não puder ser aceito por qualquer motivo, então nem o Criador nem a Criação são espiritualmente positivos. Assim, seguindo essa lógica, o Criador não é outro senão o Mau Usurpador (o gnóstico 'Awtad[20] ou o Samail[21] dos albigenses[22]), e a Criação é, como consequência, nada mais do que uma ilusão maligna, temporária, um véu sobre o Paraíso. Também se observa que aqueles que defendem a visão de mundo polar-paradisíaca se opõem ao sujeito não-polar e ao cosmos não-paradisíaco (da totalidade das quais as noções de Deus dentro e fora de Deus, o Sujeito e o Criador Distante se originam), não à ideia do Espírito ou do Próprio Deus.
Por outro lado, a ideologia esotérica e clerical do Criador-Criação considera os portadores da doutrina do polo-paradisíaco como [agentes] subversivos contra os próprios fundamentos da Religião e da Fé, na medida em que rejeitam as duas figuras fundamentais desta ideologia: o sujeito pária e o Criador por trás da criação. Além disso, eles são vistos como se colocando logicamente (em virtude de serem envolvidos direta ou indiretamente com o Sujeito Divino) no mesmo nível que o próprio Criador, e às vezes acima d'Ele. Tais conclusões lógicas permitem que a consciência clerical identifique os adeptos da visão de mundo polar-paradisíaca como luciferianos ou satanistas, como inimigos de Deus e do homem. Na verdade, essas próprias noções devem caracterizar tipicamente o "orgulho polar-paradisíaco".
A negação fundamental dos gnósticos dum sujeito proscrito, no entanto, não impede o reconhecimento de tal figura, embora sem postulá-lo como subjetividade. Isso conduz logicamente os gnósticos a um dualismo antropológico e à afirmação das desigualdades irremediáveis. Todas as pessoas são, para o Sujeito Polar, divididas em duas categorias: Deuses-Homens, Sujeitos Divinos e Super-Homens (a elite, a aristocracia espiritual, as pessoas superiores, os "Sonnenmenschen"[23], os "Filhos da Luz", etc.) e animais não subjetivos (plebes, pessoas inferiores, subhumanos, "Tiermenschen"[24], os "Filhos das Trevas"). Aqui, surgem as diferenciações de castas, raças ou intelectos, encontradas em todos os ensinamentos puramente esotéricos. O sujeito pária da ideologia Criador-Criação é naturalmente entendido pelos gnósticos como pertencente à categoria inferior de pessoas. Tal abordagem confirma todas as suspeitas dos esotericistas sobre o gnosticismo.
No entanto, deve-se notar que a própria tradição cristã era originalmente paradisíaca em relação ao clericalismo judaico, na qual a ideologia Criador-Criação é mais óbvia e explícita, devido à afirmação do "Novo Homem" dos apóstolos nascido do reconhecimento da encarnação da Palavra de Cristo - Immanuel [Emanuel] (isto é, "Deus conosco"). Em poucos séculos, a gnose cristã, insistindo no polo paradisíaco dominante, entrou em conflito com a ortodoxia já não mais judaica, mas puramente cristã, ou seja, a versão clerical do Cristianismo na qual o tema Criador-Criação deu cada vez mais lugar ao "paraíso recuperado".
O complexo gnóstico foi gradualmente deslocado e se retirou para o domínio das organizações esotéricas secretas e, às vezes, das seitas heterodoxas. Os albigenses e os cátaros[25] foram os últimos representantes do "Cristianismo polar" na Idade Média. Este complexo polar-paradisíaco reapareceu mais tarde no Anabatismo[26] e na Reforma, embora de forma consideravelmente distorcida.
Dentre os vários aspectos essenciais da ideologia do Criador-Criação, estão inclusas sua característica catolicidade, sua fé e sua estabilidade conservadora. A sua catolicidade (do grego katolikos, que significa "tudo em conjunto") é o resultado da não-divindade do sujeito pária que, tendo perdido a posição central no mundo, não é mais autossuficiente e, portanto, precisa de integração social, ou seja, da entrada no diálogo com outros sujeitos marginalizados. Esta catolicidade é necessária aos adeptos da ideologia Criador-Criação, uma vez que somente através do envolvimento dum número excessivamente grande de parentes individuais do Paraíso no processo de busca do caminho do retorno é que a consciência clerical vê uma oportunidade de mudar o status do sujeito não-divino.
A catolicidade pode e deve assumir a hierarquia, mas esta hierarquia é construída a partir do fundo, enquanto a personalidade mais "católica" deve estar no topo. Em contrapartida, a hierarquia da consciência polar-paradisíaca é construída a partir do topo, começando com o Assunto Divino que não é católico ou composto, mas absolutamente integral, com o grau de não-integralidade crescente com a distância pela escada hierárquica. Essas diferenças podem ser rastreadas no exemplo dos sunitas e das suposições xiitas sobre o poder político. Os sunitas (o ramo esotérico do Islã) representam o poder eleitoral, no qual a maioria avalia as qualidades religiosas dum determinado candidato, enquanto que os xiitas insistem no direito do poder hereditário destinado a assegurar a continuidade genética da raça do primeiro Santo Imam.
A necessidade da fé decorre do fato de o Criador estar escondido atrás da criação, o que, para o crente, supõe uma consciência puramente religiosa como um ato volitivo de afirmar o impetuoso. A fé é uma qualidade integral do sujeito proscrito. A posição do polo-paradisíaco, ao contrário, é baseada em conhecer. Daí o título característico de "gnose" ("conhecimento") e "gnóstico" (conhecedor). O conhecimento pressupõe o contato direto e já estabelecido com Deus internamente e a evidência do deus interno que torna a fé redundante. A consciência esotérica acredita que os gnósticos afirmam que o "conhecimento" é o satanismo e a autoexaltação não qualificada.
Finalmente, a estabilidade conservadora da ideologia Criador-Criação repousa em sua atitude neutra em relação ao Ser como um todo. Essa atitude não pressupõe transformações súbitas, traumáticas ou abruptas, e essa neutralidade é fundamentada numa atitude essencialmente ambivalente em relação à Criação. As abordagens apofática e catafática assumem uma duração indefinida que é tão imprecisa quanto os limites da própria Criação. Em outras palavras, pode-se arbitrariamente (e por tanto tempo quanto desejado) considerar o aspecto positivo do cosmos e encontrar nele as marcas do Criador e, assim como distinguir indefinidamente os contrastes da Criação com o Criador, para tal não se pode mudar o status essencial de pária para o sujeito ou o Deus Criador.
O princípio da catolicidade é, por definição, incapaz de se desenvolver no princípio da indivisibilidade, e o princípio da fé não pode se tornar o princípio do conhecimento sem ir além do quadro da ideologia do Criador-Criação. Tal é, de fato, o caso dos clericalistas que trataram a noção de Criador-Criação como algo transitório, concebido apenas para realizar o verdadeiro nascimento do Sujeito e a verdadeira descoberta do Paraíso. Se eles desejavam formar intelectual e doutrinariamente suas aspirações espirituais e não se contentassem com a realização espiritual misteriosa e "eremita", então eles imediatamente "caíam em heresia", ou seja, ficaram de fora da ideologia religiosa esotérica e foram excomungados.
Deve-se notar também que a visão de mundo polar-paradisíaca está longe de ser conservadora, sendo, em vez disso, escatológica, uma vez que a alegada ausência de polaridade paradisíaca no Ser é sentida como o mal absoluto. A seguir, uma luta profunda e intransigente deve ser travada contra quaisquer condições não paradisíacas (enquanto a condição de Criador-Criação não é paradisíaca aos olhos dos próprios conservadores). A visão de mundo do polo-paradisíaco para pôr fim ao Ser não paradisíaco, isto é, o fim do mundo (daqui a escatologia, [que é] a "ciência do fim") representa uma constante tendência desestabilizadora, em última instância, visando a própria abordagem conservadora contra a manutenção do status quo religioso.
Encontramos este pathos[27] escatológico em todos os tipos de visão de mundo polar-paradisíaca dos gnósticos cristãos e dos xiitas extremos (islâmicos) ate a Reforma Luterana e o levante nacional-socialista que proclamou o início do Reich de mil anos, o Terceiro Reich, o Terceiro Reino ou o místico Reino do Espírito Santo do místico cristão Joaquim de Flora[28] (o primeiro reino é do Pai, o segundo do Filho e o terceiro do Espírito Santo).
As posições ideológicas de Criador-Criação e Polo-Paradisíaco convivem muitas vezes dentro da mesma sociedade, da mesma tradição ou dentro dum mesmo sistema político. No entanto, isso de modo algum nega a enorme diferença entre eles. Esses tipos ideológicos são irreconciliáveis, como o fogo e a água, a luz e a escuridão, e é entre eles que as batalhas se enfureceram (a cruzada albigense[29], o califado fatímida[30], a guerra dos guelfos[31] e dos gibelinos, a Revolução Francesa[32], etc.), tão ferozes que seria impensável ocorrer o mesmo entre meras tradições, religiões ou sistemas políticos diferentes.
