Introdução à Noomaquia (Lição I) - Noologia: A Disciplina Filosófica das Estruturas Intelectuais
Abas primárias
Noologia como Ciência da Multiplicidade do Pensamento Humano
O termo Noologia designa a uma nova disciplina filosófica. Noologia é um neologismo derivado de dois termos gregos: νοῦς (“nous”) e λόγος (“logos”). Logos indica palavra, discurso ou investigação. Assim, a Noologia é a disciplina que estuda o Nous. Mas o que é o Nous? Você pode traduzi-lo como mente ou intelecto, ou mesmo consciência. Em alemão, estaríamos falando do "Bewusstsein". Trata-se de algo que está profundamente dentro da mente humana. A questão então surge: o que se entende por humano?
O homem é um ser que difere de todos os outros do mundo em uma coisa: pensamento. Ele é o ser pensante. Toda outra qualidade é compartilhada com outros seres vivos, mas o pensamento constitui uma exclusividade do ser humano, que logo pode então ser definido como uma criatura pensante ou um ser pensante. Como resultado, o pensamento é, por definição, humano. Pensar é ser humano. Todos os seres vivos têm um corpo e várias instâncias relacionadas a ele (todos experimentamos dor física, prazer físico e assim por diante), mas nenhuma criatura, exceto nós, no mundo dos vivos, tem um intelecto e é capaz de pensar. O pensamento ou Nous, então, constitui a essência do homem. Todos os outros aspectos da vida são comuns ao homem e a outras criaturas, mas o pensamento, o intelecto é um aspecto único do homem e é o que nos torna humanos. Ser humano significa ser uma criatura pensante. Assim, o Nous é a raiz mais profunda do ser humano, da humanidade. Somos humanos porque o Nous está em nós. Sem o Nous, o humano não existe.
Portanto, pensar o Nous, ou seja, explorar a Noologia, significa explorar não um tipo de objeto alienado, mas a nós mesmos. Refletir sobre o Nous significa refletir sobre nós mesmos, em nossa natureza mais profunda. Não se trata de algo abstrato, mas de uma espécie de introspecção destinada a conhecer as profundezas mais remotas do nosso ser, a humanidade dos seres humanos. Isto é o Nous.
Podemos apresentar o ser humano sob diferentes pontos de vista. A Noologia apresenta o homem do ponto de vista de sua essência. É, em última análise, o estudo do pensamento enquanto tal.
A Noologia também constitui a base filosófica do multipolarismo, uma vez que a idéia subjacente à Noologia é que não existe um único tipo de intelecto comum a toda a humanidade, um pensamento universal, mas vários. Quando tentamos estudar cuidadosamente o Nous, o intelecto, o pensamento, descobrimos como o processo de pensamento depende da cultura. Se alguém se move no contexto de uma cultura específica, pensa de uma maneira. Se pertence a outra cultura, a outro grupo étnico, a outra religião, a outra geração, pensa-se de uma maneira completamente diferente, ao mesmo tempo que se continua a ser um ser humano (sérvio, russo, francês, inglês, chinês, africano e assim por diante). Logo pertencer a diferentes culturas, diferentes espaços e épocas diferentes, nos faz pensar de maneira diferente.
Portanto, se queremos estudar o Nous, devemos levar em consideração essas diferenças. Sem levar isso em consideração, nunca alcançaremos a essência do pensamento. Se, por exemplo, nós, russos, presumirmos que nossa maneira de pensar é comum a todos e que basta estudar nossos pensamentos para alcançar a essência de Nous, estaríamos errados: assim saberíamos apenas uma parte do todo, já que os croatas, albaneses, ingleses, franceses, chineses, africanos, muçulmanos e outros, pensam de maneira diferente, não apenas em aspectos secundários mas em relação à própria natureza do homem, sobre a vida, morte, família, sexo, história, tempo, espaço, Deus, matéria, mundo, tudo.
A Noologia, portanto, é uma espécie de fenomenologia do intelecto. Em outras palavras, não prescrevemos como ou o que os Nous devem ser; pelo contrário, tentamos explorar e ver como ele é, como o pensamento opera e se apresenta em diferentes contextos. Esse reconhecimento de diferenças sem qualquer prescrição regulatória sobre como os humanos devem pensar normalmente constitui a peculiaridade da Noologia. Nossa abordagem não implica uma homogeneização, uma imposição de algo como universal, mas consiste em entender as diferenças o mais completamente possível. Precisamente por esse motivo, a Noologia é dedicada ao estudo de culturas concretas: a maioria dos meus livros que constituem o projeto NOOMAQUIA é, portanto, dedicada às diferentes formas culturais, da cultura europeia, passando pelo logos francês, o logos inglês, o logos europeu oriental, até o logos russo, o logos americano, o logos chinês, o logos iraniano, e assim por diante.
Somente estudando as diferentes culturas, obtendo a sua quintessência, ou seja, deduzindo como elas pensam, podemos chegar a uma visão do pensamento humano completa, e não parcial. Não estamos dizendo, por exemplo, que o ser humano deve se conformar ao modelo do homem moderno, europeu, branco, materialista e liberal. Esta última é a expressão tangível da civilização anglo-saxônica européia. Mas essa é uma realidade limitada no espaço e no tempo; ela não é universal, representa apenas a maneira anglo-saxã de desenvolver a própria história europeia, inglesa, americana. Se nos mudarmos para a Europa Oriental, para o mundo eslavo, russo, chinês ou islâmico, descobrimos que os homens não seguem o mesmo caminho. Cada um segue o seu.
A essência da Noologia é o reconhecimento da pluralidade de culturas. Pluralidade significa que não há apenas um caminho de desenvolvimento universal e normativo do pensamento. Há mentes e não uma Mente. Ou, existem diferentes manifestações de Nous, tão diferentes e tão particulares que é necessário estudar cuidadosamente cada caso específico – sérvio, russo, alemão, francês, etc. – não se deve criar uma hierarquia entre casos supostamente mais ou menos desenvolvidos, mas chegar a um entendimento profundo de como cada um pensa em diferentes contextos, entendimento destinado a alcançar um conhecimento total dos Nous. Isso é a Noologia.
