Aleksandr Dugin - A Doutrina Tradicional dos Elementos (Lição IV) - A Metafísica da Luz
Abas primárias
Para começar, gostaria de dizer que no platonismo há uma particularidade na semântica dos termos mais centrais. Nos termos que formam uma estrutura essencial da filosofia platônica. O momento central é precisamente a separação ou divisão entre mundo intelectual ou contemplativo e o mundo sensível ou perceptível, que podemos tocar ou perceber fenomenologicamente.
É interessante que há dois polos:
• o intelectual, e
• o sensível.
Em certo sentido, porém, um se manifesta e o outro permanece oculto. Mas quando começarmos a observar um pouco mais de perto esses termos usados para descrever, no platonismo, o mundo fenomenológico e o mundo contemplativo/intelectual, de maneira paradoxal, não encontramos termos opostos.
Por exemplo, o mundo fenomenológico/sensível, o mundo dado a nossos sentidos, se define com o termo phainesthai, phaino, phos, deixar perceber na luz. O mundo sensível é o mundo visível. Podemos vê-lo. Essa visibilidade é característica essencial do mundo estético (aisthesis), do mundo fenomenologicamente dado.
Podemos dizer que este é o mundo da luz, onde as coisas existem de maneira clara, manifesta. Mas isso só é possível graças a certa luminosidade. Podemos ver e isso significa que podemos sentir. A visão é síntese de todos os outros sentidos. Quando vemos algo, é certo que esse algo é, que ele existe, que está aí. Ver é quase o mesmo que existir de maneira imediata e direta, intuitiva.
É por isso que a visão é a característica do mundo imanente, sensível, estético, que necessita da luz. A luz é o fundamento da sensibilidade. A luz obtém aqui características do onticamente imediato. A luz é um denominador para isso.
Nesse sentido, seria lógico que o mundo intelectual seria posto na escuridão, na névoa, na nuvem (lat. Cālīginis). Mas quando Platão introduz a característica mais importante e central da “entidade” do mundo intelectual e contemplativo ele fala das Ideias, das coisas vistas. Ideia (na etimologia grega) é o ente que pode ser visto. Por isso, Platão introduz com ideia/eidos, a ideia da visão e da luz.
Nesse sentido, é interessante que a oposição platônica entre mundo transcendente e imanente é uma oposição entre luz e luz. Isso é importante porque as ideias são coisas que podemos ver, são coisas vistas. Mas a mesma coisa é também característica das manifestações físicas, naturais, do mundo imanente.
Aqui se contrapõem duas visibilidades, duas luzes, duas luminosidades. Uma luz contemplativa e uma luz sensível, mas as duas são luzes. Uma visibilidade contra outra visibilidade. Uma visibilidade faz da outra visibilidade escuridão. Por isso, o mundo sensível obscurece o mundo intelectual, o oculta. E o mesmo faz o mundo intelectual/contemplativo, o mundo dos arquétipos, obscurecendo o mundo sensível.
Quando pensamos não percebemos/sentimos as coisas imanentes. Quando percebemos as coisas imanentes não podemos pensar de forma pura. Por isso são duas formas de luz e de visão, visão imanente e visão transcendente que se contradizem, se contrapõem, mas são duas possibilidades de visibilidade e manifestação: uma manifestação visível intelectualmente ou uma sensivelmente, fisicamente, esteticamente.
É interessante pensar na união metafísica. Podemos falar de uma única luz, da unidade das duas luzes, porque são luzes, são visibilidade, duas expressões da visibilidade, que na mesma situação se opõem. Expressam uma união dos opostos, uma unidade dos polos que se contradizem entre si.
Nós podemos, racionalmente, desenvolver essas considerações, essa cadeia de ideias, para dizer que existem duas luzes. Essa seria a resposta lógica e racional. Uma luz física e uma luz metafísica. Podemos aceitar isso e essa seria uma maneira habitual de pensar e conceber. Por exemplo, no hesicasmo existe a ideia da Luz Incriada, vista pelos Apóstolos no Monte Tabor, na transfiguração de Cristo, e uma Luz Criada, que é outra luz, uma é Eterna, a outra é temporal, uma é física e a outra é metafísica.
Mas aqui pode ser mais interessante tentar pensar uma natureza única, uma natureza que une as duas luzes, porque possuem o mesmo nome. O nome na Tradição é bastante importante. Se duas coisas possuem o mesmo nome são a mesma coisa. Por isso é importante ver, intelectualmente e com os sentidos, uma visão integral, física-metafísica, que é unitária mas simultaneamente dual. Porque quando há uma percepção da luz metafísica, a luz física se escurece. E o mesmo se dá no sentido oposto. Quando estamos na manifestação visual e perceptível com os sentidos, a luz metafísica se apaga.