A forma política da ideologia Criador-Criação pode encontrar expressão na "teocracia" esotérica, bem como no Estado jacobino[33], o Estado-nação. Como o brilhante cientista político Carl Schmitt[34] mostrou, a "teologia do Estado" é preservada, independentemente da manutenção das organizações estritamente religiosas em relação às posições centrais na sociedade existir ou não. O princípio do Criador-Criação também determina a especificidade tipológica da teocracia wahhabi da Arábia Saudita ou o "Estado absoluto" fascista de Giovanni Gentile[35], que desenvolveu teses hegelianas para suas conclusões finais e lógicas. Uma das características mais marcantes duma posição ideológica tão particular e única é o seu anti-escatologismo obrigatório e fundamental, que é igualmente peculiar aos regimes seculares e ideologias com acentuações de harmonia religiosa.
Na verdade, o anti-escatologismo religioso da ideologia Criador-Criação tem seu lugar, mesmo quando a própria religião é explícita e inequivocadamente escatológica, como é o caso do Cristianismo, no qual é afirmado doutrinariamente que Cristo vem ao mundo imediatamente antes do fim do período mundano, bem como no caso do Islã, que os muçulmanos consideram ser a última Revelação pré-escatológica. Isto também explica em particular o "antinazismo" de muitos países ocidentais, como a Inglaterra e os EUA, por um lado, e o anti-iranismo contemporâneo de muitos regimes do Oriente Médio e do Norte da África, por outro. Em ambos os casos, a questão fundamental que está sendo tomada é a rejeição do pathos escatológico, seja do übbermensch[36] ariano no primeiro caso ou da Revolução Islâmica mundial, associado à aparência do Imam do Tempo no outro.
A Ideologia da "Matéria Mágica"
A terceira posição fundamental é a do "materialismo místico", a ideologia da "Matéria Mágica", ou "panteísmo absoluto". Esse tipo de ideologia nega tanto os pares Paradise como o Criador-Criação. Também pode ser equiparado ao ateísmo puro. Aqui, o sujeito não é visto como o Senhor polar, cujo eu interior é o próprio Deus, nem é um parendido do Paraíso separado de um Deus externo, o Deus-Objeto ou Criação. Neste caso, o sujeito é levado a fazer parte do cosmos no qual o próprio cosmos é refletido e nada mais. Em outras palavras, o sujeito não possui Deus interno ou externo e não é mais que um espelho do mundo externo e, ao mesmo tempo, um elemento desse mundo. Assim, o ateu puro ou "materialista místico", de fato, atribui ao cosmos a qualidade da divindade, na medida em que as noções de Razão e Deus convergem essencialmente. Isso nos dá motivos para identificar essa ideologia como "panteísmo" ou "todo Deus", a identificação de todo o Cosmos e do Mundo com Deus. Uma das variedades mais impressionantes desta posição é o cosmismo que, em princípio, pode ser considerado sinônimo de panteísmo.
Inseparável deste terceiro tipo ideológico é o conceito de evolução, isto é, a melhoria gradual e unidirecional da qualidade do cosmos até o ponto de perfeição. Se os adeptos do ideal do Paraíso-Pólo se esforçam para realizar o salto de uma vez e para sempre do não-paraíso e não sujeito ao Paraíso e ao Assunto, e se os adeptos da ideia Criador-Criação estão interessados em preservar o ontológico Status quo (em que a abordagem apopática seria equilibrada pelo catapha), então a "matéria mágica" está acima de tudo interessada em melhorar continuamente e gradualmente o cosmos cujo curso de inércia é, em última instância, auto-aperfeiçoamento por si só. No nível da ideologia, o significado da evolução e do progresso pode ser reduzido não a algum tipo de criatividade particularmente excessiva, mas simplesmente seguir o fluxo natural de eventos, eliminando ao longo desses obstáculos, antes de tudo, encarnados diante de conservadores clericais E imperialistas escatológicos. Em termos estritos, o sujeito da ideologia misto-materialista é o "servo da evolução", ou seja, um espelho que reflete o processo evolutivo com a máxima distinção e clareza.
Apesar de sua intransigência, o conflito entre gnosticismo e conservadorismo sempre (ou quase sempre) ocorre dentro dos ensinamentos religiosos. Afinal, não há dúvida de que mesmo os piores hereges nunca rejeitam a própria ideia de Deus. No nível da "teologia do estado", nem os gnósticos nem os "esotéricos" negam a necessidade da existência do Estado. O primeiro insiste intransigentemente no Império, enquanto que o último está satisfeito com o Estado-nação. Por sua parte, o materialismo místico é essencialmente irreligioso ou ateísta, na medida em que a Razão (Deus) não é apenas explícita (atrás do cosmos ou dentro do ego humano), mas é simplesmente óbvia e sempre visível para os portadores da idéia de Matéria Mágica, porque esse motivo é o cosmos para o qual não há a necessidade de procurar em nenhum outro lugar. O mesmo se passa com a ideia do estado, que é estranha em suas raízes para o materialista místico (como a tese de Marx sobre a destruição do Estado sob o comunismo, etc.).
Considerando que a ideologia do polo-paradisíaco fala do Sujeito Divino, do Sujeito Central e do mundo subordinado a ele, e a ideologia do Criador-Criação apresenta um sujeito desviado para a periferia de onde ele se afasta, mas ainda sendo indicativo da existência de Deus (ao escondê-lo em si ao mesmo tempo), "materialistas místicos" não conhecem nenhum sujeito. De acordo com a revelação do famoso marxista, György Lukács[37], o sujeito e o objeto coincidem no proletariado, ou seja, a figura central das doutrinas materialistas mais radicais. O proletariado é a máquina humana ideal ou o espelho humano. O mesmo pode ser dito essencialmente da noção de "noosfera" que "deduz" a mente do desenvolvimento evolutivo da matéria. Sem dúvida, essa mente é um espelho do mundo externo.
Essa abordagem do sujeito produz uma catolicidade particularmente materialista que, idealmente, implica na abolição da hierarquia mas, na prática, cria uma hierarquia especial baseada em graus de "cosmicidade", ou seja, duma classificação baseada na maior afinidade com a natureza material do cosmos externo . Aqui surge a necessidade de colocar um objeto ou máquina no topo do coletivo ateu como uma concentração da pobreza espiritual. Daí a doutrina bastante característica da "ditadura do proletariado".
Dentre as características dos "servos da Matéria Mágica" está um agnosticismo puro, ou seja, uma terceira via entre Gnose e Fé. O agnosticismo do materialismo místico é condicionado pela inadmissibilidade do sujeito que questiona o conhecimento, já que o sujeito, como parte integrante do cosmos, é apenas um dos fatos desse cosmos e nada mais; portanto, a capacidade reflexiva do sujeito (sua mente) não pode somar ou subtrair nada do fluxo do cosmos. Nesta visão, o conhecimento é idêntico ao fato cósmico, mas, na medida em que o cosmos está em movimento, o conhecimento é identificado com a prática, ou seja, é simplesmente descartado.
Em outras palavras, o agnosticismo é o resultado da ausência do par de "conhecedor" e "conhecido", que é necessário para o próprio conhecimento. Para os defensores da Matéria Mágica, a superfície absoluta do mundo coincide com sua profundidade absoluta. Aqui, seria interessante lembrar o aforismo de Nietzsche[38] sobre como "uma mulher precisa encontrar profundidade em sua superficialidade". Tal analogia não é ocasional, uma vez que a ideologia da Matéria Mágica tem um caráter matriarcal abertamente ginecocrático, em certo sentido sendo uma projeção do subconsciente feminino fechado em si mesmo.
Apesar do fato de que, em sua forma mais pura, a ideologia da Matéria Mágica apareceu completamente recentemente (o materialismo doutrinal verdadeiro e aberto é relativamente novo, com cerca de dois a três séculos de idade), a tendência "panteísta" existiu anteriormente como algum tipo de religião antirreligiosa escondida na realidade dentro duma cosmovisão religiosa. De tempos em tempos, o materialismo esteve presente nessa visão de mundo apenas indiretamente, fosse na forma da exegese panteísta ou "cosmicista" da Religião como o oposto absoluto da exegese polar-paradisíaca, fosse na forma gnóstica e puramente iniciática.
A tradição cristã, por exemplo, poderia de imediato tornar-se a base do gnosticismo cristão histórico (até nos cátaros da Idade Média), do cristianismo canônico judaico (criador-criação) e, finalmente, o cosmismo absoluto das doutrinas neo-espiritualistas de Fedorov[39] e de Chardin[40], em que o panteísmo puramente ateísta e evolutivo procura por um apelo nominal aos símbolos cristãos. No entanto, o que Fedorov e Chardin expressaram, de forma explícita e clara, pode ser velado por outros pensadores pseudo-religiosos.