Noologia como Análise Multinível
A Noologia, o estudo de Nous, é baseado em uma análise multinível. Na Noologia, usamos conceitos relacionados a:
Filosofia, que representa o espelho do pensamento, por isso um conhecimento filosófico básico se faz necessário. Na filosofia, tudo está em contato, tudo está presente simultaneamente e lendo a história da filosofia, lemos a história da humanidade, pois pensar significa ser humano e filósofos dedicam toda a sua vida ao pensamento, que é a essência do homem, como seu objetivo principal. O filósofo, então, é o mais humano dos seres humanos, porque ele se concentra na humanidade do homem. Todo homem é um filósofo, mas o filósofo é o homem realizado. É por isso que a filosofia é tão central para a Noologia;
História das Religiões, que também muito importante para a Noologia, uma vez que a religião se funda nas premissas do pensamento. Sem conhecer as diferentes religiões, não poderíamos entender a Noologia porque a religião também é o espelho do pensamento: nela projetamos nosso pensar sobre os deuses, sobre as relações entre a razão do ser e a fonte do ser, sobre a criação, sobre deus, sobre o tempo, sobre muitas outras coisas que refletem a própria estrutura do Nous;
Geopolítica, que representa a concretização das civilizações, uma espécie de generalização delas. Se ignorarmos a posição geopolítica de um filósofo, não poderíamos realmente entender o que ele quer dizer, porque somos definidos não apenas pelas tradições filosóficas e religiosas, mas também pela nossa posição no mundo. Nosso próprio modo de pensar (nossa noologia cultural) depende de nossa posição geopolítica: aqueles que pertencem a uma civilização talássica pensam diferentemente daqueles que pertencem a uma civilização telúrica; a posição no mapa geopolítico do mundo é, portanto, fundamental para realmente interpretar o pensamento e isso torna indispensável o estudo dessa disciplina;
História do Mundo: o conhecimento da história de todos os povos e culturas do planeta é um tema central da noologia;
Sociologia, a disciplina que mostra como a maneira pela qual nosso ser se apresenta é definida pela sociedade. A sociedade é uma forma de autorreflexão. À medida que tomamos consciência de quanto a sociedade e seus princípios estão presentes em nós, descobriremos que nossa individualidade, nossa originalidade é próxima de zero, é quase inexistente. Praticamente tudo em nós vem da sociedade, todas as nossas idéias: quando dizemos “estou pensando nisso”, na realidade não somos nós que pensamos, mas a sociedade através de nós;
Antropologia, em particular a escola de antropologia moderna fundada por Franz Boas e Claude Lévi-Strauss. A antropologia moderna mostra como as tradições étnicas, as condições de vida, a natureza e a cultura, bem como a relação e o equilíbrio entre elas, definem os valores da sociedade e as diferenças entre as diferentes sociedades. Essa é uma conquista importante da antropologia moderna. Todas as velhas escolas de antropologia do século XIX estão baseadas na teoria da evolução, e isso implica uma classificação entre sociedades desenvolvidas e não desenvolvidas. Pelo contrário, a escola de antropologia moderna mostra que essa concepção evolutiva da sociedade não tem fundamento: certamente existem diferenças, mas, estudando sociedades arcaicas, podemos descobrir que algumas são mais complexas que a nossa; portanto, elas não podem, de forma alguma, ser definidas como subdesenvolvidas, pois não representam um estágio infantil da nossa cultura, mas talvez um estágio maduro, infantil ou envelhecido de uma cultura completamente distinta que precisamos estudar cuidadosamente sem projetar nossas próprias ideias nelas. Esta é uma conquista muito importante da antropologia moderna e constitui um dos princípios fundamentais da Noologia e do projeto NOOMAQUIA;
Etnossociologia, que reúne etnologia e sociologia, e que já foi tema de curso nosso;
Teoria da Imaginação. Eu recomendo fortemente a leitura dos livros de Carl Gustav Jung, de Gaston Bachelard, mas acima de tudo os livros de Gilbert Durand sobre a sociologia da imaginação, que, ao longo deste curso, tentarei explicar brevemente em que consiste (obtive um doutorado sobre isso). Isso é extremamente importante; seus métodos e ensinamentos serão usados em nosso curso como uma espécie de base metodológica;
Fenomenologia, cuja lei fundamental, desenvolvida por Edmund Husserl, Martin Heidegger e outros filósofos pertencentes à mesma linha de pensamento, afirma que os objetos nos quais pensamos, bem como todas as qualidades dos objetos, existem em nossa mente. O que o objeto é para além da nossa mente é algo que só podemos supor, mas do qual não há evidências; além disso, a existência ou não de um objeto ou de algumas de suas qualidades fora de nossa percepção não altera nada em nosso relacionamento com o objeto. As coisas são predefinidas em nossa mente e em nosso processo de pensamento: nisso podemos resumir a principal lei da fenomenologia;
Estruturalismo, de pensadores como Ferdinand de Saussure, Lévi-Strauss e Paul Ricoeur, é importante por ser um método filosófico que explica o todo existente em termos de estruturas. A estrutura é algo invisível, mas que define o significado. Assim, a linguagem é muito mais importante do que o discurso ou as coisas que são ditas na linguagem. Em outras palavras, a linguagem predefine o que vamos dizer. O que falamos são repetições de citações ou palavras do dicionário. É assim com o discurso do qual temos orgulho por sua originalidade. Falamos coisas como "vamos ao cinema", por exemplo, como se fosse o "fiat lux" de Deus, como se fosse um discurso a partir do nada, mas trata-se de mera repetição do que homens e mulheres dizem uns aos outros. "Vamos ao cinema" é uma citação, definida pela estrutura da linguagem. Não há qualqeur originalidade em nada do que falamos. E com todos os nossos juízos, palavras e discursos se passa o mesmo, repetimos as coisas que foram ditas milhões de vezes antes de nós. Não somos os autores do que pronunciamos, mas é a linguagem que fala por si mesma, através da repetição da estrutura lingüística. Este é um conceito fundamental de estruturalismo, um aspecto metodológico muito importante para o projeto NOOMAQUIA.
Como referências importantes para a Noologia, deve-se ler Martin Heidegger, nos termos da Quarta Teoria Política. Deve-se também estudar os conceitos dos filósofos tradicionalistas pertencentes à escola de René Guénon e Julius Evola. Estudar Bachofen sobre gênero e matriarcado também é muito importante, porque o estudo do matriarcado é parte essencial do projeto NOOMAQUIA. A obra “Mutterrecht” ("Direito Materno"), uma obra fundamental de Bachofen, descreve o matriarcado pré-indo-europeu do Mediterrâneo, um assunto muito importante, pois o estudo do matriarcado constitui uma parte essencial da Noologia, além de essa ser uma obra clássica. Devemos mencionar também do estruturalismo de Georges Dumézil e Claude Lévi-Strauss, como eu já disse no que concerne a antropologia estrutural moderna e a etnologia.