Qual é a natureza desse véu que oculta a luz metafísica? Esse véu que, estando no centro ente dois luzes, separa entre luz metafísica e luz física. Há uma intervenção de uma realidade particular que entrando na luz integral, na luz unificadora, cria uma clivagem, uma separação entre luzes, a luz que está aqui e a que está além.
É a natureza do véu, muro ou firmamento que separa duas Águas ou Luzes, a luz superior e a luz inferior.
Quando apresentamos essa visão afirmando as duas naturezas da Luz Incriada e da Luz Criada, metafísica/intelectual x física/sensível, vem à tona o problema do limite, do limiar, do véu. O problema não é tão grande. Esse limiar é precisamente o ato da ausência da medida comum entre Deus e o Mundo. Essa é uma ação criacionista, gera distância ontológica entre Deus e a natureza, que é o mais importante da religião, da teologia. Esse véu, essa distância é a essência da religião. Aqui estamos falando de algo que pode parecer “banal” ou “óbvio” para nós.
Mas ainda é interessante para compreender a natureza da luz considerar esse véu, esse limiar que separa duas luzes na física-metafísica da própria luz. Porque a luz se separa em duas partes pela luz. Então aqui aparece uma terceira luz, a luz intermediária, que está no meio entre Luz metafísica e Luz física.
O Véu é um véu luminoso. O véu também é uma forma de visão, que une e separa a Luz.
Por isso podemos encontrar a ideia de Três Sóis nos textos do imperador romano Juliano, que falou em 3 Luzes, 3 Sóis, Luz Transcendente, Luz Física e Luz Intermediária, a luz que está no meio, o Terceiro Sol, que se põe entre os Dois Sóis, o Sol Metafísico e o Sol Físico.
Muito importante essa integralidade da Luz que está cindida pela luz, transformando a dualidade da Luz em uma trindade da Luz, porque entre Luz Transcendente e Luz Imanente há uma Luz Transcendente-Imanente, que separa e une, há uma osmose entre as Luzes, uma semipenetrabilidade.
A Luz Intermediária deixa a Luz Metafísica entrar na Luz Física, permite a Luz Física entrar na Luz Metafísica, mas conservando ambas distintas, sem confusão, sem permitir o caos, a dissolução das diferenças entre elas. Por isso, essa Luz não só deixa passar, mas também proíbe de passar a luz metafísica e física. Ela deixa passar e interdita. Por isso é um Véu.
Guénon, em sua obra O Rei do Mundo, disse que a semântica da palavra latina Céu, caelum, celare, significa esconder . Daqui caligo e occultus. Mas o mesmo Guénon no outro lugar diz que a palavra latina re-velare significa em mesmo tempo mostrar e esconder. Aquilo que deixa ver também oculta da mesma forma. Esse Véu é o Véu dos Céus, é um Véu celestial, como o Firmamento que está sobre a Terra, o Firmamento que separa as Águas.
Com essa Terceira Luz podemos chegar a uma Física ou Ciência natural correta, que não nega a dimensão metafísica, mas que ao mesmo tempo não faz confusão entre transcendência e imanência, e conserva essa diferença porque as leis da física imanentes não são as leis da metafísica transcendente. A diferença é necessária, mas não apenas a diferença, mas também a comunidade e unidade dos dois domínios.
Com isso podemos precisar a origem da luz física. A luz física não é a luz radicalmente autossuficiente que se cria por si mesma. A luz física é um modo de existência da Luz intermediária. A Luz que está no meio é precisamente a origem da luz física. Daí todos os paradoxos da luz física, que é precisamente a única coisa que si move naturalmente com velocidade infinita. Essa é a diferença da velocidade muito maior que todos os outros elementos. Todos os outros elementos estão sob a luz. A luz é o elemento mais elevado e, por isso, podemos identificá-la com o éter.
Em Hegel e Aristóteles éter e luz são coisas muito próximas ou idênticas. O éter é luz. Por isso é importante que a luz ou éter está para além de outros elementos, mas é a raiz comum de todos os elementos mais grosseiros.
Por isso é necessário recordar que a luz física possui origem não física. A luz física não é meramente física. É física em certo sentido, no aspecto da separação com o véu luminoso, mas ao mesmo tempo a luz física está em relação com a luz metafísica, com a luz escura, com a luz negra. A luz negra é precisamente a luz das ideias, é a luz que está na origem da luz física. São duas luzes diferentes, separadas pelo véu luminoso, mas separadas em osmose, não são duas zonas ontológicas totalmente, irreversivelmente separadas e autossuficientes.