Em qualquer caso, desde o início da propagação do Cristianismo (e com o Budismo antes dele, que se tornou a doutrina favorita dos panteístas orientais), tentativas foram feitas por teólogos individuais para reinterpretar a religião num espírito panteísta. No Cristianismo, isso se manifestou em destaque na humanidade do Verbo Encarnado e, da seguinte forma, na "nova sacralização" do mundo material após a Encarnação, apesar do absurdo completo dessas ideias de "sacralização total nova" que foram completamente refletidas nos Evangelhos e nas Epístolas dos Apóstolos, onde é claramente afirmado que o "mundo está no maligno" e que um novo cosmos sagrado é discutido como iminente não após a Primeiro, mas à Segunda (!) Vinda de Cristo.
Numa nota semelhante, se alguém pode realmente falar de algum tipo de continuidade entre o comunismo russo e a ortodoxia russa (como alguns autores fazem, em particular Berdyaev[41]), isso só pode ser relacionado ao Cristianismo cosmisista, panteísta e magico-materialista que desconsidera completamente o dogma essencial nas dimensões esotéricas (polo-paradisíaco) e esotérica (Criador-Criação) e desenvolve um tipo especial de visão de mundo materialista e, finalmente, ateísta, que não tem a menor correlação com o cristianismo genuíno.
Este mesmo cosmismo pode ser visto no Budismo Hinayana[42], que enfatiza a natureza espelhada e composta do sujeito como um "coágulo" temporário de energias cósmicas ou "dharmas"[43], que não possui autonomia espiritual (nem mesmo o status dum sujeito pária ). É precisamente esse ramo do Budismo que pode ser chamado de "ateísmo místico". O Budismo Hinayana, no entanto, em contraste com a ideologia completa da Matéria Mágica, não possui o evolucionismo necessário para o cosmismo ortodoxo, tornando-o um pouco diferente dos outros modelos de visão de mundo tipologicamente próximas.
O aspecto cosmisista é extremamente desenvolvido em mais uma doutrina mística, a saber, a Maçonaria europeia. As doutrinas maçônicas descendem das formas ocidentais do gnosticismo, ou seja, da ideologia polar-paradisíaca, que, num certo estágio histórico, foram reinterpretadas numa veia cosmisista e sujeitas à submissão ao ateísmo e à materialização. A cosmovisão maçônica teve um impacto enorme na consciência europeia em geral, mas foi mais escondida e latente do que a influência direta do Cristianismo. Gradualmente, ao longo do século XVIII e especialmente no século XIX, a Maçonaria modificou drasticamente suas orientações espirituais e ideológicas e, ao mesmo tempo que manteve alguns atributos externos, alterou diametralmente seu conteúdo interno. A partir desse momento, o evolucionismo, o panteísmo, o materialismo e o cosmismo começaram a desempenhar um papel extremamente importante na cultura e na ciência ocidentais.
O próprio fato de que quase todas as figuras culturais e científicas proeminentes foram membros de lodges [lojas] maçônicos é ignorado ou é considerado como uma [espécie de] formalidade simples, uma espécie de moda. Mas, na verdade, a maçonaria possui uma doutrina fundamental que corresponde a um tipo particular de consciência religiosa que não pode senão moldar as posições específicas dos maçons. Muitos dos desenvolvimentos culturais e científicos no Ocidente nos séculos XVII, XVIII e XIX tiveram correlações definitivas com as modificações realizadas em doutrinas e status maçônicos, quer em certos ramos da Maçonaria ou na Maçonaria como um todo. A submissão ao ateísmo dos estatutos maçônicos originou imediatamente a propagação do cosmismo e do evolucionismo "científico" europeu, tanto na esfera puramente metodológica e científica quanto na forma de movimentos neo-ocultistas, essencialmente panteísta (como a teosofia[44], o ocultismo, o neo -espiritualismo, etc.).
Assim como a visão de mundo polar-paradisíaca pode reinterpretar qualquer forma religiosa em seu espírito, a doutrina da Matéria Mágica, apesar de seu caráter essencialmente antirreligioso, usurpa uma forma religiosa para afirmar seus princípios. Enquanto isso, a posição Criador-Criação, como regra, evita a exegese radical das doutrinas religiosas, a fim de mantê-las intactas, mesmo ao custo de transformá-las em relíquias e conchas sem vida.
As Implicações Políticas dos Dogmas Metafísicos
Podemos agora resumir as posições sociopolíticas do século XX das três principais ideologias que distinguimos. Os defensores do polo-paradisíaco representam um Império Novo, celestial e escatológico formado em torno do polo do Líder sobre-humano (o Terceiro Reich e o Führerprinzip[45] do nacional-socialismo alemão). Os apoiadores da posição Criador-Criação estão ao lado da democracia e do liberalismo moderados, buscando preservar o status quo social dos indivíduos autônomos "marginalizados do Paraíso", sem abandonar a busca pelo Princípio perdido, mas, no entanto, não insistem nesse empreendimento (isso é especialmente verdadeiro para os regimes democráticos da Europa Central e dos estados norte-americanos dos séculos XVIII e XIX).
Finalmente, a doutrina da Matéria Mágica, aberta e originalmente ateísta, manifestou-se em sistemas políticos socialistas e comunistas, cujos tipos variam do cosmismo totalitário absoluto, como o Juche[45] coreano e o experimento do Pol Pot[46] cambojano (em que a noção pavlovense dos reflexos adquiridos do homem-objeto encontrou sua aplicação mais ampla), aos modelos contemporâneos e suecos da "sociedade de consumo", nos quais o cosmos natural e grosseiro dos "socialistas primitivos" foi substituído por um "cosmos" industrial, tecnológico, artificial e socializado - um verdadeiro sonho transformado em realidade pelos materialistas místicos.
Essas três posições que distinguimos nos permitem explicar certas contradições na história das ideologias que hoje desconcertaram muitos estudiosos. Em primeiro lugar, é claro pela nossa classificação que essas posições são essencialmente incompatíveis entre si e, sendo envolvidas na mesma forma ideológica tradicional, estamos certos de que, mais cedo ou mais tarde, elas derivam para um conflito interno no qual cada uma dessas posições afirma sua independência. A visão de mundo do polo-paradisíaco pode ser imperceptível por um longo período de tempo na tradição geral cristã, mas, mais cedo ou mais tarde, a Cruzada albigense e os cátaros gnósticos serão queimados em suas igrejas cristãs, incendiados pelas mãos dos portadores do Criador - da Idéia de criação.
Quanto ao outro exemplo, os socialistas podem permanecer indistinguíveis dos liberais ou dos democratas moderados, mas, mais cedo ou mais tarde, se os socialistas conseguirem aproveitar o poder, então os democratas e os liberais serão os primeiros enviados para a guilhotina ou as masmorras da Cheka[47], por serem fundamentalmente incompatíveis com as ideias de "servir a Evolução" e de desejar preservar o status quo e obstruir o progresso. As câmaras de tortura provocadas por incêndios criminosos e chekistas são [medidas] extremas, mas é um fato que esses três tipos de ideologias não podem deixar de estar em conflito um com o outro e, mais cedo ou mais tarde, isso sempre se manifestará duma maneira ou de outra.
Neste ponto, nos resta abordar outro aspecto. Quais desses três tipos de proto-ideologias, ou como os alemães diriam, Urideologien, são fundamentalmente incompatíveis entre si e quais podem entrar numa aliança? Em princípio, suas inter-relações não são bastante simétricas. Pode-se dizer, por exemplo, que a ideologia do polo-paradisíaco é a ideologia do Direito Absoluto, enquanto que a ideologia do Criador-Criação é o Centro Absoluto, e que o materialismo místico é a Esquerda Absoluta. Aqui, a palavra "absoluto" é empregada para traduzir essas definições da esfera da política concreta para o reino de suas origens metafísicas. Também podemos propor essa relação na seguinte ordem:
Direita Absoluta - Objeto sobre Objeto
Centro Absoluto - Sujeito ao lado do Objeto
Esquerda Absoluta - Sujeito sobre o Sujeito
ou
Direita Absoluta - História como a Queda; A necessidade de restauração instantânea; o primado da escatologia.
Centro absoluto - História como continuidade; a necessidade de preservar o equilíbrio entre o Espiritual e o Material.
Esquerda Absoluta - História como progresso; a necessidade de contribuir para a continuação e a aceleração do progresso por todos os meios.