Esses são, de modo geral, os campos, métodos ou escolas que usamos na Noologia.
O Nous é Triplo
Existem outros estudos disciplinares desse tipo, não há nada de novo no que eu disse até agora. O que é que torna o projeto NOOMAQUIA tão original? Todas as disciplinas e campos de estudo mencionados têm um papel auxiliar, são ferramentas que nos ajudam a estudar e a entender. O que torna NOOMAQUIA original é o conceito parcialmente novo por trás deste projeto: a existência dos três Logoi.
É minha convicção que o Nous, o intelecto, o pensamento se manifesta em três formas distintas. Em três, nem mais, nem menos. Trata-se aqui de uma abordagem metodológica, uma leitura. Se aceitamos essa leitura, tudo se enquadra no contexto dessa abordagem metodológica. Assim há uma mente e três formas principais, com inúmeras subdivisões incorporadas nessas três formas gerais do processo de pensamento que eu chamo de Logoi. Portanto há um Nous e três Logoi. Agora, não estamos interessados em entender como cada um dos três Logoi se relaciona com o Nous; essa é uma questão excessivamente metafísica e não é importante para nossos propósitos agora. O ponto fundamental é que o Nous não pode se manifestar sem passar por esses três Logoi.
Não há pensamento fora dos três Logoi. E os três podem ser encontrados em todas as culturas. Não há hierarquia entre esses três Logoi, e descobriremos que os três se fazem necessários em todo tipo de cultura. Este é o resultado que cheguei em meu trabalho de pesquisa. No começo, era obviamente apenas uma hipótese, da qual, portanto, eu não podia ter certeza, mas o estudo de todas as culturas do mundo, incluindo as mais arcaicas. na Oceania, África, Índia, América do Sul, América do Norte e assim por diante – confirmaram esta hipótese. Assim, em todas as culturas – sejam arcaicas, modernas ou pós-modernas, européias e não européias – em todas as épocas, em todas as formas de sociedade, podemos traçar esses três Logoi. Em diferentes proporções, em diferentes combinações – eles podem ser combinadas de milhões de maneiras diferentes – mas estão presentes em todos os lugares. Nenhum cultura, povo, religião ou região do globo pode reivindicar possuir apenas um ou dois desses três Logoi. Todas as culturas têm todos os três Logoi.
Uma hierarquia entre culturas ou povos não existe, e não pode existir, uma vez que os três Logos se combinam entre si de maneiras completamente específicas e peculiares, e a maneira como elas o fazem é adequada a cada cultura. Nossa história, nossa identidade, a identidade profunda de um povo pertencente a uma cultura ou religião corresponde precisamente a essa combinação, a um equilíbrio particular desses três Logoi. E como existe um número praticamente infinito de combinações, de mudanças nas proporções entre as formas dos três Logoi, o número de possíveis sociedades humanas é praticamente ilimitado. Daqui resulta que é impossível criar qualquer tipo de hierarquia. As sociedades arcaicas verão o domínio de um dos três Logoi, as modernas de outro, e vice-versa, mas, em qualquer caso, não há regra geral ou universal.
Este é um ponto de considerável importância, pois mostra que, em nossa ciência, em nossa política, em nossa cultura, estamos lidando com um tipo de abordagem racista e colonialista. Nós tendemos a projetar nosso Logos, considerá-lo como algo universal. Mas o estudo aprofundado das culturas nos mostra a ilegitimidade desse modo de proceder. O racismo nada mais é do que a idéia básica de que seu próprio Logos, sua cultura específica, é universal e deve ser usado como modelo para todos os outros. Que, se eles não forem semelhantes a nós, eles são considerados menos desenvolvidos. Este é precisamente o caso da civilização européia moderna. E é também o nosso caso, na medida em que pertencemos a ele. Se aceitamos essa abordagem, estamos ingressando em uma atitude racista em relação à história, ao passado e até a nós mesmos, declarando que um caso específico deve constituir a norma universal, o único modo de desenvolvimento e que todos devem estar em conformidade com ele e seguir seu caminho de desenvolvimento.
“Existe apenas uma cultura, apenas um Logos, o nosso, que é universal e medida de todas as coisas”. Esse tipo de hipertrofia de nós mesmos constitui uma abordagem completamente errada e ilegítima. Estaríamos errados ao pensar que isso diz respeito apenas ao racismo biológico explícito; até o liberalismo moderno, o comunismo e o globalismo são absolutamente racistas porque se baseiam no universalismo de experiências históricas que dizem respeito apenas a uma parte da humanidade, projetadas como objetivo para a humanidade inteira. Aos olhos dos globalistas, por exemplo, o homem africano é apenas um homem prestes a se tornar “branco”, moderno, capitalista, liberal, europeu, eurocêntrico. Ele não é um representante de sua própria cultura africana em um caminho específico de desenvolvimento civilizacional, mas um europeu ainda não plenamente desenvolvido, e que, portanto, deve ser “tolerado”: a idéia moderna de “tolerância” deriva precisamente da consideração que temos por, de considerá-lo imperfeito, como alguém que está a meio do caminho de ser como nós, mas que ainda não é. Em última análise, um “deficiente”. Ao fazê-lo, não reconhecemos o Outro como ser humano completo e perfeito, embora diferente de nós, mas como um ser inferior que deve seguir nosso caminho de desenvolvimento, e que está forçado a fazê-lo porque não há outro caminho possível, e isso isso nos faz ter piedade deles. Isso é profundamente racista. Há um filme muito bonito de Werner Herzog, "Onde as formigas verdes sonham", que mostra não apenas que os povos nativos da Austrália não podem seguir o modelo ocidental, mas que eles não o desejam. Eles seguem seu próprio caminho, certamente diferente do ocidental, e essa é uma decisão deles, ditada por sua própria cultura. Nesse caso específico, estamos lidando com um conflito entre a visão racista anglo-saxã da história e a visão aborígine australiana de sua identidade.
Atrevo-me a dizer que esse é o aspecto ético da Noologia. A Noologia representa uma luta pela dignidade humana de todas as sociedades, sem hierarquias ou projeções universalistas. Deste ponto de vista, a Noologia constitui a base de uma metafísica anticolonial.