São partes, modalidades da mesma realidade, de uma realidade universal que pode ser e existir apenas graças a essa Luz intermediária, porque com essa separação podemos distinguir entre Ser e Existir, entre transcendência e imanência, mas esses mundos não são autossuficientes. Ambos estão ligados ao véu.
Então, devemos começar a nos distanciar dessa ideia incorreta da autossuficiência das duas zonas. Elas não são autossuficientes, estão ligadas de forma paradoxal através da Terceira Luz. Desenvolvendo essa ideia devemos abandonar ou esquecer essa ideia da autossuficiência ontológica do mundo sensível/material e do mundo metafísico/imaterial. Os dois não são autônomos, estão vinculados entre si.
Não há transcendência sem imanência. É evidente que não há imanência sem transcendência, mas o oposto também é verdadeiro. Não há Deus sem a Criação. Porque sem a Criação não há testemunho de que Deus é.
A escuridão é necessária para luz. Sem escuridão não há luz. A luz obtém sentido comparada e contrastada com a escuridão. Só com essa comparação a luz é luz.
É importante introduzir esse terceiro elemento com a visão da Luz, porque com este elemento podemos unificar e desenvolver a dialética entre a física e a metafísica através da luz. A luz é o caminho que une transcendência e imanência, por não ser um fenômeno que não é meramente física.
Uma luz exclusivamente física inexiste. Toda a luz física possui em si mesma algo de metafísico. Por isso ela não nasce aqui, desce do alto. A luz não nasce do fogo. O fogo nasce da luz. Por isso Fulcanelli dizia que o Sol é uma pedra fria e negra. O Sol não é fogo, é luz, o fogo nasce da luz.
Essa compreensão da luz que une física e metafísica, com ela percebemos que a luz física miraculosamente não é física. Não podemos compreender a luz a partir do fogo, mas ao contrário, compreender o fogo a partir da luz. O ar a partir do fogo, a água a partir do ar, e a terra a partir da água.
O fenômeno da luz é um fenômeno seminatural. Em parte, ele é natural, em parte ele é supranatural. A luz que vemos possui em si mesma uma parte supranatural, milagrosa.
Para concluir, quero dizer que contra todos os nossos esforços de superar o dualismo ontológico da imanência e transcendência, matéria e espírito, sempre reconhecemos a natureza posterior desse véu luminoso, dessa terceira luz.
Para nós, essa luz, quando reconhecemos sua realidade, é algo que segue, um resultado teórico, racional, da necessidade do limiar que separa duas zonas.
Mas outra visão é possível. É possível afirmar que essa luz intermediária é a luz única, a única luz, que oferece duas consequências, a luz que vai de si mesma à periferia, ou de si mesma ao seu centro. A luz em si mesma pode ser compreendida nos dois modos de direcionalidade:
Direção para si mesma, para a zona metafísica, o mundo das Ideias, o Uno, que está no centro, o Um apofático, o Um negro, o Um pré-ontológico.
Direção para a exterioridade, a luz física, que é a manifestação da mesma luz intermediária, na direção da periferia.
A Luz que está no centro pode ir para si mesma ou para fora. E por isso dois mundos são criados a partir da mesma luz. A luz central não é resultado racional de uma combinação de duas zonas ontológicas separadas. Ela é a realidade fundamental e primordial que pode ser a verdadeira origem de duas zonas ontológicas que seguem dessa luz, que são a posteriori dessa luz, comparando com essa luz intermediária.
Nesse caso, a Luz Intermediária não é a terceira, é a primeira, ela é fundamental porque une e separa a si mesma consigo mesma. Eis a importância do Terceiro Sol de Juliano que está entre o Sol Físico e o Sol Metafísico.
Isso completa nossa compreensão da ciência e também da religião. Porque o limiar que separa Deus e Criação é mais importante que a dualidade entre Deus e Criação. Essa linha, esse istmo, que une e separa.
Essa linha que separa a essência e a presença de Deus é precisamente toda a metafísica em si mesma. Essa linha, esse limiar, esse véu, essa Terceira luz que apareceu em nossa exposição da Luz primeira, é precisamente a ideia que permite compreender corretamente a ciência, que se ocupa da imanência, e a teologia, que se ocupa da transcendência.
Por isso, as ideias de Hildegard von Bingen, as ideias de Dioniso Areopagita, até mesmo a física quântica, podem ser incluídas aqui em uma visão geral a ser desenvolvida.