Essas classificações metafísicas determinam a possibilidade de coalizões entre essas três posições. O Centro Absoluto e a Esquerda Absoluta podem se unir contra a Direita Absoluta (por exemplo, no caso das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial). Mas, para a Esquerda Absoluta, o Centro Absoluto também é um "fascismo" (como na propaganda stalinista ou para os novos filósofos). Portanto, a Esquerda Absoluta é, em última instância, incompatível com o Centro Absoluto e busca sua destruição. Às vezes, a luta contra o Centro Absoluto pode levar a Esquerda Absoluta a estabelecer uma aliança pragmática com a Direita Absoluta, mas, via de regra, essa aliança se dissipa muito rapidamente (como no caso do Pacto Molotov-Ribbentrop[48] ou da aliança nacional -bolchevique entre Lauffenberg[49] e o nazismo strasserista[50] na Alemanha na década de 1930).
Tudo isso nos permite compreender a lógica daqueles que insuflaram o nazismo (a Direita Absoluta) e o comunismo (a Esquerda Absoluta). Essa identificação só é possível para uma pessoa do Centro Absoluto, um defensor do conceito Criador-Criação. Curiosamente, pensadores políticos diametralmente opostos, como o patriota russo Shafarevich[51] e o famoso russófobo, o judeu Besançon[52], apesar de divergir completamente em praticamente todos os problemas concretos, podem exibir uma unanimidade surpreendente em seu ódio mútuo em relação ao socialismo soviético (a Esquerda Absoluta) e ao nacional-socialismo alemão (a Direita Absoluta).
Para Shafarevich, tanto o primeiro quanto o último são essencialmente manifestações dum impulso suicida, tanatófilo[53] e escatológico na civilização, cujas fontes ele encontra nos babilônios, em Platão[54] e, mais tarde, nos cátaros e nos anabatistas. Uma mistura semelhante do polo-paradisíaco com a matéria mágica é característica de autores patriotas russos (como Lev Gumilev[55] e Yuri Boroday[56]). Podemos até mesmo ver o mesmo no trabalho de Besançon quando ele chama os socialistas soviéticos e os nazistas alemães de "Marcionismo", ou seja, emblemáticos das tendências anti-judaicas, anti-criacionistas e gnósticas do Cristianismo primitivo incorporadas na figura de Marcion De Sinope[57].
Os movimentos escatológicos medievais também são vistos como precursores dos regimes comunistas e nazistas pelo intrigante cientista político, historiador e judeu Cohn[58]. Assim, tanto os judeus russófobos quanto os patriotas russos podem encontrar uma unidade na ideologia metafísica para além da oposição extrema de suas visões políticas particulares.
Esperamos ter explicado suficientemente os aspectos essenciais das raízes metafísicas da ideologia, a fim de anular as coincidências ou a aleatoriedade deste ou daquele autor. Além disso, pode-se dizer algo semelhante sobre vários outros intelectuais, cuja metafísica (às vezes nem mesmo percebida conscientemente) estabelece laços de princípios mesmo quando os detalhes políticos presumem uma lacuna intransponível.
Falar sobre um potencial de equilíbrio ou harmonização entre essas três proto-ideologias é impossível com base em relatos históricos, uma vez que, na realidade, a harmonia relativa surge apenas quando os governos ideológicos são aproveitados pelos proponentes duma dessas posições, pressionando ou lançando para a periferia dos outros [aparatos ideológicos]. Todas as receitas para a reconciliação são utópicas e pouco realistas.
Além disso, tais iniciativas são muitas vezes provenientes de círculos cosmistas que estão tão convencidos da razoabilidade e, mais importante, da positividade da evolução, que podem até mesmo abrir caminho para justificar a necessidade de barreiras à evolução nos interesses da evolução (este é basicamente o caso que ocorre com alguns projetos neo-maçônicos, com certa organização mundialista como o Clube de Roma[59], a Comissão Trilateral[60], etc., bem como algumas das ideias de Chardin, que propõe que os democratas, os fascistas e os comunistas devem se unir num só sistema político).
Por outro lado, existe algum tipo de continuidade na história entre esses três tipos de proto-ideologias. Quanto mais profunda é a antiguidade, mais clara e mais "totalitária" é o tipo de ideologia da Direita Absoluta, o complexo polar-paradisíaco. Na antiguidade posterior, o tipo de [dualismo] Criador-Criação começou a adquirir predominância e recebeu sua forma doutrinária mais pronunciada no judaísmo tardio e nas outras religiões abraâmicas[61]. Também neste período de "totalidade", as estruturas da ideologia do Criador-Criação ciclicamente exalavam as tendências paradisíacas-polares, desta vez fora do desejo de uma "Revolução da Direita", colorida com todo o escatologismo ascendente.
Finalmente, com a modernidade e o período contemporâneo, as tendências da Esquerda Absoluta passaram a desfrutar de maior propagação, engolfando e desnaturando os vestígios de formas tradicionais anteriores (Cristianismo Cosmicista, Hinduísmo Cosmicista e Budismo, Social-Democracia, Neo-Maçonaria ateísta, Judaísmo "esclarecido", etc.). Mesmo sob o domínio da Matéria Mágica, no entanto, as tendências do Centro Absoluto e do Direito Absoluto nunca foram completamente apagadas, e, na primeira oportunidade, acumulam energia de oposição que produz uma revolução teocrática ou polar-paradisíaca.
Assim, apesar da mudança de períodos e reinos, nossas três tendências ou tipos de visões de mundo não podem ser fundidas ou reduzidas em número. Ao contrário, as oportunidades oferecidas pelas formas externas que essas proto-ideologias podem tomar de acordo com as circunstâncias não são limitadas. Mesmo os modelos sincréticos mais complexos, concebidos para fundir elementos da Direita Absoluta, do Centro Absoluto e da Esquerda Absoluta, no entanto, não podem aliviar o proponente de tal empreendimento, intrinsecamente e invariavelmente, pertencendo a uma proto-ideologia cujas variações ideológicas ou formas alternativas seriam precisamente aquilo que compreende esse modelo sincrético.
Embora não desejemos terminar com essa nota de relatividade e pluralidade completa, gostaríamos de expressar nossa crença de que o segredo da história das ideologias globais ainda possui uma solução bastante direta. Mais cedo ou mais tarde, uma dessas três posições metafísicas se revelará a única e genuína posição verdadeira. No entanto, qual delas, exatamente, é algo que só o tempo dirá.
Notas:
Todas as notas e trechos inseridos entre colchetes foram colocados pelo tradutor dessa versão em português e não se encontram no texto original.
[1] Na mitologia grega, Argo (do grego Ἀργώ, "veloz") era a embarcação construída por Argus (de onde surge o nome), usada por Jasão e os argonautas para navegar em busca do velocino dourado. O barco era protegido pela deusa Hera. A melhor fonte sobre o mito é a obra Argonautica, de Apolônio de Rodas, que descreve o barco como tendo sido construído com ajuda de Atena e a primeira embarcação a navegar pelos mares. Após a expedição bem-sucedida de Jasão, o barco foi consagrado a Poseidon, no Ístimo de Corinto.
[2] "Nó Górdio" é um nó mencionado numa lenda que envolve o rei da Frígia e Alexandre, o Grande.
Segundo uma profecia, aquele que desatasse o nó górdio, aparentemente impossível de se desatar, seria coroado como conquistador do mundo inteiro. Em 334 a.C., 500 anos depois da suposta profecia, Alexandre, o Grande, desatou o nó simplesmente cortando a corda. "Cortar o nó Górdio" significa resolver um problema aparentemente insolúvel de maneira simples.
[3] Norman Rufus Colin Cohn nasceu em 12 de janeiro de 1915 e morreu em 31 de julho de 2007. Foi um acadêmico e historiador britânico nascido de pai judeu e mãe católica. Lecionou na Universidade de Sussex. O trabalho de Cohn focava na questão das motivações do fanatismo antijudaico e na tendência de se culpar minorias pelos mais diversos problemas sociais. Cohn buscou traçar as origens milenares dos temas religiosos nas antigas civilizações. Seu trabalho "Cosmos, Chaos and the World to Come: The Ancient Roots of Apocalyptic Faith" [Cosmos, Caos e o Mundo que Virá: As Antigas Raízes da Fé Apocalíptica] é sua obra mais significativa a esse respeito. Sua obra The Pursuit of the Millennium [A Busca do Milênio] foi considerada como uma das 100 mais influentes obras do século XX, de acordo com uma pesquisa do The Times Literacy Supplement.
[4] Igor Shafarevich nasceu em 3 de junho de 1923 e faleceu em 19 de fevereiro de 2017. Foi um dos mais proeminentes matemáticos russos. De família extremamente humilde, construiu uma carreira brilhante. Seu livro "O Fenômeno Socialista" publicado em 1980, foi um de seus marcos no ativismo político. Sua obra "Russofobia", publicada em 1989, foi o mais polêmico de seus trabalhos, tendo sido acusado de racismo e enfrentando diversos processos de censura. No campo matemático, deu diversas contribuições ao problema da Teoria de Galois, bem como soluções para várias equações e conjecturas matemáticas. Também realizou avanços na área da geometria algébrica. Seus trabalhos foram imensamente reconhecidos por Igor Dolgachev, importante matemático russo contemporâneo.