Muitas doutrinas que historicamente afirmam ser anticolonialistas, incluindo o marxismo e o liberalismo, na verdade estavam baseadas na visão universalista da história. Por exemplo, para o marxismo, a sociedade africana deve se desenvolver para se tornar socialista, mas isso implica a destruição de seu modo de ser, já que, agora, eles seriam "subdesenvolvidos". O mesmo se aplica ao liberalismo. O liberalismo e o comunismo são tão racistas quanto o hitlerismo. Este é um ponto fundamental da Quarta Teoria Política, que indica a necessidade de seguir um quarto caminho, superando as três principais teorias políticas da modernidade. A Noologia constitui a base metafísica de tudo isso. Ao tratar outros povos como se fossem “inferiores”, nada fazemos além de projetar nossa abordagem racista estabelecendo uma igualdade entre nós e a norma universal, igualdade que é ilegítima e, acima de tudo, falsa, ocultando a pura luta colonialista pelo poder, e não o entendimento, o conhecimento, a sabedoria ou a verdade.
É por isso que a Noologia é tão importante. Constitui a base filosófica e metafísica do mundo multipolar. E os três Logoi e suas múltiplas combinações mostram as diferenças que existem em diferentes culturas.
Os Três Logoi
Agora chegou a hora de entender o que são os três Logoi. Aqui, é útil lembrar os conceitos nietzscheanos de Apolo e Dioniso. Dois deuses gregos que Nietzsche interpreta não como objetos de culto ou adoração, mas como metáforas, como se fossem símbolos ou figuras: não é necessário adorar Apolo para ser apolíneo, nem é necessário adorar Dioniso e participar de orgias em sua homenagem para ser chamado dionisíaco. Apolínio e dionisíaco, para Nietzsche, têm um significado completamente diferente. Ser apolíneo significa ser hierárquico, ter uma maneira lógica de entender o mundo que representa a maneira de pensar diurna. Ser dionisíaco significa, em vez disso, ser irracional, ter uma compreensão intuitiva do mundo, que representa o modo de pensar noturno, crepuscular.
Nietzsche divide as culturas em apolíneas e dionisíacas. Essa visão foi emprestada e desenvolvida por muitos outros autores, tanto que hoje em dia é uma herança comum nos estudos culturais. Também aceito esta divisão, e acho que podemos dizer que existe um Logos de Apolo e um Logos de Dioniso e que o Nous, portanto, se expressa através do Logos Apolíneo ou do Logos Dionisíaco. Isso soa bastante nietzscheano, e isso se dá porque fui de fato influenciado por Nietzsche nesse sentido.
Na tentativa de descobrir mais sobre o Logos de Dionísio, escrevi uma espécie de prequela para a NOOMAQUIA - que poderia ser considerado o “volume zero” – intitulado “Em Busca do Logos Negro”. Minha idéia era considerar a história da filosofia não do ponto de vista apolíneo, que é predominante, mas do ponto de vista do segundo Logos. Criar, em outras palavras, um tipo de contra-história da filosofia baseada em uma leitura dionisíaca. Sabemos perfeitamente bem em que consiste a leitura apolínea da história da filosofia. É precisamente a história da filosofia que todos estudamos. Minha idéia era entender como Dioniso teria considerado os mesmos problemas, as mesmas categorias, as mesmas posições e relações. Trata-se aqui de uma abordagem, de uma espécie de convite feito por Nietzsche, e em certo sentido também por Heidegger. Muitos pensadores pós-modernos tentaram fazer o mesmo, aplicar essa abordagem dionisíaca para decifrar a história da filosofia. Não se trata, até aqui, de algo único, mas eu quis fazer por conta própria.
Trabalhando nessa busca pelo Logos negro - chamei-o assim já que o Logos branco e luminoso é o apolíneo: Apolo é luz, Dioniso é noite ou sombra – e tentando ler com os olhos do Logos negro Hegel, Heidegger, Kant, Platão, Aristóteles e trabalhando nesse campo de pesquisa metafísica, imaginando uma história alternativa dos filósofos com base na abordagem dionisíaca, descobri alguns fenômenos básicos e muito importantes para a NOOMAQUIA., pertencentes à cultura, religião, filosofia, história da filosofia, ciência, arte, psicologia humana, que não podem de forma alguma ser vinculados ao campo do Logos dionisíaco. Alguns elementos estão incluídos, mas há um novo campo que permanece do lado de fora; esses são elementos que não podem ser claramente incluídos no Logos apolíneo, mas que não podem ser atribuídos nem mesmo ao dionisíaco. Podemos falar aqui em uma descoberta empírica no campo da metafísica; existem campos conceituais – por exemplo, a filosofia de Heráclito ou Demócrito, a teoria atomística ou as teorias da ciência moderna – que não são de forma alguma apolíneas e nem sequer podem ser chamadas de dionisíacas. Na busca pelo Logos negro, cheguei à conclusão de que há algo além desses dois Logoi, que existe um terceiro. Para além do Logos de Dioniso, algo mais está oculto. Na sombra de Apolo há Dionísio, mas na sombra de Dionísio há um outro. Eu o chamei de Logos de Cibele.
Cibele é o nome de um deusa anatólia muito antiga (análoga à grega Réia), a Deusa-Mãe da Anatólia antiga. A Grande Mãe dos hatitas, um povo pré-indo-europeu muito especial que viveu na antiga Anatólia antes dos hititas, que mais tarde adotaram essa divindade, integrando-a em seu panteão religioso. Depois deles, o culto a Cibele também foi desenvolvido pela população indo-européia dos frígios, cuja deusa principal era precisamente a “Grande Mãe”.
O culto da Grande Mãe estava baseado na castração ritual do homem. Os sacerdotes de Cibele eram castrados tornando-se eunucos e isso fazia parte da grande visão do matriarcado, do reinado da Grande Mãe, onde o papel do homem é completamente diferente daquilo que conhecemos. Uma posição completamente diferente da posição dionisíaca, já que Dioniso em seu culto era o centro de interação das bacantes, das mulheres, mas também dos homens, e, nesse caso, é o homem no centro da existência humana. O dionisíaco não é transcendente, é imanente, mas centrado no homem, é a imanência de um deus-homem, de Deus enquanto homem, especificamente homem, não meramente humano. E essa presença pode ser definida como uma forma de presença imanente de transcendência. Portanto, não se trata de escuridão total: Dioniso não é o Logos negro. Dionísio é a presença de luz na escuridão. Uma espécie de “sol noturno”. O homem no centro da existência imanente, ctônica, feminina. O ponto masculino na realidade feminina. Uma espécie de raio de sol que atravessa a escuridão e atinge o centro da escuridão para criar um novo amanhecer. Isso é Dioniso. E isso não pode ser confundido com a escuridão ou com o caos.