[5] Alain Besançon nasceu em paris, no dia 25 de abril de 1932. É um historiador francês e diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, além de participar em outras organizações e instituições. Foi um admirador do stalinismo que migrou para uma posição mais crítica e anticomunista, bem como contrária a outras expressões consideradas como totalitárias.
[6] Bernard-Henri Lévy nasceu em 5 de novembro de 1948 e é um intelectual francês, além de personalidade midiática e escritor. É um dos líderes dos chamados Nouveaux Philosophes (Novos Filósofos), movimento iniciado em 1976. É considerado como o mais proeminente dos intelectuais franceses da atualidade, segundo o The Boston Globe. É um apoiador ativo do imperialismo atlantista.
[7] André Glucksmann nasceu em 19 de julho de 1937 e faleceu em 10 de novembro de 2015. Foi um filósofo, escritor e ensaísta francês, uma das principais figuras dos chamados Nouveaux Philosophes (Novos Filósofos). Durante a juventude, foi comunista militante simpático ao maoísmo, migrando progressivamente para uma perspectiva anticomunista. Foi um dos participantes ativos das manifestações de maio de 1968, consideradas como o evento embrionário da chamada Nova Esquerda. O marco de sua transição ideológica foi o livro "La Cuisinière et le Mangeur d'Hommes - Réflexions sur l'État, le Marxisme et les Camps de Concentration" ("A Cozinha e o Devorador de Homens - Reflexões sobre o Estado, o Marxismo e os Campos de Concentração"), publicado em 1975, afirmando que o marxismo sempre gera totalitarismo, comparando os crimes dos regimes nazista e stalinista. Passa a criticar ativamente a União Soviética. Foi um forte apoiador de Nicolas Sarkozy, mas criticou a aproximação entre o então presidente francês e Putin. Jean-Marie Laclavetine criticou imensamente Glucksmann, mostrando as contradições entre os pontos defendidos por ele na juventude e suas novas opiniões políticas. Glucksmann assinou uma petição para que o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, continuasse apoiando os Contras na Nicarágua, uma força paramilitar contrária aos sandinistas e famosa por suas execuções e atrocidades. Juntamente com Bernard-Henri Lévy, apoiou a ação militar da OTAN contra a Sérvia, em 1999, bem como o separatismo checheno. Foi um apoiador ativo do atlantismo.
[8] Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski nasceu em 11 de novembro de 1821 e morreu em 9 de fevereiro de 1881. É considerado como um dos maiores romancistas e escritores da Rússia e do mundo. Também é visto como o fundador do existencialismo, cuja obra mais marcante nesse sentido é "Notas do Subterrâneo". Walter Kaufmann diz que esta obra foi "a melhor proposta para o existencialismo". Dostoiévski explora temos como humilhação, assassinato, autodestruição, estados e patologias psicológicas, suicídio, homicídio e loucura. , abordando de modo filosófico e atemporal essas temáticas. Várias correntes do modernismo literário, da psicologia e da própria teologia foram em grande medida influenciadas por suas ideias.
[9] Gibelinos eram membros da facção política que tomaram partido do Sacro Império Romano-Germânico, em oposição aos guelfos, que eram leais ao papado. Após a morte do imperador Henrique V, as duas facções passaram a lutar pelo poder do Sacro Império. O Papa, ao lado dos guelfos, apoiava a Casa de Welf (daí o termo "guelfo", uma derivação de "Welf"), enquanto que os gibelinos apoavam os Hohenstaufen, senhores do castelo de Waiblingen (daí o termo "gibelino").
[10] Trecho do livro bíblico de Salmos, capítulo 82, versículo 6: "Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo".
[11] Raja Yoga ( राज योग em sânscrito, traduzido como "Yoga Real") é uma vertente do Ioga/Yoga com foco no desenvolvimento da mente do rsih (observador), usando, para esse fim, a Dhyana (meditação) e a Samadhi (contemplação). O Bhagavad Gita menciona um conhecimento chamado de Ioga e transmitido por meio da linhagem de rāja ṛṣi, "reis rishi". O Raja Yoga foi divulgado no Ocidente por Swami Vivekananda, o principal discípulo do místico Sri Ramakrishna Paramahamsa. Swami é uma figura chave para a introdução do Vedante e da Yoga no Ocidente.
[12] Lamaístas são seguidores do lamaísmo, que é o Budismo tibetano, também chamado de Budismo Vajrayana, com fortes práticas de meditação, leitura de Saddhanas (textos de liturgia) e musicalização. O Budismo tibetano pertence à vertente budista denominada maajana, tendo o Dalai Lama como maior representante. As principais escolas do Budismo tibetano são a Nyingma, Sakya, Kagyu e Gelug. "Lama", na linguagem tibetana, significa "mestre".
[13] Templários eram os cavaleiros pertencentes à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão ("Ordo Pauperum Commilitonum Christi Templique Salominici", em latim), mais conhecida como Ordem do Templo, uma ordem militar de cavalaria que existiu por cerca de duzentos anos durante o período medieval, fundada para a Primeira Cruzada, ocorrida em 1096, cuja função principal era proteger cristãos que faziam peregrinações à cidade de Jerusalém que, na época, estava sob domínio cristão. Por conta do grande poder militar e financeiro dos templários, o papado tomou medidas para cercear a oganização. Em 1312, o Papa Clemente dissolveu a Ordem. Grande parte dos bens da ordem dos templários foi confiscada ou destruída.
[14] Xiita é aquilo ou aquele(a) que pertence ao ramo xiita (em árabe شيعة , Shīʿah, uma abreviatura para شيعة علي, Shīʻatu ʻAlī, traduzido como "o partido de Ali") do Islã. É o segundo maior ramo do Islã, com aproximadamente 16% do total de fiéis dessa religião. Os xiitas consideram que Ali, genro e primo de Maomé, foi seu sucessor legítimo, considerando como ilegítimos os três califas sunitas que assumiram o controle da comunidade muçulmana após a morte de Maomé.
[15] Chamada de Ordem Rosa-Cruz ou de "rosicrucianismo" foi um movimento cultural surgido na Europa do século XVII. É, essencialmente, uma ordem esotéria formada por várias organizações, que têm em Christian Rosencreutz, provavelmente um personagem fictício da literatura, uma figura em comum. Há a junção entre elementos de Hermetismo, Cristianismo e Kabbalah (Cabala). Alguns historiadores sugerem que os grupos dessa ordem surgiram dentre protestantes alemães entre 1607 e 1616, quando três obras anônimas foram elaboradas e difundadas pela Europa - Fama Fraternitatis, Confessio Fraternitatis Rosae Crucis e Núpcias Alquímicas de Christian Rozenkreuz.
[16] A Reforma Protestante foi um importante movimento reformista religioso durante a Idade Média, ocorrida no início do século XVI, cuja figura máxima foi a de Martinho Lutero. A publicação de suas 95 Teses, em 31 de outubro de 1517, na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, é considerada como o marco da Reforma. Os principais pontos da Reforma Protestante são condensados nas V Solas: Sola Fide (somente a fé), Sola Scriptura (somente a Escritura), Solus Christus (somente Cristo), Sola Gratia (somente a graça) e Soli Deo Gloria (glória somente a Deus).A principal consequência política da Reforma foi a cisão na Igreja do Ocidente.
[17] Ummah ou Umma (em árabe: أمة, transliterado como Ummah, que significa "nação", "comunidade") é o termo usado para se referir à comunidade formada por todos os seguidores do Islã em todo o mundo. É a comunidade global do Islã.
[18] Teologia apofática é a "teologia negativa", é aquela que afirma que qualquer dedução sobre Deus feita pela inteligência humana não corresponde à realidade de Deus, percebendo que todo esforço racionalista sobre os atributos de Deus é uma forma de limitação d'Ele, já que a natureza divina está acima da racionalidade humana. Para a teologia apofática, Deus é inefável, sendo impossível ao homem definir O Divino.
[19] Teologia catafática é a "teologia positiva", é aquela que afirma que pelo procedimento teológico pode-se obter conceitos relativos às qualidades e nomes de Deus, sendo aplicados como causa primeira de todas as coisas, sem, entretanto, limitar a natureza de Deus nem expressá-la adequadamente ou em sua totalidade. É o ramo teológico predominante no Ocidente.
[20] Termo traduzido como "apoiadores", "nobres" ou "chefes", que designa membros de destaque dentre a comunidade islâmica, descritos por Hakim Tirmidhi e Ibn Abi Dunya, com base numa gravação de Abu-z Zinad, da seguinte forma:
"Abu Darda 'disse: "Quando a profecia terminou - eles eram os apoiadores (Awtad) da terra - Alá substituiu seus lugares com 40 homens da nação de Muhammad (as bênçãos e a paz sejam com ele), que são chamados de "Abdal"( Os Substitutos). Nenhum deles morre, exceto que Alá os substitui por outros, para ocupar seus lugares, e eles são agora os apoios desta terra. Os corações de 30 deles contêm a mesma certeza (yaqin) que Sayyidina Ibrahim (asws) tinha. Eles não conseguiram se elevar acima das outras pessoas com muito jejum ou oração [...] mas sim por serem verdadeiras em seu escrúpulos, tendo nobres intenções, corações saudáveis e dando a todos os muçulmanos conselhos sinceros, desejando com isso o Prazer de Deus, Com tolerância paciente e um núcleo misericordioso (de ser) e humildade sem ser manso. Eles não amaldiçoam ninguém, nem prejudicam ninguém, nem se veem como sendo mais altos ou mais nobres do que qualquer pessoa debaixo deles, nem invejam aqueles que estão acima deles. Eles não falsificam sua humildade, nem fingem que estão mortos para o mundo, nem estão ostentosamente impressionados consigo mesmos. Eles não amam o mundo..."
[21] Samail ou Samael (cujo significado é "Veneno (Sama) de Deus (El)", ou também "acusador", "sedutor", "destruidor" ou "deus cego"). Samael é um dos nomes para Satanás ou diabo (chamado de Lúcifer antes de ser expulso dos Céus). Em Apocalipse capítulo 12, versículos 7 a 9, há a descrição da guerra celestial e da expulsão de Lúcifer (do hebraico הֵילֵל, "Hêlel" ou "Heylel", e do grego ἑωσφόρος, "Heōsphoros" - "portador da luz") por Miguel (em hebraico מִיכָאֵל, em grego Μιχαήλ; em latim Michael ou Míchaël; em árabe ميخائيل). Na Cabala, é um dos sete anjos diante do trono de Deus, mencionado em Apocalipse capítulo 8, versículo 2, uma das representações dos Poderes Divinos; é também chamado de "Anjo da Morte", tratado pela Cabala como a "Ira de Deus". No gnosticismo cristão, "Samael", também chamado de Ariael, é o terceiro nome do Demiurgo. Para o Cristianismo canônico, Samael (Lúcifer) era o anjo mais poderoso abaixo de Deus; ao tentar usurpar o lugar de Deus, iniciou uma rebelião nos Céus e foi expulso, sendo rebaixado e chamado de Satanás.
[22] Também chamados de cátaros (do grego καϑαρός, katharós, significando "puro"). Foi uma seita cristã extremista firmada na Europa Ocidental, entre os anos 1100 e 1200, estritamente ligada aos bogomilos da região da Trácia. Pregava a renúncia total ao mundo material, acreditando também na reencarnação, que só terminaria quando o sujeito atingisse a elevação espiritual completa. Eram avessos à reprodução e ao consumo de carne. O catarismo ganhou grande expressividade no sul da Europa, sendo confrontado pela Igreja Católica Romana como um movimento herético. A cidade francesa de Albi foi o principal núcleo dos cátaros (daí o termo "albigenses" para se referir aos cátaros). Uma cruzada contra os cátaros foi realizada pela Igreja Católica em 1209, essencialmente destruindo-os enquanto ramo influente. O conflito contra os cátaros só foi formalmente finalizado em 1229.
[23] Sonnenmenschen é um termo em alemão que significa "Homens do Sol" ou "Homens Solares" ("Sonne" significa sol, e "Menschen", homens). O "Sol" pode ser uma alusão ao "Sol Negro" (schwarze Sonne).
[24] Tiermenschen é um termo em alemão que significa "Homens Animalescos" ou "Homem Animal" ("Tier" significa animal, e "Menschen" significa homens). É um termo utilizado para designar pessoas com comportamento animalesco, "barbárico".
[25] Conferir nota nº 22.
[26] Anabastistas (do grego ανα, "novamente", e do alemão wiedertäufer - significando "re-batizadores") são cristãos protestantes seguidores do anabatismo. Os anabatistas rejeitavam o batismo de crianças, validando apenas os batismos em adultos. Por isso mesmo, seus adeptos eram batizados novamente (daí o termo "re-batizadores").
[27] Pathos é um termo grego comumente traduzido como "paixão", "excesso", "sentimento", "ligação afetiva" ou "padecimento". Foi um termo cunhado por Aristóteles.
[28] Joaquim de Fiore (Gioacchino da Fiore) foi um abade cisterciense e filósofo da cidade de Fiore. Defenia o milenarismo e o advento da Idade do Espírito Santo (ou "Era do Espírito Santo").
[29] A Cruzada Albigense foi a expedição militar organizada pelo Papa Inocêncio III contra a cidade de Albi, na França (daí o nome "Albigense"), com o objetivo de eliminar os cátaros (também chamados de albigenses, conferir nota nº 22), considerados hereges. A Cruzada foi uma forma de legitimar a expansão territorial dos capetos e seus vassalos rumo ao Sul da Europa. Diversos massacres foram perpetrados contra as populaçoes civis de cátaros. O conflito durou de 1209 a 1229. Foi uma Cruzada intra-europeia.
[30] O Califado Fatímida (em árabe, الدولة الفاطمية) foi um califado constituído no Norte da África, de 909 a 1048, e no Egito, de 969 a 1171, controlado pela dinastia xiita dos fatímidas, constituída por quatorze califas.
[31] Guelfos eram os membros da facção que, juntamente com o Papa, apoiava a casa monárquica de Welf, contra os guibelinos (conferir nota nº 9), na série de combates entre as duas facções, ocorridos principalmente na República Florentina.
[32] A Revolução Francesa foi a série de convulsões sociais e políticas iniciadas em 1789. Os revolucionários deram fim ao Ancien Régime (Antigo Regime), depuseram e eliminaram Luís XVI e a essência da monarquia francesa e instalaram um regime republicano na França. Uma revolução essencialmente burguesa, beneficiou esta classe em detrimento da aristocracia e do clero. Exerceu grande impacto nas demais monarquias da Europa Ocidental que, mesmo preservando sua integridade política, tiveram de ceder em alguns dos pontos visivelmente influenciados pelo movimento revolucionário francês.
[33] O Estado Jacobino foi o período de governo resultante da Revolução Francesa dominado pelos jacobinos, uma ala mais radical e extremista dos revolucionários. Os jacobinos defendiam o extermínio da classe aristocrática.
[34] Carl Schmitt, nascido em 11 de julho de 1888 e falecido em 7 de abril de 1985, foi um filósofo, jurista e professor alemão. É tido como um dos maiores especialistas em Direito Constitucional e em Direito Internacional, tendo abordado temáticas relativas à violência e ao poder, assim como a materialização dos direitos. Também abordou áreas como filologia, sociologia, ciência política, teologia e filosofia. Foi grandemente influenciado por Thomas Hobbes, Maquiavel, Rousseau, Georges Sorel. Joseph de Maistre e Vilfredo Pareto. Nos filósofos contemporâneos, exerce influência sobre nomes como Chantal Mouffe, Jacques Derrida, Giorgio Agamben e Paul Gottfried. O fato de ter se aproximado do regime nazista faz com que Schmitt seja um nome bastante controverso.
[35] Giovanni Gentile, nascido em 30 de maio de 1875 e falecido em 15 de abril de 1944, foi um grande pensador do fascismo e um dos maiores nomes do neoidealismo. com uma abordagem filosófica neo-hegeliana. Lecionou História da Filosofia em Palermo, de 1906 a 1914, e também atuou como professor em Pisa, de 1914 a 1917. Foi em Paris que seu ativismo político o conduziu para o fascismo. Durante o governo de Mussolini, Giovanni foi Ministro da Instrução Pública no Reino da Itália, de 1922 a 1925, realizando as reformas de ensino e reformas escolares na Itália. Com a decadência do regime fascista, mantém-se fiel ao regime, trabalhando na República de Salò de 1943 a 1944, quando então foi assassinado por membros da resistência antifascista.
[36] Übbermensch é um termo em alemão que significa "Super Homem" ou "Além-Homem", criado por Nietzsche e bastante presente em seus escritos, principalmente no livro "Assim Falou Zaratustra". O termo designa o homem que consegue superar a moralidade convencional e impor sua própria vontade (vontade de potência), acima das massas.