As orgias, cultos, cerimônias, todos os aspectos relacionados ao dionisíaco não devem ser interpretados como uma inversão da ordem apolíniea. O dionisíaco não é uma reversão do apolíneo, mas é o apolíneo emergindo não de dia, mas de noite. É luz na escuridão. A luz dentro da escuridão É o sol que se põe à noite e nasce novamente na manhã seguinte: mas quando ele passa, quando chega o instante da meia-noite, o sol é invisível, está oculto, não está presente no meio da noite, mas ele existe, está lá, em algum lugar; se ele estivesse absolutamente ausente, não haveria nem amanhecer nem manhã. Da mesma forma, Dioniso não é o sol durante o dia (Apolo-Helios), nem a noite, mas o sol durante a noite.
Onde está o sol quando não há sol? Onde está o céu quando não há vestígios do paraíso, onde está o elemento viril quando não há homem, apenas a escuridão, a terra, a imanência, a matéria e o princípio feminino? Ele está, mas existe. Este é o Logos de Dioniso. Ele cria um novo tipo de visão, uma visão dinâmica, uma espécie de equilíbrio entre os gêneros, entre imanência e transcendência, entre céu e terra. Dioniso é o céu na terra, a terra celestial, o paraíso na terra. O Logos dionisíaco é uma combinação dialética de opostos. Mas, para entendê-lo corretamente, é necessário introduzir um terceiro Logos, e isso é algo que muda completamente todos os conceitos e teorias existentes até agora.
O terceiro Logos, do qual consiste minha descoberta, é o elemento verdadeiramente inovador que representa a característica essencial da Noologia. É o Logos negro, o Logos de Cibele.
Por que o Logos de Cibele foi descoberto tão tarde? Por que ninguém nunca falou de três Logoi antes? Quando comecei a tentar entender e resolver esse problema metafísico, descobri uma coisa muito interessante: para o Logos dominante de Apolo, esse terceiro Logos não pode existir, pois, olhando a situação de um ponto de vista puramente apolíneo, não pode haver outro Logoi. além do próprio Logos de Apolo. Isso ocorre porque o conceito apolíneo é exclusivo, puramente masculino e baseado em um tipo de equivalência entre o homem enquanto masculino é um homem e o homem é humano, ser homem e ser humano é a mesma coisa, e tudo o que não se enquadra nessa definição não tem o direito de reivindicar ser Logos. O único Logos é Apolo, homem e humano. Tudo o que não é masculino não é lógico, não pertence ao Logos, não pertence ao humano e, portanto, pode ser apenas uma espécie de animal ou objeto, não um sujeito; o sujeito só pode ser apolíneo.
A idéia nietzscheana de ampliar o status do Logos conferindo o status de Logos a Dioniso já era revolucionária, pois mostrava a possibilidade de uma abordagem diferente do Logos. Com Dioniso, descobrimos que não existe apenas a abordagem apolínea, mas que pode haver outra. No entanto, juntas a abordagem apolínea e a abordagem dionisíaca não podem permitir a existência de um terceiro Logos, porque ambos são metafisicamente masculinos. Aberto (Apolo) ou oculto (Dioniso), exclusivo (Apolo) ou inclusivo (Dioniso), mas ambos Logoi masculinos. O Logos de Cibele não é masculino. E do ponto de vista masculino, que é predominante, não poderia ser um Logos. Assim ele passa quase despercebido, como uma espécie de ruído e não um discurso. Do ponto de vista do homem metafísico, o que a mulher metafísica diz é um ruído, não um discurso. É algo como o som da natureza, por exemplo. Pode ser mais ou menos bonito, depende.
Do ponto de vista apolíneo, por exemplo, platônico – o platonismo é pura filosofia apolínea: há idéias acima de tudo e imagens abaixo. Há verticalidade. Há o Pai que é o paradigma ou o exemplo eterno, e há o sol que é uma espécie de imitação fenomenológica do pai e para além disso há o nada, khôra, matéria privada de qualidade – não há nada fora do Logos, essa é a definição mais relevante da expressão apolínea do Logos; além do Pai, há o sol e depois a matéria sem qualidade, o que representa, portanto, nada, não-ser, escuridão, pois sem qualidade não há Logos. Assim, existe o Logos do Pai, que é apolíneo, o Logos solar, imanente, que é dionisíaco e nada mais, pois a tradição patriarcal não permite que a outra parte da realidade tenha um Logos. É por isso que o terceiro Logos até agora permaneceu tão oculto.
Somente começando a aplicar um tipo de abordagem dionisíaca à história da filosofia, descobrimos que há algo oculto sob ambos os Logos, porque a abordagem dionisíaca não corresponde à castração, ao tipo de dissolução da Grande Mãe. A idéia dionisíaca é descer às profundezas do inferno para ressuscitar, descer para subir, cair para retornar ao Céu. Ele é sacrifício e é morte, mas também resurreição. É algo completamente diferente do apolíneo. É ir de cima para baixo e retornar. Podemos considerar o Logos dionisíaco a versão extrema do Logos apolíneo, certamente completamente diferente deste, gerando estruturas completamente diferentes, representando outra inclinação do mesmo Nous. No entanto, começando a trabalhar seriamente com o Logos dionisíaco, descobri, como em uma espécie de iluminação metafísica ou revelação, que há algo mais e cheguei à conclusão de que podemos reconhecê-lo como uma terceira forma do Nous ou do terceiro Logos, a saber, o Logos de Cibele. Após essa operação conceitual, finalmente teremos uma explicação realmente completa de todas as versões possíveis de culturas, filosofias, religiões e as relações entre elas.
Podemos imaginar que o Nous é dividido em três Logoi e que cada um deles cria um ou mais mundos; assim, podemos viver em diferentes mundos apolíneos, em múltiplos mundos dionisíacos ou em muitos outros mundos cibelinos, uma vez que não existe um mundo único, mas há uma multidão, uma multiplicidade, uma pluralidade de mundos apolíneos, dionisíacos e cibelinos incrustados uns nos outros, fundidos uns nos outros, representando conteúdo tão rico em cultura, pensamento, arte, história que você pode descobrir de imediato o tesouro espiritual da mente humana. Mas não se trata de caos. Poderíamos descrever formas puras desses três Logoi, apesar das relações entre eles.
O Logos de Apolo
Qual é o universo de Apolo? Ele corresponde à ideia de que tudo é criado de cima para baixo, que tudo vem de um processo descendente. A filosofia platônica é a maneira mais perfeita de expressar esse logos apolíneo.