[37] György Lukács, nascido em 13 e abril de 1885 e falecido em 5 de junho de 1971 foi um filósofo húngaro bastante proeminente no século XX. Lukács foi um importante nome do marxismo. Lukács passou do marxismo stalinista ao marxismo anti-stalinista, com um engajamento político profundamente marcado pela autocrítica não só em relação ao marxismo, mas também a si mesmo. Lukács foi um dos defensores da tolerância partidária, sendo expulso do Partido Comunista Húngaro por Mátyás Rákosi. Quando readmitido ao Partido Comunista Húngaro em meados dos anos 1950, tentaram cooptá-lo para a realização dos expurgos dentro da estrutura partidária. Meray e Aczel afirmam que Lukács se retirou do processo de expurgo como forma de protesto contra o mesmo.
[38] Friedrich Wilhelm Nietzsche, nascido em 15 de outubro de 1844 e falecido em 25 de agosto de 1900, foi um importante filósofo, escritor e compositor alemão (na época, Prússia) do século XIX. Cunhou o ideal de Übermensch. Nietzsche foi um profundo crítico da "moralidade das massas", pregando sua superação e a criação do Novo Homem. Nietzsche é por vezes associado ao pensamento nazista, mas isso se deve mais por conta das edições feitas por sua irmã, Förster-Nietzsche (que passou a editar suas obras a partir de seu adoecimento, criando uma harmonização entre os pensamentos de Nietzsche e os ideais nacional-socialistas de seu marido antisemita, Bernhard Förster), do que essencialmente por expressões próprias de Nietzsche. Nietzsche contraiu sífilis e faleceu duma condição mental deteriorada, durante parte da qual continuou produzindo escritos.
[39] Nikolai Fedorovich Fedorov, nascido em 9 de junho de 1829 e falecido em 28 de dezembro de 1903, foi um proeminente filósofo cristão ortodoxo e um dos principais teoristas do cosmismo, um dos vários movimentos filosóficos russos. Nikolai defendia a progressão científica para reviver pessoas mortas, prolongar a vida humana e até mesmo torná-la infinita. É considerado como futurólogo, defendendo a busca do aperfeiçoamento da raça humana. Teve grande impacto sobre Peter Uspensky e em Konstantin Tsiolkovsky, um dos primeiros no ramo da pesquisa espacial, e que favoreceu imensamente os desenvolvimentos e feitos aeroespaciais da Rússia soviética.
[40] Pierre Teilhard de Chardin, nascido em 1 de maio de 1881 e falecido em 10 de abril de 1955 foi um filósofo e paleontólogo francês que trabalhou para realizar uma conciliação entre ciência e teologia. Chardin atendeu feridos durante a Primeira Guerra Mundial, agindo também como capelão em vários fronts. Formou-se, após a guerra, com seu doutorado na Universidade de Sorbonne. Na China, escreveu "O Fenômeno Humano", sua mais importante obra. Também participou de expedições arqueológicas na descoberta do "homem de Pequim". Enfrentou vários processos de desentendimento com a Igreja Católica por conta de seus estudos e suas opiniões teológicas heterodoxas. Em certa medida, ideais de Chardin foram posteriormente conciliados aos da doutrina católica pelo Papa Bento XVI.Chardin é considerado como um dos maiores conciliadores e filósofos com uma nova abordagem para a aparente dicotomia entre fé e razão.
[41] Nikolai Alexandrovich Berdyaev, nascido em 18 de março de 1874 e falecido em 24 de março de 1948, foi um filósofo político russo. Acostumado à leitura desde cedo, Berdyaev logo se engajou politicamente em ações revolucionárias. Seu ingresso na Universidade de Kiev foi crucial para isso. Aderindo ao marxismo, chegou a ser preso por conta de militâncias e atividades ilegais ainda jovem. Casou-se com Lydia Trusheff, com quem manteve a união até o falecimento dela, em 1945. Sendo cristão ortodoxo, foi crítico bastante ativo da Igreja, principalmente por meio dum artigo publicado em 1913, criticando o Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa. Consequentemente, foi sentenciado ao exílio perpétuo na Sibéria, mas sua sentenção não chegou a ser cumprida, graças à eclosão da Primeira Guerra Mundial e à Revolução Bolchevique. Berdyaev passou a criticar o regime bolchevista por conta de seu autoritarismo e forte dirigismo. Ele organizou um navio e, juntamente com 160 outros intelectuais perseguidos pelo regime bolchevique, se exilaram na França. Berdyaev continuou sua atividade intelectual mesmo na França sob ocupação nazista, deixando um legado que influenciou diversos pensadores. "O Destino do Homem no Mundo Moderno" é um de seus principais trabalhos.
[42] Hīnayāna (हीनयान, em sânscrito) significa "veículo inferior", derivado do Śrāvakayāna, um caminho budista seguido por aqueles que desejam se tornar um arhat (um ser com elevada estatura espiritual). Esse termo foi largamente usado por estudiosos no Ocidente, para se referir ao sistema mais antigo da doutrina budista, de acordo com Monier-Williams, no "Sanskrit-English Dictionary" ("Dicionário de Sânscrito-Inglês"), publicado em Oxford, em 1899. Essa conotação, entretanto, é cada vez menos utilizada. É comumente definido por budistas que o termo não designa nenhuma forma existente do budismo.
[43] Dharma (धर्म em sânscrito, transliterado como Dharma; e धम्म na língua páli, transliterado como Dhamma) é um conceito presente no Hinduísmo, no Budismo, no Jainismo e no Siquismo, que significa "Lei Natural", "Vida", ou "Realidade" numa tradução mais ampla. Também se refere a uma doutrina moral sobre direitos e deveres, o exercício de uma tarefa espiritual ou duma ordem social, uma retidão na conduta, uma virtude; mais diretamente, Dharma é o meio de se alcançar uma elevação espiritual.
[44] Teosofia pode se referir tanto a determinado conjunto de doutrinas religiosas sincréticas, iniciáticas e místicas que procuram pela realização de reflexões filosóficas, buscando conhecimento sobre a divindade para realizar elevação espiritual, quanto à doutrina espiritualista fundada no século XIX por Helena Blavatsky, com forte cunho ocultista e orientalista.
[45] Traduzido como "princípio da liderança" ou "princípio da infalibilidade da liderança", Führerprinzip é o termo que designa a supremacia do chefe, do líder e a obediência absoluta à autoridade por ele representada, cunhado pelo regime nazista. Esse princípio era incorporado no Partido Nazista e personificada na figura do Führer (Hitler).
[46] Saloth Sar (សាឡុត ស em khmer), mais conhecido como Pol Pot (ប៉ុល ពត) ou Minh Hai (មិត្តហៃ), nascido em 19 de maio de 1925 e falecido em 15 de abril de 1998, foi um comunista revolucionário e líder do Khmer Vermelho, o partido que dominou o Camboja. Pol Pot é conhecido como sendo responsável pelo chamado genocídio cambodjano, uma série de execuções de motivação essencialmente política. Em 1979, seu regime é deposto no Camboja graças à intervenção do Vietnã. Ele então passa a agir com um grupo armado anticomunista e antissoviético, com grande apoio dos Estados Unidos, da China (que se opunha ao Vietnã) e da Tailândia, atuando na fronteira tailandesa. Filho de pais ricos, Pol estudou na França, onde passou a se opor ativamente ao então regime do rei do Camboja, Norodom Sihanouk, aderindo ao leninismo. Pol Pot, após vários processos de desintegração do Khmer Vermelho, acabou sendo preso por Ta Mok, líder militar do Khmer, sendo sentenciado à prisão domiciliar perpétua. Pol Pot morreu de ataque cardíaco, e seu corpo foi queimado numa região rural.
[47] A Cheka, também conhecida como Tcheka (ЧК - чрезвычáйная комиссия, em ciríluco, transliterado como Camíssia Tchresvitcháinaia - traduzida por "Comitê de Emergência") foi a organização policial secreta da União Soviética, criada por Vladimir Lênin por meio de decreto emitido em 20 de dezembro de 1917. Foi posteriormente chefiada por Felix Dzerzhinsky, um aristocrata que aderiu ao comunismo. A Cheka foi a organização sucessora da Okhrana do período tzarista. A principal função dessa organização era a de reprimir ou liquidar qualquer atividade "contrarrevolucionária".
[48] O Pacto Molotov-Ribbentrop ou Pacto Nazi-Soviético foi um tratado de não-agressão assinado entre a Alemanha nazista e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, à beira da Segunda Guerra Mundial. O tratado definia dez anos de paz entre a Alemanha e a URSS e a invasão da Polônia (que, posteriormente, deveria ser dividida entre as Alemanha e União Soviética), dos Países Bálticos e da Finlândia. O acordo, assinado em 23 de agosto de 1939 entre Vyacheslav Molotov (ministro soviético do exterior) e Joachim von Ribbentrop (ministro alemão do exterior) - daí o nome do tratado -, era necessário aos alemães, que precisavam garantir uma frente única na guerra, além de suprimentos e materiais que não poderiam chegar à Alemanha em caso dum bloqueio naval britânico, bem como aos soviéticos, que precisavam modernizar seus exércitos e impedir que o avanço alemão se dirigisse ao Leste.