Toda cultura, quer entre em contato com o platonismo ou não, irá gerar o mesmo tipo de visão apolínea. Eu descobri estudando, por exemplo, na tradição arcaica das populações nilo-saarianas sem nenhuma conexão com os gregos, o Logos de Apolo. O Logos de Apolo em todos os lugares representa a mesma idéia: existe o Deus-Pai que criou tudo, o povo é filho do Deus-Pai, e nós caímos do céu e estamos destinados a retornar; não há dimensão terrena, ou melhor, a terra é a linha mais baixa dessa descida que precede a subida.
O Logos Apolíneo representa uma atitude puramente patriarcal. Tudo é baseado em honra, na guerra, na luta contra a morte e contra a escuridão. Todo homem é feito de luz. Existe um tipo de hierarquia na sociedade baseada em uma linha vertical. Esta é a visão da sociedade platônica, européia, feudal e tradicional. Entre os shilluk, entre os nuer, entre os dinka, tribos da África Nilo-Saariana ou, por exemplo, em outras populações da África Ocidental, entre os povos iorubá, encontramos a mesma visão puramente platônica: os exemplos estão nas estrelas e tudo isso com com o qual estamos lidando é um reflexo, um espelho fenomenológico do que acontece entre as estrelas.
O platonismo não pode ser encontrado, portanto, apenas nas obras e nos diálogos de Platão; ele é uma forma do Logos apolíneo, que se apresenta em múltiplas culturas que não tiveram contato direto com Platão. A tradição faraônica egípcia, por exemplo, está igualmente baseada no sol que vem de cima, que desce para o fundo e cria esse tipo de versão piramidal do mundo, uma construção puramente apolínea cuja base é quadrada e o cume é unitário. É por isso que o fogo, em grego πῦρ (pŷr), é apresentado em Platão como piramidal, uma espécie de fogo que sobe. O fogo é, portanto, sagrado, a luz é sagrada, somos filhos da luz; e daí se segue o patriarcado, a dominação absoluta do princípio masculino e a submissão do princípio feminino, e todos os outros elementos apolíneos.
Em outras palavras, o Logos de Apolo não deriva de pessoas que leem Platão e aplicam seus escritos à sua sociedade; em parte é assim, mas não podemos explicar todas as sociedades apolíneas através da leitura de Platão. O Logos apolíneo é platônico, mas Platão é um reflexo desse Logos, ele constitui uma excelente forma, a mais completa em que esse Logos se expressa, ou seja, representa a melhor introdução ao Logos apolíneo, que, no entanto, não é uma criação de Platão , é uma criação do Nous. O platonismo é uma das maneiras pelas quais o Logos apolíneo opera no Nous, pelas quais ele se revela, pelas quais se manifesta.
O Logos apolíneo, dissemos, não é uma criação artificial de uma única mente humana, mas dos Nous. Nossa mente humana pode seguir a linha apolínea, pode ser platônica, o platonismo pode ser algo que desde o momento do nascimento está presente em nós, se esse Logos dominar em nós, em nossa cultura, em nossa religião, em nosso sistema de valores, se ele define o nosso mundo. Na verdade, domina nosso mundo tradicional: prestamos mais atenção ao céu do que à terra, somos feitos de luz, adoramos criaturas aladas (anjos ou pássaros), nossos deuses vivem no céu ou nas nuvens. Nossa tradição cristã indo-europeia é apolínea. Platão faz parte dessa cultura. Praticamente toda a cultura grega, antes de Platão e depois de Platão, a cultura romana, a iraniana, a indiana e a eslava, todas essas tradições são apolíneas e para nós é absolutamente claro que o mundo é assim, que nenhum outro mundo é possível, porque nós vivemos no mundo apolíneo, nossas tradições são baseadas na visão apolínea.
O Logos de Dioniso
A descoberta do Logos de Dioniso, portanto, constitui uma revolução espiritual e metafísica, pois apresenta a possibilidade de um mundo diferente, com uma simetria e organização diferentes, não baseada no culto à transcendente. No mundo dionisíaco, vemos essa sacralidade no imanente.
É um mundo, o dionisíaco, organizado de forma diferente, em que as mesmas palavras, as mesmas figuras, os mesmos deuses têm significados diferentes. O aspecto dionisíaco na tradição cristã é a figura de Jesus Cristo, que é Deus e homem, tanto transcendente quanto imanente, tanto eterno (no mundo apolíneo tudo é eterno) quanto histórico (ele entrou no tempo). Aqui não se trata de opor o cristianismo apolíneo ao paganismo dionisíaco; na mesma tradição cristã, por exemplo, podemos traçar ambas as figuras: a transcendência da Trindade (elemento apolíneo) e a imanência de Jesus Cristo (elemento dionisíaco).
O mesmo acontece em outras tradições; a figura de Dioniso está presente em diferentes tradições, claramente não com o mesmo nome, mas com as mesmas funções, com a mesma libertação extática (o nome de Dioniso na cultura romana era Liber, ou seja, liberação, liberdade), libertação em relação às restrições da matéria, em relação ao aspecto ctônico da existência humana. E essa é uma espécie de salto na liberdade de Deus, um choque antropológico e metafísico do humano para o divino, da temporalidade para a eternidade (em nossa tradição cristã, a Eucaristia). Esta é precisamente a essência do culto dionisíaco. Em certo sentido, é quase uma heresia em nossa tradição cristã. Estamos no tempo, temos corpos. Entramos em contato com o eterno que é Deus. É um salto metafísico, antropológico e ontológico. Essa é a essência da tradição dionisíaca. E não é por acaso que a Eucaristia da nossa Igreja é feita com vinho, que é o sangue de Deus, e com o grão, o pão, que é o corpo de Deus, já que pão e vinho também eram dois símbolos dos Mistérios de Elêusis, onde Dioniso e Deméter estavam no centro. Continuação de uma tradição simbólica especial fundada em Dioniso e Apolo.
Quando observamos o mundo através do Logos de Dioniso, registramos um mundo; quando o vemos através do Logos de Apolo, estamos lidando com outro mundo. Existem simetrias diferentes, diferentes metafísicas. Dioniso é o círculo ao redor do ponto da eternidade, enquanto Apolo é a própria eternidade, é a lei eterna, tradição, algo invariável, a eternidade da ética, da adoração, o ato de crer na eternidade que afirma ser ela mesma eterna, algo eterno que está fora do processo temporal. Assim, na visão apolínea, procedemos da eternidade para retornar a ela. O tempo não tem importância para a concepção apolínea; o único momento importante para a visão apolínea é o retorno à eternidade, porque o tempo em si, seguindo Platão, é um reflexo da eternidade. Como diz Platão, ele é o espelho da eternidade. A ética do Logos apolíneo, portanto, é o retorno da reflexão ao objeto refletido. A idéia, o arquétipo, o paradigma, o eterno.
O mundo definido pelo Logos de Apolo é baseado em idéias correspondentes a palavras que usamos em nossos discursos como se sua essência fosse eterna. Não chamamos coisas diferentes, mas similares, com novos nomes sempre; para indicar dois ou mais livros semelhantes, sempre usamos a palavra “livro” porque o livro existe como um conceito e é um conceito eterno – em nossa religião há uma espécie de projeção disso, há a Bíblia como um livro eterno, criado e escrito na eternidade: tudo o que está escrito naquele livro é eterno, o próprio livro é eterno; assim, todo nome que mencionamos é eterno em si. Já existia desde os tempos de Adão. Este é o mundo apolíneo, e é um mundo muito familiar para nós, já que pensamos que o mundo é apolíneo em nossa educação tradicional, fomos educados na cultura apolínica, assumimos a lógica de Aristóteles, baseada justamente nas leis da eternidade (os três princípios da lógica clássica: o princípio da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído).
No entanto, no mundo ao nosso redor isso não existe, tudo é duplo, coisas existem e não existem ao mesmo tempo, coisas morrem e nascem. Na física não existe lógica clássica, a lógica que é absolutamente natural para nós, transcendente, que é a essência do Logos apolíneo que opera em nossas mentes humanas, pois opera em nossa cultura, formando nosso paradigma semântico, mas que não existe. A lógica é uma revelação. A é A, Deus é Deus, a lógica que descreve o mundo apolíneo, o mundo com o qual tomamos como certo que temos que fazer, mas que, na realidade, não existe. Não há nenhum ponto no universo onde, de fato, A é A.
Assim, o que é o Logos de Dioniso? Permanecendo dentro de Aristóteles, quando chegamos a outros ramos de sua descrição das ciências, descobrimos que, por exemplo, relacionado à física, Aristóteles diz que toda coisa (ele usou a palavra ὄν, ente) é duplo. Possui forma e matéria e essa é uma concepção anti-lógica, uma vez que tudo o que existe é único e ao mesmo tempo dual, tendo matéria e forma (duas coisas em uma coisa). E se você separa matéria e forma, não haveria nada. Essa é a física aristotélica, corresponde à abordagem dionisíaca do mundo e não pode ser descrita pela lógica, mas pela retórica, porque é algo único, mas não no sentido lógico do termo, é algo uno e duplo ao mesmo tempo. O Logos dionisíaco se manifesta na capacidade de pensar dialeticamente, de conceber uma coisa como duas coisas ao mesmo tempo.
Considere o andrógino, algo que não corresponde à soma do homem e da mulher, mas que no Logos dionisíaco preexiste à existência de homem e mulher; o andrógino não é o resultado de uma combinação de gêneros, mas a fonte dos gêneros e não corresponde ao modo de pensar apolíneo, mas dionisíaco. O andrógino é a figura de Dioniso, contém dois gêneros antes que eles existam separadamente. Está localizado no centro entre os dois pólos, antes que eles existam individualmente. No mundo apolíneo, os dois pólos existem separadamente e o que está entre eles é secundário e é definido pelos dois pólos. No mundo dionisíaco, pelo contrário, existe o que está no meio e as suas projeções criam os dois pólos.
Certamente podemos viver no mundo, na cultura, na religião da abordagem dialética dos dionisíaco – duas naturezas em Cristo, Deus e homem. Trata-se de algo irracional. Como é possível que o mesmo ao mesmo tempo não seja o mesmo, como na Santíssima Trindade, por exemplo. Então essa uma abordagem dialética que cria simetrias completamente novas na religião, na arte e na filosofia. Esse Logos dionisíaco é obviamente possível, mas se apresenta mais na mitologia, na poesia, na literatura, no sagrado, na arte e na linguagem do que na filosofia; é uma linguagem humanística, retórica, não lógica ou matemática (que é apolínea), porque as figuras retóricas envolvem precisamente uma violação das leis da lógica. Em outras palavras, o campo privilegiado do Logos dionisíaco é mais a mitologia, a arte, a poesia, a literatura do que a filosofia.
Um ponto fundamental é que o Logos dionisíaco não é um Logos inferior. Para Platão, todos os poetas deviam ser excluídos do Estado ideal. Isso faz parte da concepção que os apolíneos têm do dionisíaco; com efeito, Apolo concebe Dionísio como sub-Apolo, como algo incompleto por baixo. Isso poderia ser definido como um racismo ou etnocentrismo apolíneo: Apolo se considera a totalidade, o todo, e todo o resto como parte dele ou representando uma espécie de imagem frequentemente distorcida e perversa. Assim, para Platão, a poesia e a mitologia devem ser postas para fora do Estado apolíneo puramente filosófico, porque elas pertencem ao mundo de Dioniso e são consideradas impuras porque são retóricas. Não têm lugar na república de Platão, que coincide com a república de Apolo, pois não tratam de linhas retas, mas curvas, de combinações de elementos estruturados de maneira fantástica, com o espírito criativo da arte que é dionisíaco. É claro que, mesmo na arte, podemos traçar a linha apolínea, mas a maior parte da arte e da poesia é puramente dionisíaca. Uma filosofia de estilo dionisíaco também pode existir; na filosofia moderna, a fenomenologia é puramente dionisíaca. O próprio Heidegger, eu descobri estudando-o por muitos anos, tentou criar uma filosofia dionisíaca, e ele realmente conseguiu; seu conceito de Dasein (“Ser-aí” em português) é precisamente dionisíaco, localizado no centro (aí) entre Apolo (lá) e algo puramente imanente (aqui). O Dasein não está nem lá, nem aqui, ele está no meio, entre os dois, porque lá e aqui são lugares que poderíamos definir de forma estrita, mas esse "entre" é precisamente o ponto em que Dioniso existe. Portanto, o Dasein não deve ser considerado, do ponto de vista apolíneo, como uma mera projeção do Ser. O Ser é apolíneo, ser-aí é dionisíaco. Essa possibilidade dionisíaca da filosofia não vem de cima ou de baixo, mas do meio, não de um dos dois pólos, mas do centro.
O Logos de Cibele
Agora chegamos ao terceiro Logos, o mais fascinante. Com os dois primeiros Logos, duas versões da história da filosofia podem ser criadas, é possível consultar tanto a biblioteca apolínea, como a biblioteca dionisíaca, reorganizando nosso espaço intelectual, remodelando nossa compreensão da história da filosofia e, consequentemente, a história de nossa sociedade e humanidade.