[49] Heinrich Laufenberg, nascido em 19 de janeiro de 1872 e falecido em 3 de fevereiro de 1932, foi um importante líder comunista alemão e um dos primeiros a desenvolver a ideia de Nacional Bolchevismo. Ele era um historiador bastante conhecido pelo pseudônimo de Karl Erler. Começou como membro do Partido de Centro, migrando para o Partido Social Democrata da Alemanha (PSDA), ainda no início dos anos 1900. Heinrich se alojou numa ala de Esquerda do PSDA, sendo influenciado por Wilhelm Schmitt e Peter Berten, sendo escolhido como editor da publicação do partido, o Volkszeitung ("Diário do Povo"), quando a ala de Wilhelm ganhou maior poder dentro do PSDA. Laufenberg foi um grande crítico da participação da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Ele acabou governando a cidade de Hamburgo após a Revolução Alemã (que instituiu a República de Weimar), atuando como Presidente do Conselho de Trabalhadores e Soldados de Hamburgo. Entretanto, a escassez de mantimentos, as várias greves e protestos contra a administração de Hamburgo acabaram minando seu governo, e ele resignou em 19 de janeiro de 1919. Laufenberg migrou para o Partido Comunista Alemão, sugerindo uma política chamada de "Nacional Bolchevismo" a Karl Radek. Essa sugestão Nacional Bolchevique incluía a política da conciliação de classes em busca dos interesses nacionais alemães para, posteriormente, perpretar uma adesão trabalhista mais consistente. Lenin denunciou o Nacional Bolchevismo e as intenções de Laufenberg de se unir à burguesia alemã. Ele acabou sendo expulso do Partido Comunista Alemão, e o próprio Radek, mesmo tendo mostrado um entusiasmo inicial, também passou a atacar o Nacional Bolchevismo. Laufenberg ajudou a fundar o Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães. Entretanto, acabou sendo expulso também desse partido, especialmente por conta de suas posições Nacional-Bolcheviques. Sendo atacado pelos círculos comunistas da Alemanha, tomou um caminho político diferente de seu amigo Wolffheim (também expulso dos círculos comunistas), que havia aderido ao Partido Nazista, aproximando-se do Strasserismo.
[50] Strasserismo é uma variação do Nazismo, defendida pelos irmãos Otto Strasser e Gregor Strasser. Os dois tiveram grandes divergências político-ideológicas com Adolf Hitler no Partido Nazista. Gregor Strasser, nascido em 1892 e falecido em 1934, participou das Freikorps ("Corpos Livres") depois de servir na Primeira Guerra Mundial, formando seu próprio Völkisch ("União de Defesa Popular") após o Golpe de Estado de Kapp, fundido-o posteriormente ao Partido Nazista. No começo de sua carreira política, foi um grande defensor de Hitler, participando do Golpe de Munique e atuando em vários cargos importantes dentro do Partido Nazista. Entretanto, Strasser passou a criticar várias das políticas hitleristas, defendendo uma revolução mais alinhada aos interesses dos trabalhadores. Ernst Röhm conduziu o expurgo das alas "esquerdistas" do Partido Nazista após a tomada de Hitler do poder na Alemanha. Gregor foi um dos mortos na "Noite das Facas Longas" (Nacht der langen Messer). Otto Strasser também atuou como membro dos Freikorps, passando para o Partido Socialdemocrata e lutando contra o Golpe de Estado de Kapp. Em 1925, ele passou para o Partido Nazista, conservando suas ideias socialistas. Mais radicalista do que o irmão, Otto acabou sendo expulso do Partido Nazista ainda em 1930, criando a Frente Negra, um grupo socialista adepto do nacionalismo alemão. Em 1933, deixou a Alemanha e buscou refúgio na Tchecoslováquia e no Canadá, retornando à Alemanha Ocidental, escrevendo sobre Hitler e tratando-o como um traidor dos ideais nacional-socialistas. O Strasserismo é uma corrente de Esquerda do nacional-socialismo.
[51] Conferir nota nº 4.
[52] Alain Besançon, nascido em 25 de abril de 1932, é um historiador e filósofo francês, membro do Instituto de História Social e da Iniciativa Novo Atlântico. Inicialmente comunista, passou a revistar a ideologia comunista e criticar seu elemento totalitário, tornando-se um grande crítico do comunismo.
[53] Aquele que sofre de tanatofilia, uma psicose relativa ao amor com tudo aquilo que está ligado à morte.
[54] Platão (Πλάτων, em grego arcaico), provavelmente nascido em 428 a.C. e falecido em 348 a.C., foi um dos mais importantes filósofos, matemáticos e pensadores do Período Clássico da Antiga Grécia, autor de inúmeros diálogos e fundador da Academia em Atenas, considerada como sendo a primeira instituição de educação superior no Ocidente. Foi discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteleres. Platão foi um dos grandes nomes que ajudaram a construir as bases da ciência, da filosofia ocidental e da filosofia natural. Há aqueles que defendem que Platão foi apenas um pseudônimo usado por Arístocles. Dentre várias das abordagens platônicas está o conceito de Demiurgo, que, para Platão, era um princípio (ou uma figura) neutro, não-dualista e indiferente ao bem e ao mal.
[55] Lev Nikolayevich Gumilev, nascido em 1 de outubro de 1912 e falecido em 15 de junho de 1992, foi um historiador, etnólogo e antropólogo soviético, além de tradutor da língua persa. Desenvolveu várias teorias alternativas na etnogênese. Ele procurou explicar as ondas de migração nomádica ocorridas nas vastas estepes da Eurásia por meio de fatores geográficos, como as vacilações de radiação solar na região, que determinam as áreas de pastagens que poderiam ser usadas para manter os rebanhos dos quais os nômades dependiam para sobreviver. De acordo com a teoria de Gumilev, a limitação das pastagens na Eurásia fez com que os nômades das estepes se movessem para a Europa e a China. Gumilev também descreveu a gênese a evolução dos grupos étnicos. Gumilev tomou base em Konstantin Leontyev e Nikolay Danilevsky para considerar os russos como um "super-ethnos" conectado aos povos túrquico-mongóis das estepes eurasiátics. Apoiador do pan-asianismo, as ideias de Gumilev foram (e continuam sendo) bem recebidas na Ásia Central. Um monumento em sua homenagem foi erguido em Kazan, em 2005, na República do Tartastão, na Rússia.
[56] Yuri Methodievich Boroday, nascido em 22 de fevereiro de 1934 e falecido em 28 de agosto de 2006, foi um filósofo e escritor soviético de origem russa. Em 1957, formou-se na Faculdade de Filosofia e em 1958 se graduou em jornlaismo pela Universidade Estatal de Moscou. Atuou como membro sênior do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências da União Soviética
[57] Marcion de Sinope, também conhecido como Marcião de Sinope (Μαρκίων Σινώπης, em grego), foi um dos mais importantes heresiarcas do Cristianismo primitivo. Sua teologia, chamada de marcionismo, propunha a existência de dois deuses distintos, sendo um deles presente no Antigo Testamento e outro no Novo Testamento, ensinamento condenado pelos Pais da Igreja, valendo a excomunhão de Marcião. Foi um dos maiores hereges e o primeiro a defender a criação de um cânon bíblico. Marcião acabou fundando uma Igreja separada, com fundamentos próprios e que se tornou bastante expansiva. Foi uma rival séria ao pensamento cristão ortodoxo, mas perdeu terreno gradativamente, reaparecendo em ideais dos bogomilos na Bulgária do século X e nos cátaros no Languedoque no Sul da França do século XIII.
[58] Conferir nota nº 3.
[59] O Clube de Roma é um grupo de magnatas de várias nacionalidades, que se reúnem para definir vários assuntos políticos, ambientais e econômicos. Fundado em 1966 pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King, o grupo também se envolve em filantropia. O Clube de Roma também patrocina determinadas pesquisas científicas, principalmente sobre ambientalismo.
[60] A Comissão Trilateral é um fórum privado de discussões, fundado em 1973 por David Rockefeller. Possui membros de várias nacionalidades. A Comissão Trilateral enfrenta críticas tanto de figuras da Esquerda, como Noam Chomsky (que alega que o grupo representa os interesses da elite capitalista domintante), quando da Direita, na pessoa do conservador Barry Goldwater (que criticou as atividades da Comissão como um órgão que deseja dominar e unificar as quatro principais esferas de poder político, monetário, eclesiástico e intelectual, criando um governo global sujeito aos membros da Comissão e que é superior aos Estados-membro).
[61] Religiões abraâmicas são aquelas derivadas do patriarca Abraão ( אברהם, do hebraico, transliterado para Avraham ou Abhraham) - Islamismo, Judaísmo e Cristianismo. São as três principais religiões monoteístas do mundo.
Tradução: Jean A. G. S. Carvalho