Um ponto importante da Noologia é que podemos rastrear o Logos apolíneo e o Logos dionisíaco em todas as culturas humanas. Mas eles não estão em relações “cordiais” entre eles, porque Apolo pensa de uma maneira e Dioniso de outra. O primeiro cria esse mundo caracterizado pela verticalidade, por essa simetria patriarcal e, por exemplo, exala poesia dionisíaca; existe, portanto, uma espécie de luta entre os dois Logoi. Um Nous, dois Logoi lutando entre si. Aqui está o porquê da “NOOMAQUIA”. NOOMAQUIA é a luta dentro dos Nous. Mas o clímax do drama é alcançado quando chegamos ao terceiro Logos, o Logos de Cibele.
Um terceiro, novo Logos, correspondendo a um terceiro, novo mundo. Criado não de cima para baixo, nem a partir do centro, mas de baixo para cima. Uma nova simetria. É um Logos perdido, negado pelos Logoi de Apolo e Dioniso. O Logos de Cibele é a Grande Mãe que cria tudo sozinha, a partir de si mesma. É a ausência de todo princípio masculino fora da Grande Mãe. Não existe deus exceto a Grande Mãe, não há ninguém além da Grande Mãe, existe apenas a Grande Mãe, a Terra, que cria tudo de si mesma e mata tudo, porque ela é ao mesmo tempo o berço e a tumba. Não há dois pontos na linha da vida, nascimento e morte, há apenas um ponto de nascimento e morte; não há exemplo de deus da morte e deus da vida; existe apenas um deus, uma mãe que cria e mata, dá e tira vida. Cria a criança, o princípio masculino, por si mesma e sem o Pai; ela o usa como amante, depois o castra e mata. Este é o mito de Cibele. Esse mito é explicado de várias formas, em muitos cultos, em muitos credos, mas há um tipo de filosofia por trás dele que é muito profunda e interessante. Não há transcendência nisso, não há lugar para o céu. O céu é uma espécie de reflexo da terra. Toda forma de paraíso é um reflexo da matéria. Aqui estamos lidando com uma imanência absolutamente materialista, diferente da imanência de Dioniso que, pelo contrário, é espiritualista, pois Dioniso é o centro entre espírito e matéria, não dado pela soma desses dois pólos, mas pré-existindo a eles.
O Logos de Cibele é a idéia de que a Grande Mãe cria e mata tudo. Não é a eternidade (Apolo) ou o ciclo (Dioniso), mas algo que age à sua maneira, com poder cego e absoluto. Uma forma de progresso: crescimento de baixo para cima. Na ótica apolínea, Cibele lidera a batalha titânica das forças ctônicas contra o céu e o reino do Logos masculino de Apolo. O Logos cibelino é a criação de um novo mundo que é titânico, ctônico e, em certo sentido, feminista, não porque haja igualdade entre homem e mulher – uma idéia muito mais dionisíaca – mas porque existe o domínio absoluto da Mãe sobre todo o resto.
Indo para a conclusão desta primeira lição, gostaria de destacar um ponto importante. Os três Logoi que ilustrei estão em conflito absoluto. Eles criam mundos, sistemas, sociedades, culturas, religiões, cultos, relacionamentos, valores, sistemas políticos baseados em abordagens completamente diferentes que conflitam entre si.
Aqui está a Noomaquia. Já existe uma forma de contradição entre Apolo e Dioniso. Mas entre Cibele e Apolo, as contradições atingem o ponto mais alto, pois existe uma grave Titanomaquia ou Gigantomaquia entre duas visões opostas. Dois Logoi lutando. Os Titãs, filhos ctônicos de Cibele tentam sitiar o céu enquanto os deuses apolíneos tentam defendê-lo. Do ponto de vista filosófico, os caminhos de Demócrito e Epicuro são puramente cibelinos; nossa ciência europeia moderna também é puramente cibelina. E essa é uma espécie de vingança do Logos de Cibele após os milhares de anos de domínio de Apolo e Dioniso. Estamos vivendo em uma escatologia cibelina. Se deixarmos de lado por um momento nossa tradição espiritual, cultural, religiosa, ética e considerarmos nossa visão científica, notamos que ela é uma visão puramente atomística, materialista e progressista, baseada em uma simetria de baixo para cima.
Cibele não pertence a tempos arcaicos, o Logos de Cibele é algo com que lidamos todos os dias. Atualmente, vivemos em uma situação cada vez mais esquizofrênica, onde nossa cultura e tradição são apolíneas e dionisíacas, enquanto nossa ciência, nossa política, nossa tecnologia é cibelina. Estamos enfrentando o ataque final de Cibele, da Grande Mãe Ressuscitada, com feminismo, inteligência artificial, globalização, democracia, liberalismo e assim por diante. Este é o ataque definitivo dos Titãs da sociedade cibelina, a fim de purificar a modernidade dos restos da tradição, da cultura indo-européia e, finalmente, do Logos apolíneo, estabelecendo o “governo mundial” dos Titãs que representam a Grande Mãe. Naturalmente, nós podemos traçar essa visão do mundo cibelino nos tempos antigos, tanto em nossa civilização quanto em outras civilizações. No entanto, preste atenção ao fato de que não há “civilização cibelina”, já que em todas as civilizações podemos rastrear os três Logoi, em todos os lugares lutando entre si. Vivemos dentro desta Noomaquia, que não é algo puramente teórico, mas se manifesta em nossa política, em nossa cultura, em nossa ciência, em nossa identidade.
Conclusão
Em conclusão, na Noologia, não observamos o mundo através de um desses três Logoi. Se observamos o mundo através de Apolo, deveríamos deduzir que existe apenas um Logos e que todo o resto é perversão; na Noologia, por outro lado, não apoiamos um determinado Logos, apenas estudamos a situação, entendemos os três Logoi – reconhecendo o direito de todos de existir – e seu conflito no Nous. Através desse processo noológico, seremos capazes de interpretar tudo o que acontece no mundo, na cultura, na política e assim por diante. O principal princípio da Noomaquia é o seguinte: três Logoi estão em um conflito insolúvel. Eles lutam entre si pela forma do Nous que deve dominar a cultura. A luta dos três Logoi é a chave para entender a estrutura interna da cultura, civilização e identidade da sociedade. E nos dá a explicação das relações inter-étnicas e interculturais. A NOOMAQUIA explica tudo o que é humano e explica como o homem explica o que não é humano. Esses que descrevemos até agora constituem os princípios fundamentais de NOOMAQUIA como base metafísica do mundo multipolar.